“O NOVO (?) TOM DA JUSTIÇA”

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Com a condenação unânime de Lula pelo TRF-4, as atenções voltaram-se para o Supremo Tribunal Federal, que em 2016 passou a permitir a prisão a partir da condenação em segunda instância, sem necessidade de se aguardar o julgamento dos recursos pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

O novo (na prática um retorno à década de 40) paradigma foi amplamente celebrado pela Lava Jato e pelos setores da mídia que com ela cegamente coadunam, como um avanço no combate à corrupção.

A revista Istoé inclusive estampa na capa da semana: “O Novo Tom da Justiça”, apostando que a Presidente Cármen Lúcia irá liderar o Supremo na manutenção dessa possibilidade.

Nem vou me preocupar com a discussão dos argumentos jurídicos para a atual posição do STF, porque inexistem. A Constituição é clara, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado. Mas cada vez menos importa o que diz a lei, vale o que ela precisa dizer em cada semana. Às favas com a Constituição, sempre com as melhores das intenções, óbvio.

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Em 2009, o Supremo Tribunal Federa decidiu que, via de regra, a prisão só poderia ser realizada após o trânsito em julgado (leia-se julgamento de todos os recursos), por força de um dos incisos do artigo 5º da Constituição (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória).

Sim, demoraram mais de 20 anos para dar efetividade a uma previsão que está no começo da Constituição (se fosse no final, vá la….).

Da composição atual, votaram pela Constituição Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O placar final foi de 7×4, ficando vencida Cármen Lúcia.

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Já em 2016, o Supremo, prostrado perante a Lava Jato, volta atrás. Desconsiderando a Constituição, decide que as prisões podem ser realizadas após o julgamento em 2ª instância.

O placar foi novamente 7×4. Dos que estavam em 2009, apenas Gilmar Mendes mudou de opinião. Dos que não estavam, Rosa Weber foi a única a votar pela necessidade de se esgotar o trâmite recursal.

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Um ano depois, começaram os rumores da mudança na posição. Dias Toffoli passou a defender que se aguardasse o julgamento no Superior Tribunal de Justiça (não é o que diz a Constituição, mas no atual cenário….). Além dele, Gilmar Mendes também adiantou pender pelo retorno à sua posição de 2009. No mais, a substituição de Teori por Alexandre de Moraes deixava outro voto em aberto.

Mas o outro lado reagiu. Cármen Lúcia declarou a jornalistas, que a dela depender, o tema não voltará à discussão. Roberto Barroso (que uma vez tratou o Mensalão como “ponto fora da curva” em termos de aplicação de Direito) publicou artigo na Folha de São Paulo defendendo a prisão logo após o julgamento em 2ª instância. Noticiou-se inclusive que Celso de Mello cogitava votar a favor dessa posição (contra seu entendimento histórico) para não ser acusado de beneficiar Lula. Especulou-se também que Rosa Weber (de quem Sérgio Moro foi Juiz Auxiliar durante o Mensalão) poderia alterar sua posição para permitir a execução antecipada da pena.

Na última semana, irrompeu o primeiro debate a respeito do tema no Supremo Tribunal Federal, especificamente na 1ª Turma (Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso). Em casos que tangenciavam o tema, duas revelações: Rosa Weber permanece com seu entendimento garantista e Alexandre de Moraes, pelo contrário, manifestou diretamente pela primeira vez desde que empossado a concordância com a constitucionalidade da prisão após a 2ª instância.

Se tivesse que arriscar, defenderiam a prisão antecipada: Cármen Lúcia, Luiz Fux, Edson Fachin, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes (5 votos).

Votariam pela necessidade de se esgotar os trâmites recursais (ou ao menos aguardar o STJ): Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.

Assim, diferente do que publicou a Revista Istoé, a questão não está resolvida. Não há uma corte unificada ou novo tom. Há sim, um tribunal fissurado (que chega à pequenez do “o seu estado é que está pior que o meu”), incapaz de manter posição a respeito de premissas básicas da Constituição.

A Lava Jato e a mídia que dela comunga as opiniões apostam sim na promessa de Cármen Lúcia de barrar a discussão. A capa se dedica a vender-lhe os louros prometidos de respaldo popular e a pressionar os demais (vale sempre lembrar a capa da Veja noticiando a acusação feita pela OAS contra Dias Toffolli)

Resta saber se o Supremo (ou a maioria de seus ministros) voltará ao que está escrito na Constituição.

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PS: Sempre que vejo a possibilidade do Judiciário se dobrar a pressões “majoritárias” (na prática, não conheço ninguém que pensaria justa a própria prisão antes de esgotados os recursos), lembro da seguinte passagem relatada por Saulo Ramos, eminência parda de Sarney, em sua biografia.

O contexto foi a votação no Supremo a respeito da possibilidade de José Sarney, então senhor do Maranhão, se candidatar pelo Amapá. Celso de Mello, por ele indicado, votou contra e teria ligado a Saulo Ramos para se explicar:

“— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do presidente.

— Claro! O que deu em você?

— É que a Folha de S.Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S.Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do presidente.

— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S.Paulo noticiou que você votaria a favor?

— Sim.

— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

— Exatamente. O senhor entendeu?

— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda.”