Lula, Flávio Dino e o Partido da Lava Jato

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O governador do Maranhão, Flávio Dino, concedeu entrevista coletiva nessa segunda-feira, 29/01, para mídias alternativas na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo. O assunto principal foi a condenação do presidente Lula, mas o governador também falou um pouco sobre o quadro político no seu Estado e das perspectivas para as eleições de 2018.

Flávio Dino foi juiz federal, tendo sido aprovado em primeiro lugar no mesmo concurso que o juiz Sérgio Moro. Em 2006, deixou a magistratura e tornou-se deputado federal pelo PCdoB no Estado do Maranhão, e foi um dos autores da Lei da Ficha Limpa em 2010. Essa lei prevê a inelegibilidade de candidatos a cargos públicos que sejam condenados por órgão colegiado, mesmo antes do trânsito em julgado. Essa lei foi questionada no STF, mas continua em vigor, e pode impedir o presidente Lula de concorrer nas eleições de 2018 devido à condenação em segunda instância ocorrida no dia 24/01.

Lula foi condenado por Sérgio Moro em Curitiba e teve sua pena aumentada pelo TRF-4 em Porto Alegre. A condenação é baseada numa delação premiada de um corréu preso preventivamente. Diversos juristas brasileiros e estrangeiros apontam a falta de provas, as nulidades, as ilegalidades, e até a incompetência do juiz federal de Curitiba para julgar o caso que envolve um apartamento no Guarujá pela ausência de conexão com as investigações sobre a Petrobras.

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Flávio Dino fez uma exposição apontando o que chamou de “coisas esotéricas” do processo contra Lula. Segundo o governador maranhense o processo foi conduzido de forma a ignorar mandamentos legais e jurisprudenciais consagrados no Brasil, e criou conceitos e interpretações artificiais.

De início, o governador explicou que a própria sentença do juiz Moro nega a conexão do caso com a Petrobras, contradizendo a denúncia, o que enseja incompetência da vara federal no Paraná, tendo em vista que os fatos e o apartamento em questão são em São Paulo. Além disso, a própria tipicidade da acusação de corrupção passiva é questionada por Dino, pois não é apontado nenhum ato praticado pelo presidente em benefício do suposto corruptor. O governador explicou que o julgamento criou um novo tipo penal ao falar em “corrupção complexa” no qual apenas a promessa de influência genérica caracterizaria o crime.

Sobre o crime de lavagem de dinheiro, Flávio Dino também aponta o “esoterismo judicial” da acusação, pois o apartamento supostamente utilizado como propina seria de propriedade do presidente Lula, mas continuaria em nome da empreiteira que o corrompeu, sendo a empresa corruptora, inusitadamente, laranja do seu próprio ato de corrupção. Por fim, o governador do Maranhão explicou a gravidade da falta de provas, tendo em vista que o caso todo é baseado na palavra de um corréu, que não tem obrigação legal de dizer a verdade como testemunha, não podendo ser processado por falso testemunho.

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Para além do caso do presidente Lula, o governador do Maranhão falou sobre a independência entre os Poderes da República com o fortalecimento do Judiciário e o conflito instalado entre a política e as corporações jurídicas.

Segundo o governador do Maranhão, foi a própria política que definiu o “sistema de justiça mais poderoso do mundo” no Brasil. Em tom de autocrítica – “e eu me incluo nisso” ele disse -, Flávio Dino explicou como desde a década de 1990 foram sendo aprovadas leis e emendas constitucionais fortalecendo as corporações judiciais, fazendo com que a política, fruto do sufrágio universal, deixasse de ser um anteparo ao abuso de poder do sistema de justiça, que passou “a ser autorreferente para tudo, para fixar sua remuneração, para fixar o âmbito do seu poder, para reinterpretar e reescrever as normas”.

Como exemplo simbólico desse processo, Flávio Dino cita a Lei da Delação Premiada, aprovada em agosto de 2013 como resposta às “famosas jornadas de junho”, lembrando jocosamente que não participou da aprovação dessa lei: “neste caso eu sou inocente”, em implícita e sutil referência à Lei da Ficha Limpa, a qual ajudou a fazer e que também caracteriza essa dinâmica de fortalecimento do Judiciário perante a política.

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A entrevista de Flávio Dino apresentou uma visão de crítica e autocrítica da esquerda brasileira que apostou na judicialização como arma política, afirmando que: “a esquerda política tem que, em algum momento, prestar contas para a história”. Não é à toa que ele apresente o início dessa tendência na época do impeachment de Collor, quando a esquerda fez coro com a grande mídia, enveredando num discurso moralista contra a corrupção. O governador do Maranhão apontou que a política “era achincalhada” por ser a expressão do sufrágio universal, ao qual é hostil o grande capital financeiro e os grandes grupos de mídia, “núcleo duro da elite brasileira”.

Essa elite até os anos 1960 tinha na UDN e na imprensa, moralista e virulenta, o seu partido. De 1964 a 1985 os militares cumpriram esse papel. A partir dos anos 1990, a esquerda tentou assumir o papel de “UDN de macacão” e ajudou a chocar o ovo da serpente do atual partido da elite brasileira, o Partido da Lava Jato.

Texto: Luiz Roque Miranda Cardia

Fotos: Amanda Salgado

Vídeo original: Barão de Itararé/Perseu Abramo Edição: Tattoo no Toco