Desmistificando o auxílio-reclusão

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Um dos temas mais comuns de discussão do cotidiano do brasileiro é o auxílio-reclusão, ironicamente chamado por alguns de “bolsa preso” ou “auxílio-vagabundo”, termos que como veremos são totalmente inapropriados para descrever a real situação de tal benefício previdenciário.

Pode-se dizer que o desconhecimento acerca do custeio e dos rígidos critérios para o pagamento do referido benefício fazem com que a população se revolte contra o seu pagamento, portanto o presente artigo se destina a combater alguns mitos que cercam o auxílio-reclusão.

MITO Nº1: O AUXÍLIO-RECLUSÃO É PAGO AOS PRESOS.

Ao contrário do que o senso comum diz o auxílio reclusão não é pago para aqueles que se encontram presos, mas sim para seus dependentes, para sua família.

Entende-se por dependentes o cônjuge, o companheiro, os filhos não emancipados com até 21 anos e o filho inválido ou com deficiência (intelectual ou física) com qualquer idade. Portanto, o benefício possui como destinatário um núcleo familiar que já se encontra em situação de vulnerabilidade econômica e emocional em razão da prisão de um ente querido que colaborava financeiramente para o sustento da família. Tal benefício visa proteger a integridade do núcleo familiar, impedindo sua desintegração e fornecendo um auxílio no sustento material daqueles que necessitam, conferindo uma proteção mínima para que os integrantes da família do preso não passem fome. Ainda, funciona como modo de evitar que parentes desesperados recorram à criminalidade como meio de se obter sustento em razão da brusca diminuição do orçamento.

MITO Nº2: OS IMPOSTOS DA POPULAÇÃO PAGAM O AUXÍLIO RECLUSÃO.

O auxílio-reclusão é devido somente aos dependentes do preso que contribuía para a Previdência Social, portanto o auxílio-reclusão não é caridade da sociedade que opta por pagar um valor mensal aos dependentes do preso, é um direito que ele possui enquanto segurado.

O auxílio-reclusão funciona com uma lógica muito diferente da dos valores pagos a título de BPC ao idoso e à pessoa com deficiência. Explico: os Benefícios de Prestação Continuada ao idoso e a pessoa com deficiência são regidos pela Lei Orgânica de Assistência Social e não são benefícios previdenciários, são pagos independentemente de contribuições em razão somente de critérios etários, físicos e socioeconômicos, ou seja, são pagos aos idosos ou deficientes que integrem núcleo familiar com renda per capta inferior a ¼ de salário mínimo, tal critério é relativizado pela jurisprudência que da preferência à análise socioeconômica do caso em concreto.

De modo que é a contribuição previdenciária do próprio indivíduo que foi preso que irá custear o auxílio reclusão.

MITO Nº 3: O PRESO CONTRIBUI UMA VEZ SÓ PARA QUE SUA FAMÍLIA POSSA RECEBER O BENEFÍCIO.

 Para que os dependentes do segurado preso recebam o auxílio reclusão, outro requisito deve ser preenchido, o da condição de segurado. Antes do advento da Medida Provisória 664/2014 que alterou o art. 26, I, da Lei 8.213/91, não havia a exigência de carência para que os dependentes do segurado fizessem jus ao seu recebimento, contudo atualmente se exige uma carência de 24 recolhimentos mensais.

Não basta que o preso tenha contribuído uma ou duas vezes, deve ter contribuído no mínimo por 2 anos, 24 meses, para que sua família faça jus ao benefício.

MITO Nº 4: A FAMÍLIA DE PRESOS RICOS RECEBE O AUXÍLIO- RECLUSÃO.

 Além da condição de segurado, da carência, da existência de dependentes econômicos, outro requisito para a concessão do referido benefício é o último salário-contribuição se encaixar dentro do limite previsto pelo Governo.

Nos primeiros dias de cada ano é elaborada uma portaria conjunta entre o Ministério da Fazenda e o Ministério da Previdência Social que estabelece o limite do salário-contribuição para o pagamento do auxílio-reclusão. No ano de 2017 a portaria nº 13 do Ministério da Fazenda fixa em R$ 1.292,43 o limite, de sorte que a família do segurado cuja última contribuição superou esse teto não fazem jus ao benefício que aqui se estuda.

