Queda da Taxa Selic: necessária ou suficiente?

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Após dez cortes sucessivos, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reuniu novamente na última quarta-feira (7) e decidiu reduzir a taxa básica de juros, Selic, de 7% ao ano para 6,75% ao ano.

A queda de 0.25 ponto percentual, conduzindo a um patamar histórico, foi seguida do anúncio de que, a partir de agora, interrompe-se o ciclo de diminuições. Hoje, em termos reais, o juro encontra-se em torno dos 2,8%, descontando-se a inflação dos próximos 12 meses.  

O Banco Central informou, contudo, que a flexibilização monetária poderá prosseguir moderadamente a depender de eventuais alterações na evolução do cenário básico da economia. Em caso de mudanças na projeção da inflação ou novidades na economia internacional, a Selic poderá diminuir ainda mais, mas isso não se encontra nos planos atuais do governo.

Por outro lado, as recentes  agitações nas Bolsas de Valores dos Estados Unidos guardam a possibilidade de uma alta mais imediata dos juros americanos praticados pelo Federal Reserve (FED). O motivo desse tumulto foi a revisão das expectativas inflacionárias no país devido ao relatório de emprego que divulgou um avanço de 2,9% nos salários durante o mês de janeiro, maior crescimento em nove anos. Uma alta dos juros pelo FED poderia implicar um aumento da atratividade de títulos americanos em relação a títulos de emergentes, forçando o Brasil a revisar o processo de queda da Selic.

A SITUAÇÃO ATUAL DA ECONOMIA BRASILEIRA 

Os sinais mais graves da crise econômica iniciada em 2014 cessaram, e desde fins de 2017 o “Deus nos acuda” foi substituído por um relativo marasmo. Muitos brasileiros ainda desconfiam do discurso de retomada do crescimento. Isso é totalmente compreensível, pois após uma retração acumulada em mais de 8% do PIB, projeções apontam que no ano passado recuperamos aproximadamente 1% do produto perdido.

Em uma publicação de duas semanas atrás, o economista Paulo Gala, professor da FGV-EESP, relacionou a queda dos juros à necessidade de diversificação dos investimentos no atual momento da economia. Seu argumento resume-se aos seguintes fatores:

  • A taxa de desemprego está alta (atingiu quase 14% em meados de 2017);
  • O nível de produção industrial está baixo;
  • O varejo opera com capacidade ociosa e progressão lenta;
  • Consumo e investimento se recuperam vagarosamente;
  • O endividamento privado (famílias e empresas) encontra-se elevado;
  • Em 2014 a relação crédito/PIB havia atingido 56%. Quando a Selic atingiu 14,25% em julho/2015, os que haviam tomado crédito ficaram largamente prejudicados.

O cenário que vimos nos últimos anos contou com aumento do desemprego e queda do salário real, enquanto ao mesmo tempo retraiu-se o investimento. Hoje temos excesso de oferta na economia, mas pouca margem para expansão do consumo. Uma diversificação de investimentos seria necessária, portanto, para retomar a geração de empregos e equilibrar a demanda com a oferta.

O economista Nelson Marconi, também da FGV-EESP, trouxe em sua página do Facebook, no ínicio de janeiro, informações interessantes sobre o desempenho industrial no final de 2017.  De acordo com os dados apresentados, a produção industrial demonstrou apenas uma pequena variação positiva, guiada principalmente pela indústria automobilística, pelo setor extrativo mineral, e pelos saques do FGTS. Afirmou que “é necessário muita calma com o andor”.

Laura Carvalho, professora da USP, repercutiu em seu Facebook uma recente entrevista em que declarou que os recordes de safra alcançados pela agropecuária e os saques do FGTS e PIS-PASEP estimularam a “modesta recuperação” de 2017. Mas para ela, não haverá dinamismo no mercado interno sem criação de novos empregos.  Do lado do consumo, o endividamento familiar e empresarial também complicam o retorno do crescimento.

Também no Facebook, o economista José Oreiro realizou uma leitura do contexto econômico em que concluiu que os juros provavelmente continuarão num nível baixo por um longo tempo. Entende que agora é o momento de a “indústria brasileira tirar da gaveta projetos de investimento para a modernização do parque industrial”. A produtividade e a competitividade se beneficiariam disso, defendeu Oreiro.

O QUE PODEMOS ESPERAR

A redução da taxa Selic parece se adequar à conjuntura econômica do país. O que certamente fica claro, no entanto, é que ainda há uma série de obstáculos ao crescimento. Tanto do lado da demanda, quanto do lado da oferta, encontramos famílias e empresas endividadas e com pouca disposição para consumir ou investir.

Fica, assim, a dúvida se a atual queda dos juros é suficiente. Sabemos que a taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que indica a quantas anda o investimento, esteve negativa desde o último trimestre de 2013 até o segundo trimestre de 2017. Essa taxa se mantém acima dos 40% na China, enquanto no Brasil orbita historicamente em torno dos 15%.

Uma taxa de FBCF crescente depende de poupança e investimento. Em tempos de crise do setor privado, o investimento público acaba constituindo fator fundamental. Mas o que temos visto, por exemplo, é um governo que institui um teto de gastos com prazo de 20 anos, restringe o investimento em Ciência e Tecnologia, coloca os projetos da Defesa em estado de alerta, e ao mesmo tempo sanciona reajustes de mais de 40% para um Poder Judiciário que conta até mesmo com auxílio-moradia para juízes que possuem imóvel em nome próprio.