Intervenção militar e intoxicação ideológica

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Recentemente, os defensores da democracia no Brasil ficaram espantados com a ousadia de um general da ativa ao declarar-se abertamente favorável à chamada “intervenção militar” na crise política nacional, no contexto da “iminência de um caos”. O general Antonio Hamilton Mourão, secretário de finanças do Exército brasileiro, declarou sem peso na consciência, durante uma palestra promovida pela velha maçonaria, que considera a possibilidade de intervenção militar no cenário político. Mourão defendeu a intervenção como resposta à deterioração moral do Executivo e do Legislativo. Disse o general, num vídeo que circula na internet: “Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘Pô… por que que não vamo derrubar esse troço todo?‘”, ele pergunta, antes de informar qual é a sua “visão” da conjuntura: ”…Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”.

O cerne do problema reside justamente no fato de que, durante sua fala, o general faz menção de que essa sua polêmica “visão” coincide “com a visão do alto comando do Exército”.

Expondo o Comando do Exército a uma situação pública de saia-justa, o general sequer foi formalmente advertido. Somente três dias depois do acontecimento é que o ministro da Defesa, um civil, soltou nota à imprensa informando que discutia com o Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, a adoção das “providências cabíveis”.  Porém, em entrevista na Rede Globo de Televisão, o General Villas Bôas comentou o discurso de Mourão chamando-o de “grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão”, mas deixou transparecer que concordava com a linha de raciocínio de Mourão, segundo a qual, a Constituição Federal concede às Forças Armadas uma espécie de “mandato” emergencial para intervir “na iminência de um caos”.

Mais grave ainda: não é o primeiro “pitaco” de um general em meio à crise política. Não faltam relatos de generais da ativa e da reserva dando declarações ambíguas, imiscuindo-se na política partidária. Há registros de generais que afirmaram que “a sociedade tem que padecer nas mãos da esquerda”, outros falando de “onda socialista que assola a América Latina”, outros conclamando “a luta patriótica”e outros mais exaltados falando em “julgamento da canalha petista

O que, de fato, esses acontecimentos revelam?

A meu ver tais insubordinações institucionais não são uma mera questão de conjuntura, ou verborragia de militares falastrões. É muito mais do que isso; tais acontecimentos revelam três grandes desafios que precisarão ser corajosamente enfrentados nos próximos anos, caso o Brasil opte por construir um projeto alternativo de desenvolvimento:

  • A falta de clareza constitucional de um projeto amplo de defesa;
  • A resistente intoxicação ideológica das Forças Armadas;
  • A falta de atualização programática e geopolítica;

Não precisamos de uma intervenção militar, precisamos mesmo é de uma intervenção democrática nos militares.

1. DERRUBAR O “TROÇO TODO”, INCLUSIVE A CONSTITUIÇÃO?

A Defesa Nacional é uma área de extrema importância. Disso ninguém, em sã consciência, duvida. Trata-se de uma área estratégica para qualquer nação que almeja projeção internacional. No caso brasileiro, a abundância de recursos naturais exige, por si só, a existência de um amplo projeto de defesa nacional.

As descobertas das reservas de petróleo na camada pré-sal, as reservas de água potável e a importância de seu território no contexto das américas, são fatores determinantes para que o Brasil seja visto como uma nação-chave no xadrez mundial. É por isso que o setor de Defesa Nacional precisa ser pensado, atualizado e fortalecido.

Para que isso ocorra, entretanto, é necessário que toda a estrutura militar das Forças Armadas brasileiras seja revista. Infelizmente, desvalorizadas, nossas Forças Armadas tornaram-se apenas reduto de armamentos ultrapassados e ideologias mofadas. Fora do jogo de poder global, as Forças Armadas brasileiras precisam ser (re)valorizadas com tecnologia de ponta e estrutura que seja, efetivamente, capaz de defender todo o território nacional de maneira ágil. Mas somente isso não é suficiente. É preciso, sobretudo, uma reforma do pensamento. Falta um projeto claro de Defesa, que consiga enxergar plenamente o potencial brasileiro, sem apelar para o autoritarismo.  O primeiro passo para que isso ocorra é o respeito à Constituição, à legalidade e à democracia, e isso, infelizmente, não faz parte da história das Forças Armadas, muito pelo contrário. O levante ilegal de 1964, que culminou no Golpe de Estado e rompeu a ordem constitucional, dá mostras de que nossos militares não convivem bem com a realidade de uma Constituição que discipline (e limite) sua atuação.

Por exemplo, não tenho a menor dúvida de que o Comandante do Exército brasileiro, General Eduardo Villas Bôas, é um homem honrado e absolutamente inteligente. É um homem com profundo conhecimento do território e da cultura do nosso país. Inclusive concordo com algumas de suas colocações em alguns temas específicos, mas, em sua entrevista concedida à TV aberta, demonstra que seu raciocínio jurídico nesse tópico, ao defender a possibilidade (supostamente) constitucional de intervenção em crise política, é equivocado.

