Crise e Reformas: violentas expressões da ofensiva neoliberal

Crise e Reformas: violentas expressões da ofensiva neoliberal
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Para além das facetas jurídicas, que viciadas na tecnicidade positivista camuflam a perversidade das Reformas Trabalhista e Previdenciária, está a incontestável realidade política e econômica de um projeto neoliberal que tem por finalidade fulminar os dois maiores instrumentos de limite ao poder econômico e distribuição de renda do país.

É possível verificar historicamente que sobre o pretexto de enfrentamento de crise econômica são atacados os já escassos direitos conquistados pelo povo, justamente como ocorre agora.

Neste sentido, é crucial reforçar a relevância da crise no que concerne à reorganização das forças produtivas em busca da retomada das taxas de lucro. Fato que denuncia que para além de intrínsecas ao modo de produção capitalista, tendo em vista a queda tendencial da taxa de lucros, as crises são necessárias para sua reprodução.

Tal afirmação tem sido facilmente ratificada pela realidade brasileira, a qual em plena crise econômica observou expansão do número de milionários, a despeito da queda na renda média do brasileiro[1], o que nos faz questionar: crise para quem? E mais, para quê?

Vale rememorar que o paradigma de Estado Social, tal qual conhecemos, foi fruto da miscigenação político-produtiva do fordismo-keynesiano, que durante os anos dourados americanos de 1930 a 1970 cede à luta dos trabalhadores e à disputa ideológica que travava com a URSS e concede diversos direitos sociais meio a política econômica destacadamente intervencionista traduzida no “New Deal”, que se materializou na busca da expansão do mercado de trabalho e de consumo.

Contudo, a crise secular da década de 70, ou ainda, a chamada Crise do Petróleo, ficou conhecida como o marco do colapso do capitalismo fordista e consequentemente derrocada do Estado keynesiano. O fordismo-keynesiano que por anos se caracterizou como sustentáculo para o acúmulo de capital, tornou-se sua trava com a queda das taxas de crescimento e o endividamento estatal crescente.[2]

A profunda recessão imposta pela citada crise, segundo David Harvey[3], movimentou um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista e viabilizou todo um período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político abrindo espaço ideológica e materialmente para um novo processo de acumulação, a “acumulação flexível”.

Essa fase do processo produtivo é marcada pelo confronto direto com a rigidez do fordismo, sendo que ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Ademais, afirma Harvey que a “acumulação flexível” envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, desencadeando um desenvolvimento no “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais em regiões até então subdesenvolvidas.[4]

O neoliberalismo em sua forma econômica, produtiva e política vem submetendo países por todo o globo, sendo que no capitalismo periférico seus efeitos são mais nefastos ainda. Estes ao não centralizarem os grandes fluxos econômicos, encontram-se historicamente submetidos aos mandos e desmandos do colonialismo e imperialismo, consequentemente se fazendo dependentes tecnológica, econômica e militarmente.

Neste sentido, o agravamento da exploração de mais-valia toma uma dimensão mais drástica na periferia.

A superexploração da força de trabalho que os capitalistas das nações dependentes têm de impor aos trabalhadores na tentativa de suprir o intercâmbio desigual[5]  entre economias periféricas e centrais ocorre então na própria produção interna. Estes ampliam a produção de excedente pelo agravamento da exploração de mais-valia, pelo aumento da intensidade do trabalho, pelo prolongamento da jornada de trabalho ou ainda, pela redução do consumo do operário.

Ou seja, se no modo de produção capitalista o trabalho ao tornar-se mera mercadoria já é dotado de uma precariedade intrínseca, no Sul do mundo tal precariedade se exacerba com a superexploração.

Deste modo, a mencionada reestruturação produtiva e econômica neoliberal vem se constituindo enquanto sinônimo do imperativo de expansão e autovalorização do capital. Consequentemente, sinônimo também do agravamento das taxas de exploração meio à flexibilização e muitas vezes, desregulamentação de direitos sociais, dilapidando os marcos protetivos das legislações nacionais.

Resta evidente que as Reformas são expressões inequívocas da submissão da forma técnica do processo produtivo à forma econômica neoliberal, “flexível” e desregulamentada, e da aniquilação dos sistemas nacionais de seguridade constituídos sob a égide do Estado de Bem-Estar Social keynesiano; fatos que devolvem ao Estado o status de inigualável comitê pelos interesses da burguesia, e só.

Referência bibliográficas:

[1]“Em crise, Brasil vê número de milionários aumentar”. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-crise-brasil-ve-numero-de-milionarios-aumentar,10000089814. Acesso em 20 de mar.2017

[2] HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado: processos de transformação do sistema capitalista de Estados. Tradução de Luciano Carvini Martorano. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 143

[3] HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 20.ed. São Paulo: Loyola, 2010, p. 140.

[4] HARVEY, David. . Op. cit., p. 148.

[5] “Na medida em que aumentam a oferta mundial de alimentos (que são bens-salário), os países latino-americanos acabam induzindo a uma redução dos preços dos produtos primários no mercado mundial. O resultado direto disso é uma redução do valor real da força de trabalho nos países industriais, permitindo que o incremento da produtividade se traduza em ampliação da mais-valia. “Em outras palavras, mediante sua incorporação ao mercado mundial de bens-salário, a América Latina desempenha um papel significativo no aumento da mais-valia nos países industrializados” (Ibidem, p. 116). Como o preço dos produtos industriais se mantém relativamente estável, a depreciação dos bens primários acaba sendo refletida na deterioração dos termos de troca. Nesses termos, a deterioração dos termos de troca acaba sendo a expressão da realização de um intercâmbio desigual de mercadorias entre nações industriais e não industriais, dentro da imposta divisão internacional do trabalho. Tal intercâmbio, ao contrário de exprimir uma troca de equivalentes, conformam uma série de mecanismos que permitem realizar transferências de valor. Seriam dois os principais mecanismos através dos quais se realizaria a transferência de valor. O primeiro opera em nível da esfera de produção interna. Como as mercadorias tendem a ser vendidas pelo preço de mercado (valor das condições médias de produção), os países centrais acabam realizando suas mercadorias por um valor superior ao custo de produção, na medida em que possuem padrões de produção superiores aos países periféricos. A conseqüência disso é a transferência de valor do centro para a periferia, por conta do processo de concorrência entre capitais internos e externos dentro de uma mesma esfera de produção.O segundo opera no âmbito da concorrência entre distintas esferas que se interrelacionam. A existência de monopólio na produção de bens de alto valor agregado por parte dos países centrais permite que estes vendam seus produtos a preços superiores àqueles que prevaleceriam com iguais taxas de lucro, o que implica que as nações periféricas sejam obrigadas a ceder gratuitamente parte do valor que produzem.” DUARTE, Pedro Henrique Evangelista; GRACIOLLI, Edílson José. A teoria da dependência: interpretações sobre o (sub)desenvolvimento na américa latina. Anais do V Colóquio CEMARX. Campinas: Unicamp, 2007, p. 8 (grifo nosso).