Um golpe para além das narrativas políticas

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Existem os fatos e existem as narrativas político-partidárias em cima deles. E é preciso saber dissociar bem.

Infelizmente tem crescido na esquerda crítica ao lulismo a tese de que o impeachment da Dilma não foi um golpe. E essa tese se sustenta nas inúmeras lacunas da narrativa petista sobre o evento. Uma delas, por exemplo, a de que o processo foi um golpe das elites contra um governo popular que contrariava seus interesses. Lula, dias atrás, falou na Folha que não entende como o mercado pode ser contra sua candidatura sendo que bancos e agentes financeiros nunca faturaram tanto como nos seus governos e nos de Dilma.

Instado a responder quem são os “eles” que Lula sempre cita como inimigos do PT e do seu projeto de país, o ex-presidente tergiversou, não citou os mais ricos e deu exemplos aleatórios como o “de pessoas que não queriam dividir o aeroporto com o pobre”. Ora, foi então a classe média que derrubou a Dilma? Nem o mais principiante marxista acreditaria numa coisa dessas, dada a insignificância política de movimentos de classe média.

E não acredita, mas partidos marxistas usam narrativa petista pra tirar lições históricas claramente equivocadas — porque a base é equivocada. Uma delas é a de que a burguesia rompeu um pacto de conciliação. Errado. Dizer que o impeachment representou uma ruptura em um pacto de conciliação é referendar a narrativa petista de que um governo foi derrubado por sua agenda política. Erro sobre erro.

Não há contradição alguma entre a agenda do PT e a da burguesia. Pelo contrário: há pelos menos 10 anos que o PT tem feito a melhor defesa de um projeto nacional baseado na ortodoxia com clara vantagem para o andar de cima — é só ver porque toda campanha o Itaú, que doou mais pra Dilma em 2010 que para o Serra (pelo menos oficialmente), o Bradesco e vários agentes poderosos correm pra abastecer as campanhas do PT.

O que Lula falou sobre os bancos é real. E o real se confronta com as narrativas que tentam reescrever os fatos. Saber separar uma coisa da outra é fundamental pra não se perder no lamaçal de bobagem que tem se falado, escrito e até ido para púlpitos universitários como verdade infalível.

E sim, a derrubada de Dilma foi um golpe porque nenhum presidente ou governador caiu ou cairá por pedalada fiscal, um casuísmo jurídico utilizado pra derrubar um governo que ia mal das pernas, tinha perdido o Congresso, não tinha agenda pra defender depois do estelionato eleitoral que cometeu e, além de não blindar a classe política da Lava-Jato, a insuflava com seus recorrentes escândalos que eram tratados com maior peso pela única força política de fato atuante: o antipetismo.

O golpe de verdade se deu de maneira bem diferente daquele golpe contado pela narrativa do PT. O golpe de verdade foi arquitetado entre os de cima contra os de cima. Todo o resto é circo – e muitas vezes patifaria.