A Constituição de 1988, ao contrário do que supõem os militares, retirou o poder de decisão no campo das intervenções  das mãos dos próprios militares e colocou esse poder nas mãos dos civis, representados pelo Presidente da República, autoridade eleita por voto direto, que é também o comandante-em-chefe das Forças. Não consta no artigo 142, da Constituição Federal, que disciplina o papel das Forças Armadas, a expressão “iminência de um caos”. Essa expressão é ambígua o suficiente para permitir aventuras perigosíssimas. O que a Constituição atribui às Forças Armadas é o mandato de agir em defesa da pátria no caso de agressão externa, ou no caso interno apenas na hipótese (restrita) de tentativa de golpe e rompimento da ordem democrática; ainda assim respeitando o devido protocolo de sua convocação.

O conceito de garantia da lei e da ordem é algo muito específico, relacionado à segurança pública e submetido a uma série de procedimentos que inclusive exigem pedido formal dos governadores de Estado (como no caso das ações coordenadas no Rio de Janeiro). Tais ações são previstas no artigo 142 da Constituição, na Lei Complementar 97, de 1997 e no Decreto 3897, de 2001, e dizem respeito tão somente ao contexto de esgotamento das forças tradicionais de segurança pública.

Bem ao contrário da hermenêutica demonstrada pelos generais, a Constituição não concede nenhum mandato emergencial para a solução de crises políticas. Um projeto amplo de defesa nacional no contexto de uma democracia requer, antes de mais nada, a defesa das próprias instituições democráticas, o respeito ao voto, a consulta e participação cidadã, o respeito aos mecanismos de resolução de conflitos no campo político…etc.

A defesa não é atribuição exclusiva dos militares, mas de todos os setores da sociedade de modo que os militares são parte dela. Como parte da sociedade e parte importante da estratégia de defesa, é preciso que as Forças Armadas compreendam que a estrutura maior que lhes legitima é a democracia, consubstanciada no conjunto de princípios constitucionais. Seguindo essa lógica, qualquer declaração pública ou incitação a aventuras intervencionistas, passa a deslegitimar as próprias Forças Armadas.

Derrubar “o troço todo” é derrubar a democracia e a Constituição. Em nome de que? Do interesse nacional? Será mesmo? Esse tesão pelo autoritarismo, pela exceção, essa coisa tosca que impulsionou os acampamentos reacionários em frente à FIESP durante o impeachment de Dilma têm se alastrado numa velocidade impressionante. É uma espécie de desejo ensandecido por ser conduzido, disciplinado, dominado e submetido (…) algo meio masoquista que tem até mesmo contaminado alguns teóricos que se consideram progressistas. É uma espécie de fé num salvador da pátria misturado a um desejo de idolatria.

Derrubar “o troço todo” é continuar sendo uma república das bananas, um embuste, uma farsa histórica. Toda essa balela de intervenção militar não tem nenhum respaldo na Constituição brasileira, nem paralelo em nenhuma democracia ocidental séria. Fico pensando: imagine se um general do Pentágono aventasse publicamente a possibilidade de uma intervenção militar na Casa Branca ou no capitólio… Qual seria a reação das instituições norte-americanas? Por aqui, nenhum pio do Presidente da República nem dos ministros do Supremo Tribunal Federal (…) e olha que no STF tem ministro que trabalha quase como comentarista político.

2. A  INTOXICAÇÃO IDEOLÓGICA DOS MILITARES

É de chorar.

Presas nos terríveis acontecimentos de 1964, as Forças Armadas ainda não conseguiram se atualizar e entrar definitivamente no contexto do século XXI. Algumas estimativas apontam que as Forças de Defesa não possuem capacidade técnica para suportar nem uma hora de guerra. Com equipamentos obsoletos e sofrendo cortes de até 44% no orçamento, o contingente tem mais um desafio gigantesco pela frente: abandonar a sucata ideológica.

A primeira lição dessa tarefa é compreender a democracia e aceita-la como modus vivendi da nação e como melhor sistema político disponível. Mudar sua cultura interna talvez seja também um passo importante, já que ainda permanece em seu interior uma cultura machista e muito autoritária, o que é bem diferente do necessário conceito de disciplina.

As forças de Defesa do Brasil devem estar à altura do país e do povo brasileiro. É simplesmente inaceitável que a 8ª maior economia do mundo tenha uma capacidade de dissuasão tão reduzida. Esse é o maior desafio de uma nação que quer se projetar no cenário tão conturbado da globalização contemporânea. Adquirir experiência, mesmo em tempos de paz, e permanecer de prontidão, são fatores fundamentais para que o Brasil não realize um “voo de galinha”, mas um voo sustentável de projeção internacional. Todavia, um dos maiores entraves para que isso aconteça é a intoxicação ideológica. Explico:

Por diversas ocasiões, o Clube Militar, com sede no Rio de Janeiro, se pronunciou publicamente, demonstrando que ainda mantém a ótica ultrapassada da Guerra Fria. O Clube Militar, no entanto, é uma organização majoritariamente composta por militares inativos. Agora, com o recente arroubo do general Mourão, fica claro que o problema não está num conjunto de velhinhos brancos saudosistas (…) é também o caso de militares da ativa.  Não se trata, claro, apenas de golpismo, o problema é mesmo epistemológico.

