Leifertização do jornalismo esportivo vai além do Leifert

Na última segunda-feira, dia 26, o jornalista e apresentador de televisão Tiago Leifert, atualmente funcionário das Organizações Globo, escreveu um texto na GQ Brasil em que defende a tese de que política e eventos esportivos não devem se misturar.
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Na última segunda-feira, dia 26, o jornalista e apresentador de televisão Tiago Leifert, atualmente funcionário das Organizações Globo, escreveu um texto na GQ Brasil em que defende a tese de que política e eventos esportivos não devem se misturar. Como era de se imaginar o artigo repercutiu bastante e gerou uma enxurrada de críticas, a sua esmagadora maioria discordando da argumentação de Leifert. Algumas que destaco foram as manifestações de três importantes jornalistas: os tuítes do Jamil Chade (1); o Juca Kfouri em entrevista ao programa Voz Ativa (2); e uma excelente postagem no Medium do Caio Maia.

Eles mostraram, respectivamente, como a política e esporte são indissociáveis e como há um processo em que o jornalismo esportivo tem tomado mais e mais um rumo tortuoso em que a crítica e a ética jornalística ficam de lado para dar espaço à propaganda e ao entretenimento puro e simples. Um aspecto interessante e até curioso é que há alguns anos se cunhou a expressão leifertização do jornalismo esportivo em referência a programas esportivos que tentam enveredar pelo caminho do humor, uma abordagem que em verdade existe há muito tempo, mas que ganhou visibilidade na televisão justamente com Tiago Leifert, agora protagonista da polêmica, quando o mesmo passou a apresentar e comandar o Globo Esporte em 2009, mudando seu tradicional formato e lhe dando um caráter informal e pândego.

A mudança fez tanto sucesso que no ano seguinte, na Copa da África, o principal produto esportivo do canal também ganhou uma cobertura mais informal e liderada pelo apresentador em oposição à abordagem mais séria adotada nas Copas anteriores. Desde então o jornalismo esportivo da Globo foi sendo mais e mais tencionado ao entretenimento até que, neste ano, o departamento saiu da aba do jornalismo e finalmente foi encaixado na área do entretenimento. Uma mudança histórica e bastante elementar em relação ao que ocorre hoje no jornalismo esportivo – e não apenas na Globo.

Como citado anteriormente, não é de agora que uma abordagem mais do campo do entretenimento é realizada nas coberturas esportivas. Há uma enorme tradição no rádio desde muito em que se usa desse artifício (lembro que quando criança já na distante Copa de 94 a Rádio Transamérica fazia transmissão que se dizia irreverente e com várias anedotas antes, durante e depois dos jogos) e nada mais natural que a televisão tenha encontrado público para tal e importado o formato. E não há nenhum problema com isso, afinal. Se há demanda, por que não? O problema ético aqui com a leifertização do jornalismo esportivo é que em não poucas vezes isso é vendido ao espectador como jornalismo convencional. E não é. Nunca foi. Quando Galvão Bueno diz que é um vendedor de emoções e que precisa criar narrativas e jogar um tempero para apimentar as transmissões basicamente o que está afirmando é que entreter o espectador está acima de reportar fatos. Ora, para o jornalismo o fato, o factual, é a base de tudo. Tentar convencer o telespectador que uma partida ruim é em verdade boa não é algo definitivamente que cabe à ética jornalística, mas sim à marquetagem e à propaganda. Coisas diferentes que aqui se misturam.

Outro aspecto a salientar é que esse problema porém não é fácil de contornar. Juca Kfouri citou que deveria haver uma separação clara entre o trabalho do entretenimento a partir do esporte e aquele realizado por jornalistas. A questão é que muitas vezes a relação se confunde e se retroalimenta. E mais: ela não nasce apenas de uma vontade política, mas de uma necessidade ante a mercantilização em cifras cada vez mais astronômicas de eventos esportivos. Paga-se caro para transmitir campeonatos de futebol, Olimpíadas, Copa do Mundo, eventos automobilísticos. O retorno desses canais e mídias, como sabemos, é por meio da comercialização de espaços na grade para anunciantes. Quanto mais audiência, em tese mais pessoas vão querer pagar para ter sua marca exposta na grade. E nesse círculo pouco virtuoso, sempre lembrando José Trajano que corretamente diz que qualidade na televisão tem muito pouco a ver com audiência, a tendência é que a propaganda e o marketing sobre os eventos esportivos transmitidos ganhem não apenas prevalência, mas dominem completamente a cobertura. E é bem simples entender o porquê: para o canal e sua tentativa de arregimentar audiência, quão interessante é criticar o produto que transmite? É nesse processo, como fruto indissociável dele, que a leifertização do jornalismo esportivo tem ganhado espaço e certa hegemonia. A defesa de que haja uma dissociação com a política e mesmo uma despolitização do processo entra como mera consequência já que tudo é tratado como se fosse apenas entretenimento banal pra divertimento fácil.

É uma pena que seja assim, mas cada vez mais é como será. Em suma: a razão diz que Leifert está errado, mas as cifras dizem que ele está correto. O que fazer?