As arquibancadas antifascistas alemãs e sua maior peculiaridade: o clubismo

As arquibancadas antifascistas alemãs e sua maior peculiaridade o clubismo bonde do che
Botão Siga o Disparada no Google News

Já escrevemos aqui sobre as terríveis arquibancadas russas, onde, assim como no restante do Leste Europeu, imperam os movimentos supremacistas brancos, um reflexo direto da propaganda anticomunista e reacionária disseminada na região durante o processo de intenso ataque cultural do Ocidente à União Soviética, que culminou em toda sorte de caos, inclusive ideológico, mas hoje compartilhamos com vocês alguns aspectos curiosos sobre as arquibancadas alemãs, onde o trauma e a vergonha pelo passado nazista causaram o efeito inverso, tornando a parcela esmagadoramente majoritária das torcidas, gradativamente, redutos de antifascistas.

Nesta semana, o jornalista Gerd Wenzel escreveu, em Português, um breve artigo para a Coluna Halbzeit, da Deutsche Welle, chamado “Rivais em campo, mas unidos contra a extrema direita”, que repercutiu de modo muito positivo por aqui.

A despeito do que o título possa sugerir, o artigo não fala sobre as torcidas alemãs “unidas” numa acepção “espaço-tempo”, trocando beijos e abraços e tirando fotos juntas enquanto fazem jograis, mas do fato de muitas delas estarem, com suas ações individuais na luta contra o nazifascismo (com destaque para o combate ao antissemitismo ainda muito presente no país), inseridas no mesmo espectro político-ideológico progressista.

E não estão sozinhas: os próprios clubes adotam posturas em defesa da comunidade judaica e da pluralidade étnica da Alemanha moderna, com campanhas de conscientização, ações e homenagens.

O artigo foge ao óbvio, que seria estampar o FC St. Pauli, expoente mais mainstream do antifascismo futebolístico mundial, e menciona episódios como a luta da torcida do Borussia Dortmund para se livrar dos neonazis do grupo hooligan “Borussenfront”, que haviam dominado suas arquibancadas na década de 80, e a perseguição ao presidente judeu Kurt Landauer, do Bayern de Munique, mas há muitos outros exemplos que poderiam ter sido citados, como o Schalke 04, time para o qual Adolf Hitler torcia, mas que tem uma torcida essencialmente de esquerda, ligada aos setores mineiradores do Vale do Ruhr, os Ultras Düsseldorf, do Fortuna (aliados da Dragões da Real), os do Werder Bremen, enfim: diversos clubes da Série A da Bundesliga têm posicionamentos de fazer corar os omissos gigantes brasileiros.

Temos, sem dúvida, muito a aprender com os alemães sobre antifascismo no futebol, principalmente no que concerne ao “clubismo”, que por aqui conveniou-se classificar como uma forma de “microfascismo” (esquerda foucaultiana é uma merda). Explicamos: as torcidas antifascistas alemãs são, também, as mais clubistas do mundo. Se aqui nos restringimos a musiquinhas dizendo que vamos “dar porrada na organizada de fulanos” e apelidos depreciativos, a criatividade e o empenho alemães em ofender os rivais parecem não ter limites, e isso parte exatamente das torcidas de esquerda, principalmente contra aquelas consideradas alinhadas, parcialmente ou totalmente, à direita política.

Bandeiras com os símbolos dos rivais sendo vandalizados de todas as formas, faixas, cachecóis, adesivos e patches fazem parte do aparentemente inesgotável aparato provocativo alemão — embora hajam casos, é absolutamente incomum no Brasil, por exemplo, a Independente lançar uma camiseta com o escudo do Corinthians sendo rasgado ou a Gaviões da Fiel levar uma bandeira ao estádio com a cabeça do nosso mascote sendo arrancada.

Abaixo temos alguns exemplos, como uma bandeira da torcida do Schalke 04 em que o escudo do Borussia Dortmund é chutado e partido ao meio, a própria torcida do Borussia exibindo uma enorme bandeira com o rosto de Dietmar Hopp, presidente do Hoffenheim, sob um alvo e com os dizeres “Hasta La Vista Hopp!”, o que foi considerado pela Federação Alemã como “incitação ao/ameaça de assassinato” — e isso foi no final do ano passado, não culpem o extinto Borussenfront —, as torcidas do Werder Bremen e do inquestionavelmente antifascista St. Pauli sacando seu leque de maldades contra o escudo do HSV, um patch lançado pela Schikeria, grupo ultra de esquerda do Bayern de Munique para “homenagear” os rivais de Dortmund e, por fim, uma coleção de cachecóis bem bonitos e educados (aos que não sabem o termo “scheiss” ou “Scheiß” significa “merda”).

Se o time rival tiver um passado ou conexões de direita então, nem se fala: as acusações e piadas dos rivais de esquerda são implacáveis, o que, obviamente, não interfere nas lutas do dia a dia, que são e devem ser aclubísticas.

Já aqui no Brasil, com o processo em fase embrionária e tendo à frente uma juventude pequeno-burguesa em detrimento às massas torcedoras que compõe as organizadas, fazer esse tipo de apontamento, ou mesmo questionar a legitimidade de algum título pra lá de questionável de um rival, já é considerado um “desserviço”, uma “declaração de guerra” e te coloca na posição de pária do antifascismo futebolístico (que já tem hierarquia e cartilha próprias).

Aprendamos com aqueles que vivenciaram o nazismo na pele, não o “neo”, mas o original, a dar às coisas a proporção exata que elas têm. O clubismo faz parte do futebol, ponto.

E aprendamos, também, a ler mais que o título de um artigo antes de compartilhá-lo como um legitimador das nossas ideias furadas. Evita o constrangimento de não ser.

Por Bonde do Che