O medo da “ameaça comunista” de anteontem, que virou medo da “ameaça bolivariana” de ontem,  hoje virou o medo da “ameaça anarquista”. O medo continua rondando as casernas, pelo menos desde a década de 1960. Pois bem, isso também nos leva a perceber que a reestruturação da Defesa Nacional passa, necessariamente, por uma mudança de mentalidade. Não adiantará em nada o investimento maciço em tecnologia militar se a visão de Defesa não romper com a mera reprodução do discurso da Guerra Fria, segundo o qual o Brasil sempre estará ameaçado por comunistas que querem provocar o caos.

É claro que essa visão deturpada é também uma arma de luta política à medida que contribui para a narrativa das elites. Interessa às elites brasileiras, sobretudo às elites econômicas, o pavor constante, que nada mais é do que o medo incontrolável de que a maioria da população perceba o nível de exploração a que está submetida. Na década de 1960, esse medo geral é que sustentou a Marcha da Família com Deus – uma marcha dos medrosos, pedindo às claras um golpe militar contra o monstro comunista. O resultado não poderia ser outro: um regime arbitrário que se manteve no poder graças a disseminação do medo e do ódio.

Pois bem, os tempos atuais são outros. Disso ninguém discorda, mas a questão é que essa mentalidade continua atuando.

E o que está por trás disso? Quais as bases teóricas desse tipo de pensamento?

As Forças Armadas Brasileiras foram largamente influenciadas pela velha ideologia “integralista” do Brasil, e isso precisa ser definitivamente superado. O integralismo é uma doutrina política de inspiração tradicionalista, nacionalista, ultraconservadora, influenciada pela Doutrina Social da Igreja Católica, teorizada inicialmente por Charles Maurras,  um monarquista francês do início do século XX, foi promovida pela Action Française, e  ganhou força no Brasil por meio da AIB – Ação Integralista Brasileira.

Não se trata, obviamente, de afirmar que as Forças Armadas são integralistas. Longe disso! Mas há que se considerar, como demonstraremos, que alguns dos traços mais fundamentais do integralismo continuam pulsando no interior da corporação.

Sob o lema: “Deus, pátria, família”, o integralismo atraiu figuras históricas importantes como João Cândido, Guerreiro Ramos, Sebastião Rodrigues Alves, João Cândido Felisberto, Abdias do Nascimento, Miguel Reale, Gustavo Barroso, Tasso da Silveira, Olbiano de Mello, Victor Pujol, Hélio Viana, Olympio Mourão Filho, Custódio de Viveiros, Madeira de Freitas, Ovídio da Cunha, Jayme Ferreira da Silva, Osvaldo Gouvêa, dentre outros.

O integralismo defende o princípio de que uma sociedade só pode funcionar com ordem e paz se respeitar as hierarquias sociais. Nos anos 1930, o integralismo teve forte influência durante o longo período do governo Getúlio Vargas (1930-1945) e no princípio deu sustentação a ele. As decisões tomadas por Vargas, porém, não agradaram aos integralistas, o que resultou na tentativa de golpe praticada em 10 de maio 1938, quando o Levante integralista tentou apear Vargas do poder à força.

Como se vê, já na década de 1930, esboçava-se essa linha binária de divisão da sociedade brasileira, opondo “patriotas” a “comunistas”. Segundo essa visão, o comunismo é uma ameaça externa que se estende a todas as hierarquias e instituições sociais: pátria, família, exército, igreja. Daí que no Brasil o movimento também tenha trabalhado efusivamente contra a Intentona Comunista  comandada por Luiz Carlos Prestes em 1935. Na época, além da contrapropaganda, os integralistas armaram milícias paramilitares para combater a marcha comunista capitaneada por Prestes.

O maior defensor dessa filosofia foi Plínio Salgado, político, escritor, jornalista e teólogo brasileiro que fundou e liderou a Ação Integralista Brasileira (AIB) no espectro de extrema-direita, declaradamente inspirado pelos princípios do movimento fascista italiano. Inicialmente adepto do getulismo, Plínio foi mais tarde preso e obrigado a se exilar em Portugal. Após seu retorno ao Brasil, lançou o Partido de Representação Popular (PRP), sendo eleito para representar o Paraná na Câmara dos Deputados em 1958 e reeleito em 1962, desta vez para representar São Paulo. Foi também membro da Academia Paulista de Letras, e candidato à presidência da República, no pleito de 1955, obtendo 8,28% dos votos. Após o Golpe de Estado de 1964, que acabou por extinguir os partidos políticos, se juntou à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), obtendo mais dois mandatos na Câmara. Se aposentou da vida política em 1974, falecendo em 1975.

