BONDE DO CHE: O clubismo que defendemos

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Alguns seguidores nos enviaram um artigo da UOL Esporte​, referente ao recente episódio ocorrido no Beira-Rio, de nome “Clubismo é fascismo? Cachecol de colorada agressora gera confusão e debate”, perguntando a nossa opinião sobre o tema, já que somos conhecidos defensores da ideia de antifascismo conciliado ao clubismo no torcer e já redigimos diversos textos nessa direção.

Mas qual, afinal, é o clubismo que defendemos?

Em 2000 a FIFA organizou uma versão teste e paralela ao Mundial de Clubes da época, tradicionalmente disputado no Japão entre o campeão da América do Sul e o da Europa, únicos pólos futebolísticos com força e relevância até então. Ninguém levou muito a sério a princípio, a Rede Globo, que tradicionalmente transmitia as edições do Mundial, ignorou o torneio, que acabou sendo transmitido pela Band, não teve a participação do então campeão da Libertadores e, pra esculhambar de vez, teve a final disputada entre dois clubes brasileiros. O tradicional Mundial de Clubes foi disputado no Japão e vencido pelo Boca Juniors naquele mesmo ano. O torneio paralelo foi um fiasco tão grande que só voltou a ser disputado em 2005, já unificado com a versão japonesa, em edição vencida por nós sobre o Liverpool.

Apesar de reconhecer o fiasco, a FIFA considera esse torneio, vencido por um rival nosso, um legítimo Mundial de Clubes. Nós não reconhecemos. Mas se fossemos torcedores desse rival, utilizaríamos essa chancela da FIFA para nos declararmos campeões mundiais? Evidente que sim. Cada um puxa a brasa pra sua sardinha. Isso é clubismo, intrínseco ao próprio torcer.

Saindo da esfera futebolística e entrando na política, vemos como sadio que a disputa sobre quem é mais antifascista — em detrimento a que vige, que é a infantil “quem é menos veado” — tome conta das arquibancadas. Se o rival tem um passado ou mantém práticas racistas, elitistas etc, é preciso jogar na cara, fazer corar, para que não se repita ou prossiga. Acreditamos que a provocação é muito mais efetiva para gerar reações que a condescendência.

Quando o vascaíno acusa o tricolor (carioca) pelo racismo histórico, o segundo se esforça para provar que a instituição não é racista atualmente, e isso é positivo. Vejam quantas iniciativas louváveis não têm surgido na torcida gremista por conta da reprovação interna e externa aos cânticos racistas. Nós mesmos já tivemos que produzir vasto material provando que as origens do São Paulo FC não são as de um clube “da elite”, mas a jornada do rompimento com um.

Quando começamos nosso trabalho a ideia era fomentar essa competição. Levar às arquibancadas uma cultura de quem faz mais pelas minorias oprimidas e criar, deliberadamente, um clima de disputa sobre quem é mais progressista, ideal ao ambiente competitivo do futebol. Mas fomos mal interpretados por um coletivo antifascista de uma agremiação rival da nossa, que perante as nossas críticas, muitas delas históricas (direcionadas ao clube, nunca a eles), nos acusavam de “falsos antifascistas”, praticavam o revisionismo e conclamavam seus seguidores a nos execrarem. Daí surgiu essa falsa dicotomia como se eles fossem a favor da união e nós da segregação, eles da paz entre as torcidas e nós da violência, mas nunca houve nada disso.

Também não comparecemos a atos trajando fardamentos da nossa entidade nem levando faixas e bandeiras. Aqui cada um vai por si, com seu partido, sindicato ou frente, e se vamos juntos é à paisana, com roupas sem quaisquer estampados. Primeiro porque acreditamos que vivemos um momento de real recrudescimento a uma possível ditadura e qualquer identificação poderá ser utilizada contra nós no futuro — já é quase impossível preservar identidades e dados na era das redes sociais e dos apps de comunicação, mas fazemos o que podemos —, segundo porque levamos a coisa a sério e cremos que criar uma ilha de “vejam, somos os são-paulinos no protesto porque o São Paulo FC é muito revolucionário” não é uma estratégia inteligente para o momento, embora achemos bacana festas como as que a Inter Antifascista e alguns coletivos do Rio de Janeiro vêm fazendo nos atos.

Falando em Inter Antifascista, o episódio que trataremos a seguir provou que estamos corretos em não produzir artigos para venda. Era uma questão de tempo alguém se envolver em alguma polêmica trajando artigos das “torcidas antifascistas”, tão em moda no momento.

Também não comparecemos a eventos futebolísticos com rivais e muito menos tiramos fotos juntos trajando os fardamentos da nossa torcida. Compomos uma entidade que não dirigimos, seguimos a hierarquia e a disciplina que aprendemos numa época em que arquibancada não era bagunça.

Isso é o que entendemos por “clubismo” e aqui nunca incitamos nem incitaremos qualquer violência entre os trabalhadores e trabalhadoras em razão da escolha clubística.

QUEREM ESVAZIAR O ANTIFASCISMO

O brasileiro está parecendo uma criança que descobriu um brinquedo novo, ficou bitolada e quer encaixá-lo em todas as situações, adequadas ou não. Esse brinquedo é a ideologia política.

É uma tolice sem tamanho que estejam querendo dar um caráter macropolítico, ou um ainda mais ridículo que é o tal do “microfascismo”, à situação ocorrida no Beira-Rio.