MITO Nº 5: A FAMÍLIA DE PRESOS DESEMPREGADOS QUE CUMPREM OS DEMAIS REQUISITOS RECEBEM O BENEFÍCIO.

Para que a família de uma pessoa desempregada que foi presa faça jus a tal benefício, necessário é que ela mantivesse a condição de segurado no momento da prisão, nos diz o art. 15 do Regimento Geral da Previdência Social que a condição de segurado é mantida sem limite de tempo para quem recebe benefício previdenciário; por 12 meses o segurado que: deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração, que for acometido por moléstia de segregação compulsória, que obtiver livramento, que se licenciar para prestar serviço militar e por 6 meses se segurado facultativo.

A lei ainda traz algumas hipóteses de aumento do período de graça, fato é que existe um exíguo limite temporal  entre a última contribuição e a prisão para que a família seja beneficiária.

MITO Nº 6: NÃO EXISTE LIMITE DE TEMPO PARA A DURAÇÃO DO BENEFÍCIO.

O primeiro limite temporal para o recebimento do referido benefício previdenciário é a própria reclusão do segurado, enquanto ele permanecer preso no regime fechado ou semi-aberto, em tese, a sua família faria jus ao benefício – desde que preenchidos os demais requisitos.

Todavia, as recentes mudanças na legislação previdenciária trouxeram uma nova limitação ao pagamento dos benefícios, variando conforme o tempo de contribuição do preso e a idade de seus dependentes, o prazo variando entre: sem limite máximo no caso cônjuges e companheiros com certa expectativa de sobrevida e de três anos para os dependentes menores de 21 anos quando da prisão do segurado.

MITO Nº 7: A FAMÍLIA DO PRESO QUE FOGE RECEBE CONTINUA RECEBENDO O BENEFÍCIO.

Outra importante ressalva é a de que o pagamento do benefício é interrompido com a fuga do preso, sendo retomado com sua volta à prisão, se ela ocorrer dentro do período de graça.

O que se vê, portanto, é um instituto cuja gama de beneficiários é extremamente restrita. O Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do globo, em 2015 607,7 mil pessoas se encontravam atrás dos portões de ferro dos complexos penitenciários do Brasil. Desse total, somente 43,1 mil famílias de pessoas que se encontravam presas recebiam o referido benefício, ou seja, somente 7,1% das famílias dos presos, um número incrivelmente baixo.

CONCLUSÃO

Diariamente o auxílio-reclusão é alvo de ampla campanha difamatória, inserida no quadro de exclusão social permanente da pessoa que foi presa. A prisão é a capitis diminutio do mundo moderno, aquele que foi preso mesmo após a sua saída do sistema penitenciário terá permanentemente o status de um cidadão de segunda categoria, um pária social que não possui oportunidades de emprego, estudo e reinserção social.

A criminalidade é a única porta que se encontra escancarada.

O auxílio-reclusão, como vimos, é uma ferramenta muito importante na proteção do núcleo familiar daquele indivíduo que se encontra no sistema penitenciário. Muitas vezes é a única forma de se garantir a compra dos alimentos e dos requisitos básicos de higiene de toda uma família.  Os políticos alimentam o senso comum para se mostrarem “durões” no combate a criminalidade tomam medidas que possuem o efeito contrário e levam mais pessoas ao mundo do crime. É com esse intuito, de satisfazer a sanha por vingança social, por penas cada vez mais rígidas e duradouras e visando exportar para todos os ramos da vida do egresso o selo prisional com que os ex-penitenciários estão marcados, que os políticos tomam medidas no sentido de restringir e até cogitam a exclusão do benefício do auxílio-reclusão, como recentemente afirmou Michel Temer que o faria, desistindo em seguida de sua decisão por terminar o auxílio.

Defender o auxílio reclusão é atuar na proteção de um dos setores mais vulneráveis da sociedade, é um modo de garantir condições mínimas de sobrevivência de milhares de famílias que se encontram em estado de vulnerabilidade econômica, social e emocional.

É papel fundamental do Estado atuar na proteção dessas famílias.