Plínio adaptou quase todo o simbolismo do fascismo, como os uniformes verdes dos militantes, manifestações de rua altamente arregimentadas e uma retórica agressiva. A ideologia da AIB era tão próxima do nazifascismo, que chegou a dividir a mesma sede com o Partido Nazista em cidades como Rio do Sul. Como características próprias do movimento, a saudação romana era acompanhada pelo grito da palavra tupi Anauê (que significa Eis-me aqui) enquanto a letra do alfabeto grego sigma (Σ) servia como símbolo oficial.  Deve-se notar que, apesar de Plínio rejeitar formalmente o racismo e o antisemitismo, muito dos militantes de seu partido adotavam ideias racistas. Em 1936, durante um desfile de militantes integralistas, centenas de negros foram espancados no centro do Rio de Janeiro.

Uma das bases de sustentação do integralismo foi a imensa colônia de imigrantes italianos, grande parte da comunidade portuguesa, as classes alta e média e militares, especialmente na Marinha. Conforme o partido crescia, Vargas tinha no integralismo sua única base de apoio mobilizada no espectro da direita, que se extasiava com sua repressão contra a esquerda brasileira. Para o historiador Gilberto Calil, em matéria publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional, durante essa época, “os integralistas fizeram um enorme esforço para esconder seu passado fascista e passaram a se apresentar como defensores da democracia”.

No centro do pensamento social e político de Plínio Salgado, está o “homem integral”. Na tentativa de construir um pensamento propriamente brasileiro, o integralismo ressalta a necessidade de um projeto de desenvolvimento em que “o homem” seja integralmente contemplado. Para tanto, combate as chamadas concepções “mutiladoras” ou “unilaterais” do homem. Para Plínio Salgado, a consequência dessas concepções “mutiladas” do homem é a produção de monstros: “O monstro indivíduo, o monstro coletividade, o monstro Estado, o monstro raça, o monstro liberdade”. Para os integralistas, seria necessário uma revisão geral das filosofias dominantes do começo do século XX, e consequentemente uma releitura das ciências sociais, econômicas e políticas. Para que isso fosse possível, o integralismo tentou assim, criar um “pensamento novo”, “baseado na síntese dos conhecimentos” do século XIX, tomando o pensamento de Charles Maurras como ponto de partida mas não como ponto de chegada.

Nesse ínterim, o integralismo brasileiro, procurando se afirmar como corrente tipicamente brasileira defende a propriedade privada, o resgate da cultura nacional o moralismo inspirado na moral cristã e o nacionalismo. O princípio de autoridade mantém uma forte influência no movimento, já que o país nessa perspectiva precisa ser pensado “integralmente”, incluindo a unidade de seu território, de seu povo, de sua cultura, de suas instituições em torno de um ideal patriótico. É o que aparece, por exemplo, no discurso do próprio Comandante Villas Bôas quando critica o “esgarçamento” do país, sem o mínimo de “disciplina social”.

Assim, tudo o que atenta contra a propriedade privada, a cultura nacional, o moralismo e o nacionalismo precisa então ser repelido ainda que pela força. Assim, o integralismo defende um conjunto de ideias curiosamente relacionadas a ideais de extrema direita e, no entanto, defendidos também por parcelas da esquerda. Dá-se ênfase à unidade do povo, do território e da cultura, ao mesmo tempo em que se defende um Estado forte e soberano “integral”, na defesa dos costumes, da língua portuguesa e da família, o que desaguou na ideologia da segurança nacional e dos programas de desenvolvimento levados adiante pela Ditadura Militar instalada em 1964.

Ressalte-se também que o integralismo vê tanto o comunismo como o liberalismo econômico como oponentes. Defende que esses dois posicionamentos ideológicos são semelhantes devido às raízes teóricas. Como vimos, o pensamento de Plínio Salgado rejeita o coletivismo e o individualismo, enxergando em ambos um materialismo, ao qual opõe o idealismo integral. Para o integralismo, o materialismo histórico falha ao considerar o homem apenas sob aspectos econômicos e materiais, o que resultou na “civilização burguesa”, isto é, numa burguesia que não é nem classe social nem classe econômica mas um “estado de espírito”. Miguel Reale (1934), outro ideólogo integralista que influenciou consideravelmente o direito brasileiro, escreve que:

Desde que o marxismo passou a ser a critica da sociedade capitalista e (…) um método cômodo de estudar a sociedade burguesa, muitas ideias acessórias vieram se unir à tese fundamental da limitação da propriedade individual ou da sua supressão. Hoje em dia não é mais possível separá-las. O ateísmo, a abolição da família, o internacionalismo dos povos, o materialismo em todos os sentidos da vida, tudo está tão entrelaçado ao ideal socialista, que nos deparamos com um grande paradoxo: É preciso ter espírito estritamente burguês para abraçar o comunismo

A pretensão de unidade do integralismo reputa ao comunismo e ao liberalismo econômico a internacionalização da humanidade, o ateísmo e a abolição da família. Assim, a pátria, deus e a família seriam vítimas de um complô entre comunistas e liberais. Nos textos integralistas aparecem alguns delírios: o domínio mundial exercido por grandes corporações liberais e cartéis de empresas, assim como uma ditadura mundial resultante da revolução do proletariado… Em todo caso, a crítica é a mesma: a redução de toda a humanidade à condição de proletária, sob a administração de alguns poucos burocratas planejadores. No contexto brasileiro, a verdadeira revolução deveria se dar então por meio do nacionalismo, forjado no passado colonial onde as três raças se fundiram e a verdadeira brasilidade surgiu, como fruto do abandono que Portugal relegou ao Brasil. Essa espécie de “nacionalidade espontânea” seria então corroída pelo “estrangeirismo”… A tarefa do integralismo é resgatar essa ‘nacionalidade espontânea’. O projeto político de uma revolução nacionalista seria, então, unificar as infinitas visões fragmentadas do ser humano e da sociedade, englobando aspectos econômicos, sociais, políticos e espirituais, sem cindi-los.