Pior que a hipocrisia dos bolsonaristas, que acham justificável toda a própria truculência, apologética e prática, mas tornam-se anjos de candura defensores da infância quando a violência não tem suas cores, são os “antifas” bundas-moles que não pensam duas vezes antes de entregarem os seus numa bandeja ao mais cruel escárnio público dos primeiros.

O que aconteceu no Beira-Rio não foi “fascismo” (e nem teria como sê-lo, nenhum indivíduo saca o fascismo do bolso, aprendam a utilizar o termo). A agressão não foi sequer motivada por raça, gênero, sexualidade ou classe e não existe essa bobagem de “autoritarismo” relâmpago. Houve um entrevero, motivado pela quebra de um protocolo objetivo e subjetivo de todo estádio, que é o da separação de torcidas. Aconteceria em qualquer estádio, com qualquer torcida e com milhões de personagens aleatórias espalhadas pelo Brasil.

Se deram ao trabalho de analisar o perfil das envolvidas? De tentar juntar o quebra-cabeças da situação, que vai desde o porquê a vítima estava balançando uma camisa do Grêmio num setor do Inter acompanhada de uma criança, a poucos metros da torcida colorada, à reação intempestiva da torcedora agressora?

Uma questão que sempre vemos ser levantada nos meios antifascistas e que perante essa situação convenientemente desapareceu é o preconceito que a mulher sofre no espaço arquibancada. O quanto as mulheres são preteridas por gênero no ambiente futebol. Uma mulher que frequenta as arquibancadas tem que provar o tempo todo que tem “a mesma disposição que os homens” e é natural que as mais apaixonadas, frequentadoras assíduas, internalizem e reproduzam alguns comportamentos tipicamente masculinos do torcer. É aquilo: se não faz nada é “café com leite”, “bunda-mole”, “tinha que ser mulher”, “faltou um homem ali pra defender a honra do clube”, se faz é “vagabunda”, “histérica” e, hoje em dia, “FASCISTA”. Difícil.

A hipocrisia é tanta que, temos certeza, se ninguém tivesse feito nada, a imagem da mãe balançando a camisa do Grêmio num setor do Inter estaria correndo a internet sendo utilizada como “troféu” pela torcida gremista. “Hasteamos a bandeira em território inimigo”, e os colorados desesperados por ninguém ter feito nada. As mesmas páginas que estão crucificando a agora pária criticariam sua inércia, diriam que “virou bagunça”, “área de lazer”.

Mas apesar de todos esses pormenores, muitos “antifas” não pensaram sequer por um segundo antes de lincharem uma mulher junto aos bolsonaristas, ávidos por provarem sua “pureza” ao inimigo. E nisso fazem coro.

O velho bordão da direita “se você é comunista por que não dá tudo que tem aos pobres?”, absurdo sob todos os pontos de vista, ganhou milhares de ramificações: “antifa falando palavrão?”, “antifa que perde a calma?”, “antifa clubista?”, “antifa que discute no trânsito?”, “antifa que come carne?” etc.

E os mais tolos acatam. Incorporam isso. Cobram de si e dos outros a santidade que os bolsonaristas e demais conservadores tentam nos impor. Pautam nossa agenda pelas determinações do inimigo, enquanto a esse tudo é permitido, afinal, ele é “contra o politicamente correto” e “não tem mimimi”.

Sabem quem não atende a nem um terço dos requisitos listados? 99% dos trabalhadores comuns. E é por isso que as massas cada vez mais se distanciam da esquerda e seu discurso linchador e moralista e vão ser felizes nos braços do reacionarismo. Nem as igrejas neopentecostais cobram tanto. Para os verdadeiros fascistas é ótimo que ninguém se sinta digno de combatê-los.

Há grupos “de esquerda” aqui no facebook em que os administradores chegam ao ponto de comemorarem quando há debandadas ou “expurgos” em massa, nas oportunidades que surgem de descobrirem o que julgam ser falhas morais dos integrantes. Comemoram o fato de estarem mais depurados e menos numerosos. A isso chamam de “espaços seguros”.

Até a própria Inter Antifascista foi jogada aos lobos por alguns no decorrer da situação, acusada de “butique” porque sua nota de esclarecimento sobre o cachecol vendido não ficou do agrado da “Esquerda Vingadores”: aquela que acha que vai salvar o planeta com cinco pessoas.

Esquerda tem que ser pra aglutinar, pra ser maioria, porque somos percentualmente a classe que move o mundo enquanto 1% enriquece às nossas custas. Esquerda não é “clubinho dos puros”.

Não temos nenhuma relação com o PCO, mas tem um vídeo muito bom do Rui Costa Pimenta em que ele escancara a ingenuidade da pequena-burguesia que acha que ser de esquerda tem algo a ver com “ser bom”. E pior ainda, uma bondade pautada numa moral absolutamente burguesa.

“Mas, Bonde do Che, e quanto à criança?”

Grave. A principal vítima ali, tanto da irresponsabilidade quanto da truculência. Se coubesse a nós, ao invés de suspender a torcedora colorada do estádio e linchá-la nas redes sociais como se ela fosse o próprio Hitler, organizaríamos um encontro pra ela trocar uma ideia com o garoto e pedir desculpas [ela já fez um pedido de desculpas público, no qual afirmou que sua intenção era justamente a de preservar a criança, dar um abraço na mãe na frente dele, trocarem camisas dos clubes, essas coisas.

Traumas não se revertem com mais ódio.