Bacurau: memória e identidade diante do extermínio

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Bacurau é mesmo um filmaço. Não o chamo de obra prima pela ausência de um ou outro elemento que é vital para mergulhar e acordar aqueles estratos mais profundos da psique brasileira, mas é quase isso.

Muito se fala dos elementos de faroeste italiano usados pelos diretores Mendonça Filho e Dornelles, da estética embebida de Sérgio Leone. No entanto, o elemento central da obra é a da memória e identidade vislumbrados a partir da ótica da guerra de extermínio. Essa guerra de extermínio é conduzida pelo imperialismo norte-americano contra os brasileiros, e com a ajuda de uma classe social vira-lata local [que quer se identificar com os estrangeiros] e a compra dos políticos.

Bacurau fica no interior de Pernambuco, mas é também um micro-cosmos de uma comunidade pobre de qualquer metrópole brasileira. Nós a encontramos enterrando uma de suas ”matriarcas”, Dona Carmelita, genitora de uma profusão de locais que ganharam o mundo afora e desempenham as mais diversificadas agências e funções sociais.

A cidade tem seu próprio processo de gestão interna, ela se regula e governa em larga medida. O prefeito é apresentado logo no início da trama como um uma pessoa em quem a comunidade não apenas não confia, mas também despreza. Os moradores de Bacurau detestam aquele rapaz que lhes leva bugigangas, pede votos e usa as prostitutas da região à força.

A comunidade não é idealizada tampouco. Possui conflitos e rupturas internas, banditismo social [Lunga, procurado pelas autoridades mas que é bem quisto] e assassinos [Acácio, conhecido também como ”Pacote”, e que faz propaganda própria como ”Rei do Teco”].

O ”axis mundi” de Bacurau é um pequeno mas bem cuidado Museu, embora isso não fique claro logo de início. O Museu é mais do que um empoeirado conjunto de objetos passados, e sim um centro vital, o coração que permite que a comunidade saiba quem realmente é, e de onde ela vai retirar instrumentos para resistir.

Os sinais de sua importância vão sendo dados na explicação do nome da cidade e no uso eventual de uma semente/droga/psicotrópica.

Essa semente algo alucinógena é como a expressão da ”comunhão” local, a que todos os moradores tem acesso mesmo quando retornam de longos períodos de ausência. Não há retrato explícito de religiosidade nesta pequena cidade do interior de Pernambuco, mas a semente representa esse liame algo xamânico/indígena.

Todo o desenrolar da história principal começa de fato com a chegada de um casal de motoqueiros que dizem estar fazendo trilha na região. Eles vem do ”sul maravilha”, que representa aqui a classe média sem identificação com as comunidades orgânicas brasileiras, para fazer ”turismo”. Mas, na verdade, não querem saber nada sobre Bacurau e a olham com desdém, de cima para baixo.

Mais não digo. Saiam de casa e vejam o filme.

Por André Luiz Dos Reis