Defende, ainda, que cada nação necessita de um sistema político adequado à sua própria história, cultura, religião e pensamento. Dá prioridade à preservação da cultura local, da tradição, dos costumes e ao desenvolvimento das zonas rurais, como forma de vencer o cosmopolitismo e o multiculturalismo, tidos como inimigos e como “estrangeirismos” que matam a brasilidade. Sendo  contrário ao modernismo filosófico e prático, o integralismo situa-se como reação (por isso mesmo é reacionário) aos movimentos contemporâneos de globalização e conexão cultural, pregando assim um movimento supostamente original português-brasileiro, livre de influências de qualquer outro movimento estrangeiro. Surge daí, uma certa oposição ao “imperialismo” internacional, na busca pela soberania brasileira.

O Estado nessa visão é sempre atrelado à família, defensor de princípios éticos, religiosos e morais. O Estado, para os integralistas, não é apenas necessário, mas desejável, inclusive no campo econômico, para repelir as “forças dissolventes da Nação”, por isso a visão é de um Estado corporativista.

Em sua leitura da crise política atual, o Comandante do Exército declarou que:

Esse processo que o Brasil vem enfrentando está atingindo nossa essência e nossa identidade. Tem outro componente, que vem de processo histórico recente, das décadas de 70, 80. Até então, o país tinha identidade forte, sentido de projeto, ideologia de desenvolvimento. Perdeu isso. Hoje somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve ser. Por isso, o interesse público, a sociedade está tão dividida e tem Estado subordinado a interesses setoriais.

A nação integralista seria organizada, em tese, com um Estado forte, valorizador da família, dentro de uma hierarquia de valores no qual o espiritual se sobrepõe ao moral, o aspecto moral sobre o social, o social sobre o nacional e o nacional por fim sobre o particular. Estima-se que essa filosofia de Plínio Salgado tenha influenciado à época cerca de 80% do contingente da Marinha e que apenas falhas na comunicação é que causaram o fracasso do levante integralista contra Getúlio. Ao contrário do que muitos propagaram, o movimento não morreu no pós-Vargas, ele influenciou consideravelmente os militares durante a ditadura e permanece até os dias de hoje. A Frente Integralista Brasileira (FIB), por exemplo,  procura manter a ideologia integralista original e mantém núcleos e atividades por todo país.

Essa visão, como se vê, cheira à naftalina envelhecida… é uma teoria embolorada e precisa ser superada, tendo em vista que constitui empecilho para a construção de um Brasil contemporâneo, forte, influente e globalmente relevante. Caso o integralismo não deixe de pulsar nas linhas teóricas das Forças Armadas corremos o risco de aprofundar um enorme déficit entre essas instituições e as exigências democráticas do presente.

 

3. A FALTA DE ATUALIZAÇÃO PROGRAMÁTICA E GEOPOLÍTICA

Existem pelo menos 7 (sete) pontos fundamentais que precisam garantir uma completa revisão da teoria de Defesa Nacional, sem a qual não haverá condições mínimas de construção de um programa alternativo de desenvolvimento. Esse aparato teórico envelhecido não é capaz de realizar uma leitura contemporânea conectada à realidade global e atual.

O primeiro ponto fundamental, é que a linha divisória dual que transpassou a sociedade brasileira no contexto do século XX, simplesmente não existe mais. Não há nenhuma ameaça comunista no jogo de poder global. Não há Guerra Fria em vigor, tampouco intentonas comunistas que ameaçam as fronteiras brasileiras. Não há sinais de movimentos separatistas, nem mesmo de ameaça à quebra da institucionalidade. Nisso está plenamente correto o pensamento do General Villas Bôas, quando afirma que foi um erro deixar que a sociedade brasileira fosse transpassada por essa dualidade. Não percebe, porém, o Comandante, que seus próprios correligionários mantêm viva essa dualidade da forma mais retrógrada possível. É preciso superá-la urgentemente, pois, na realidade, esse embate entre capitalistas de um lado e comunistas de outro desapareceu com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Essa divisão já dava sinais de fraqueza no começo da década de 1980, quando a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) entrou em colapso econômico.

Todos os líderes comunistas que se envolveram com guerrilha e luta armada no Brasil, morreram, envelheceram ou aceitaram depor as armas em nome do jogo político formal. O contexto mudou, e mudou radicalmente. Mesmo os nossos vizinhos com suas dimensões de “socialismo bolivariano” jamais ameaçaram a integridade territorial/democrática brasileira. Não há nenhuma razão para supor uma “ameaça comunista”.

O segundo ponto fundamental é que já não é possível resgatar essa coisa estranha e indiscernível chamada de “brasilidade”. Os estudos antropológicos e sociológicos mais atuais (CANCLINI, 2011) reconhecem que a Globalização afetou todas as nações do mundo, inclusive o Brasil, facilitando trocas culturais, conexões e hibridizações. É muito difícil (para não dizer impossível) imaginar um mundo sem internet, sem o contato com estrangeiros, sem as infinitas trocas de experiências internacionais/culturais. Hoje vivemos a era do computador, dos iphones, dos tablets, dos sites de relacionamento, das redes sociais, do Facebook, do Skype, dos celulares, do Whatsapp, da informação instantânea. É mera ilusão, portanto, imaginar um país sem influência externa. O Brasil influencia e é influenciado no contexto de uma globalização cada vez mais rápida e mais intensa.

O terceiro ponto fundamental, que desmonta completamente essa linha de raciocínio, é que a própria ideia de Estado-Nação está enfraquecida. Parece bem claro que caminhamos para um contexto onde as multinacionais e os fluxos mercadológicos minam cada vez mais o poder de decisão dos grandes líderes mundiais. Mesmo o presidente dos Estados Unidos da América, a maior potência mundial, mede suas decisões pelo termômetro dos mercados, que se tornou também uma espécie de limitação.

O quarto ponto é que a ideia de “tradição” defendida pelo integralismo e constante na Doutrina Social da Igreja Católica tornou-se totalmente ultrapassada. Isto porque segundo os Censos demográficos de 2000 e 2010 a composição social religiosa brasileira está mudando aceleradamente. Algumas projeções apontam que já em 2030 o Brasil deixará de ser um país de maioria católica.

O quinto ponto é que a ideia de moralidade também vem sofrendo profundas transformações. O comportamento dito “moral” da sociedade brasileira nem de longe é parecido com o comportamento moral da década de 1930 ou mesmo da década de 1960. Em termos comparativos, no passado nem mesmo o divórcio era socialmente aceito, enquanto hoje, a sociedade brasileira já celebra uniões homoafetivas e amplia visivelmente sua percepção nas questões de gênero ainda que ao custo de muito choque. Que moralidade é essa, então, que deveria se sobrepor às demais moralidades? E mais importante: quais as moralidades que deixariam de ser contempladas?

O sexto ponto importante é que essa ideologia embora critique o “modernismo” procura uniformizar a diversidade brasileira em torno de certa ‘brasilidade’. Há diferenças muito grandes (e por vezes gritantes) entre as regiões do país. A uniformização integralista com toda certeza teria que sacrificar trechos inteiros do nosso pensamento e da nossa cultura. O que seria, então, da periferia das grandes metrópoles, por exemplo, verdadeiros monstros-híbridos num contexto assim? Seriam exterminadas? Ocupadas? Tornadas (ainda mais) campos de concentração?

O sétimo e último ponto a ser destacado é que, ao realizar um diagnóstico equivocado, essa ideologia aponta para caminhos equivocados. Há, entre os integralistas, pessoas que defendem um retorno à monarquia, ou seja, uma  verdadeira marcha-a-ré. Outros sustentam um projeto de desenvolvimento imposto pelo Estado (e imposto à força! Goela abaixo!). Outros, por fim, advogam que a educação brasileira deve incorporar o “ensino ecumênico” e a “educação moral e cívica” nas bases curriculares. Outros chegam a defender um quarto poder da República: o poder Corporativo, isto é, a união de sindicatos, sindicatos patronais, e grandes organizações na condução dos pilares de um projeto de desenvolvimento, enquanto fico imaginando o nível de corrupção num modelo como esse.

Como se vê, nada disso está relacionado à radicalização da democracia.

4. INTERVENÇÃO EM NOME DE QUE? OU MELHOR, EM NOME DE QUEM?

Enquanto alguns de nossos generais vociferavam contra ameaças abstratas, apresentando o Exército como último bastião da moralidade, fiquei imaginando como os fuzis e munições de uso exclusivo das Forças Armadas vão parar nas mãos de traficantes? As mesmas instituições que se apresentam (pelo menos nas falas dos generais) como solução para a crise moral são recheadas de casos de corrupção, desvios de armamentos, e de munições  em favor da bandidagem. Inúmeros escândalos relacionam oficiais das Forças Armadas ao tráfico de drogas e de armas. Somente o Rio de Janeiro registrou mais de 1.580 armas desviadas de órgãos públicos entre 2000 e 2010, sendo que apenas 6% foram recuperadas.

Intervenção em nome de quem? Do interesse nacional, ou dos interesses setoriais dos próprios militares? Para que? Para combater a corrupção? Como bem salientou Vladimir Safatle, as Forças Armadas não agem contra o “caos”, mas são parte fundamental dele.

Embora particularmente considere que a chave do “imperialismo” seja insuficiente para a compreensão da complexidade global contemporânea, não tenho dúvidas de que nessa imensa rede que está se formando, há um nodo extremamente poderoso que precisa ser considerado: trata-se dos Estados Unidos da América. Pois bem, em 2007 os americanos reativaram a IV Frota para patrulhar nossos mares logo em seguida ao anúncio de descoberta do Pré-Sal. Coincidência ou não, mesmo sendo um defensor da pátria, pelo que consta, o general Mourão não deu nenhuma declaração a respeito.

Mais recentemente, em julho de 2017 foi confirmado para ser realizado ainda esse ano um exercício militar conjunto com o Exército Norte-Americano no meio da Amazônia, na região altamente estratégica de Tabatinga, próximo à tríplice fronteira com Peru e Colômbia e no entanto, nossos saudosos generais não se pronunciaram em defesa dos interesses nacionais.

Ora, historicamente, os norte-americanos desempenharam papel ativo na América Latina, especialmente por meio de intervenções políticas e militares. Décadas depois, os historiadores brasileiros comprovaram a participação estadunidense no arranjo que possibilitou o golpe militar de 1964, fato amplamente noticiado pela imprensa.

Essas intervenções dos EUA na política interna de países considerados aliados, é parte de uma estratégia de governo global do capitalismo. Tais interferências são mais comuns do que se imagina. O escândalo mundial desse nosso século, conhecido como Wikileaks que revelou uma série de informações diplomáticas sigilosas, trouxe dados estarrecedores sobre as interferências norte-americanas no Brasil, através de espionagem, boicotes, financiamento de movimentos políticos, corrupção de políticos de alto nível, aliança com setores midiáticos e outras formas de manipulação da opinião pública.

É o submundo da política externa norte-americana, que parece cena de cinema, mas é a mais pura realidade. Um dos escândalos mais recentes foi a citação do jornalista William Waack, da Rede Globo de Televisão. O conhecido âncora do Jornal da Globo foi citado por documentos revelados pelo escândalo Wikileaks como informante do governo dos Estados Unidos para “sustentar posições na mídia brasileira afinadas com as grandes linhas da política externa americana”. Os documentos ainda apontam encontros sistemáticos entre o jornalista e o embaixador norte-americano no Brasil.

Na avaliação dos norte-americanos, a política externa brasileira havia mudado de direção nos governos petistas, fator este preponderante para que houvesse algum tipo de reação dos EUA. O site Wikileaks chegou a divulgar mais de 1 milhão de documentos sigilosos de todo o globo, passando por mais de 250 mil telegramas confidenciais do Departamento de Estado dos EUA. A Revista Superinteressante, conhecido veículo jornalístico brasileiro, chegou a divulgar uma série de impressões dos órgãos norte-americanos a respeito do Brasil, divulgadas por meio dos documentos. Dentre as revelações, um telegrama de novembro de 2009 dizia que “o Brasil considera entrar em uma competição com os Estados Unidos na América do Sul e desconfia das intenções americanas (…) O Brasil tem uma necessidade quase neurótica de ser igual aos Estados Unidos e de ser percebido como tal”.

Em telegrama de janeiro de 2009, o ex-embaixador norte-americano no Brasil Clifford Sobel comentava o Plano de Defesa Nacional proposto pelo governo Lula. O ex-embaixador explica que o plano foi todo baseado na ideia de que o Brasil possa ser “independente” (entre aspas mesmo!) e critica o então ministro Mangabeira Unger, dizendo que o mesmo “dá mais importância à ‘independência’ do que à capacidade militar” ao comentar a compra de caças para a Aeronáutica que estava sendo negociada com a França.

O mesmo telegrama citava uma suposta “paranoia brasileira” com relação à defesa das fronteiras amazônicas e da bacia de petróleo do Pré-Sal. Até o blackout  sofrido por 18 estados brasileiros em novembro de 2009 foi alvo de comentários da diplomacia americana. A conselheira para assuntos administrativos da embaixada, Cherie Jackson, chegou a defender num telegrama endereçado a Washington, o envolvimento dos EUA  no desenvolvimento da infraestrutura e segurança cibernética no Brasil. Clifford Sobel chega a comentar que Lula era um “esquerdista pragmático” e que não era o principal articulador da política externa de seu governo. O ex-embaixador mostra-se preocupado com a retórica de Lula do Sul contra o Norte, ou dos países subsedesenvolvidos contra os países desenvolvidos.

E o que é mais preocupante: os documentos revelaram operações da Polícia Federal brasileira com apoio norte-americano em solo brasileiro! São supostas operações antiterrorismo que prenderam alguns árabes em São Paulo. Um dos trechos dos documentos diz que: “A polícia frequentemente prende indivíduos ligados ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a isso para não chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo” diz Sobel em um relatório de Janeiro de 2008.

Outro ponto curioso, é que um dos relatórios sugere o engajamento dos EUA na região Nordeste. A região é citada como possível “segundo maior país em tamanho e população da América do Sul”. Dilma Rousseff, por exemplo, foi citada como líder de “passado ideológico como militante de esquerda

Sem levantar qualquer teoria conspiratória, cumpre ressaltar que o nome do juiz federal Sérgio Moro, que ficou conhecido por todo o país por capitanear a Operação Lava-Jato, é citado em um dos relatórios dos órgãos americanos de 2009 como um dos participantes de um Seminário sobre crimes financeiros internacionais, promovido com o apoio do governo norte-americano no Rio de Janeiro.

Esse conjunto de fatores é extremamente preocupante, e precisa ser esclarecido.

Até que ponto a soberania brasileira é vilipendiada pelas interferências norte-americanas? Quais os reais interesses em jogo? Em que instituições há pessoas infiltradas trabalhando em afinidade com a política de Washington? Que tipo de intervenções o país tem sofrido sem nem mesmo perceber? Isso não afeta profundamente nossa política de defesa nacional? Isto não torna o Brasil vulnerável demais?

E os generais… permanecem calados. Nada de intervenção nesses casos!

Julian Assange, o “odiado” fundador da Wikileaks chegou a declarar para a imprensa alternativa brasileira que o Brasil é o país mais vigiado pelos Estados Unidos em toda América Latina. Segundo Assange, isso se dá por causa da importância econômica do Brasil, e em torno de uma política de fortalecimento das petrolíferas norte-americanas na América do Sul. Segundo Assange, Michel Temer foi um dos articuladores do golpe contra Dilma, fornecendo ao governo americano informações preciosas para que o projeto de avanço das multinacionais estrangeiras sobre o Pré-Sal brasileiro se concretizasse.

Pode parecer teoria conspiratória ou enredo de filme policial, mas não é.

Cito novamente, sem medo de ser repetitivo, porque a informação é chocante: logo depois da descoberta das reservas de Pré-Sal, as forças armadas dos EUA reativaram a famigerada IV Frota para patrulhar os mares da América Latina. Depois de 58 anos, um mecanismo militar de controle dos mares latino-americanos da época da Guerra Fria foi reativado sem maiores explicações. Em 2016, Donald Trump foi eleito e não perdeu tempo: nomeou logo Rex Tillerson secretário de Estado, isto é, o CEO da Exxon para o cargo mais importante do governo.

O petróleo é importante para os Estados Unidos porque é o combustível do motor econômico, mas não apenas isso, é também o combustível do modelo ideológico norte-americano, do modelo predatório. Assange chega a afirmar que muitos políticos de Brasília recorreram à Embaixada Americana pedindo apoio para determinado partido ou outro. Relata, ainda, que o que ocorreu no Brasil em 2016 foi muito parecido com a postura da Grã Bretanha em 1975, quando interferiu na política interna da Austrália para remover um partido de esquerda do poder. O resultado foi o mesmo: um golpe branco, ou seja, um golpe institucional aparentemente por dentro da legalidade.

O que a chave imperialista não capta com precisão é que os EUA contam com uma ampla rede de acordos, não é mera imposição pela força às pobres nações oprimidas. Ou seja, é um grande acordo global que envolve as elites locais, as multinacionais, ONGs, o aparato militar, a cooperação de agentes políticos locais, a massiva propaganda ideológica, tudo isso num jogo de poder que visa o máximo de ganhos com o mínimo de esforços.

Ao contrário de tudo isso, o que precisamos defender é um modelo de Forças Armadas que seja modernizada em seu aparato físico, mas também em seu próprio pensamento. É preciso ingressar de vez no século XXI sem reproduzir a sucata conceitual de antes. Pode parecer piada, mas o Brasil até pouco tempo utilizava satélites estrangeiros para os seus programas de defesa. Que tipo de projeto de Defesa é esse em que o país permanece refém de interesses privados e estrangeiros na gestão de informações estratégicas e confidenciais?

Espera-se, dos militares brasileiros, braço forte contra os predadores dos nossos recursos, e mão amiga com relação ao seu próprio povo, não o contrário. É por tudo isso, que o desafio não é apenas adquirir caças e tanques de guerra. É mais do que isso: é preparar um projeto estratégico, democrático e amplo de Defesa Nacional, com tecnologia de ponta, integrante de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento alternativo a tudo isso que está aí. O desafio é, sobretudo, re-pensar o país, sendo necessário, para tanto, atualizar as bases de um projeto de Brasil, pautado pela radicalização da democracia e não por sua supressão. Afinal, um país que almeja um futuro mais justo não pode permitir que suas fardas continuem cheirando a mofo…

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, Carlos de Faria.  Plínio Salgado: resumo biográfico. Editora Gazeta dos Municípios, , 1951.

CALIL, Gilberto. A nova face do movimento. Revista de História da Biblioteca Nacional. 1° de outubro de 2010.

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, São Paulo, Edusp, 2011.

Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001

NARLOCH, Leandro. Eles Estão Entre Nós. In: Revista Aventuras na História. ed. 31. Março de 2006. São Paulo: editora Abril.

REALE, Miguel. O Estado Moderno. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1934

 

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