O Brasil jamais será o lugar dos amargurados

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Créditos: Theresa Eugênia/Reproducao
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Se eu fosse crítico musical, saberia algo mais sobre o conceito de diva. Não sendo, não importa, porque tenho três: Elza Soares, Maria Bethânia e Mariana Aydar. Três não. Johnny Hooker – quando não desafina sobre copa do mundo – é minha quarta diva. Hooker é hoje o homem mais gostosa do Brasil. Sei do que falo porque o seu show é um transe, uma transa, tipo Baiana System. Em algum momento do som, no meio do espetáculo, a fúria: “política é vida, tudo é política, temos que resistir ao avanço dos amargurados!”. E dá-lhe Pernambuco. Dá-lhe Brasil. Dá-lhe tropicalismo, pop e glitter rock. Danifico Maiakoviski, na melhor das intenções, para dizer: não existe política transformadora sem arte transformadora.

A música autoral de Johnny é uma fossa lacradora, altamente sexual que também mistura fino rock’n’roll, samba, frevo com clássicas músicas de corno, músicas do Brasil profundo, como as de Leandro e Leonardo e de Reginaldo Rossi. A gente precisa dessa cruza. Desse desbunde. Da orgia bacante de um Teatro Oficina Uzyna Uzona, por exemplo, para mostrar que sonho é realidade, que não há saída fora da beleza. Ostentar a democracia como uma forma de vida. E viva a antropofagia de Oswald! A arte é re-existência, porque, diante do caos, cria como se urrasse: “as expectativas não serão baixadas! Queremos tudo!”. E mesmo que a estupidez avance – Bolsonaro lidera nos setores mais ricos e escolarizados da sociedade – a arte se constitui como uma torre de liberdade que contra ataca com alegria crítica o assalto do medo. Contra a prostração, o lampejo e a luz!

Para os frustrados, o passado é a grande esperança. Há milênios eles advertem que o fim do mundo está próximo. E enquanto o fim não chega, agem para autorrealizar a profecia. Paulo Francis, um desses, dizia que desde que estejam abrigadas, desde que estejam comendo, as pessoas tendem a se satisfazer com o totalitarismo, porque “lhes dá um senso de segurança e tranquilidade no marasmo em que vivem. É a vocação do capacho”. No plano moral, capachos estão unidos em torno de um regresso a valores tradicionais. Como se o carnaval não fosse nossa grande tradição. Quanto à economia, creem na ciência neoliberal: aquela arte de precificar todos os domínios da vida. Como se não fossemos tupi, uai. E contra todas as catequeses! Por aí se vê, tanto nos costumes, quanto na economia, que os amargurados estão mais por fora do que bunda de índio! Em arte não seria diferente: são exatamente esses os que insistem em dizer que “não se faz música como antigamente”.

Porém vos digo: é enorme a riqueza e a diversidade musical do Brasil atual. E não tem mais “o barquinho vai, a tardinha cai”, como disse Anitta, contra a criminalização da música da periferia. Do pop ao rap, contra moralismo, o fechamento e a colonização da política institucional, a música alternativa vai atacando com alegria crítica o avanço dos amargurados. Mas ainda é preciso rachar a mureta da indústria de entretenimento de massa e chegar aos rincões. É preciso mais antropofagia com as raízes do Brasil para que a arte brasileira se reafirme perante seu povo. O sertanejo feminista, por exemplo, mesmo sendo pop-mercadoria, tem feito mais para conscientização da situação de dominação social das mulheres que políticas públicas que saem de um Congresso dominado por homens. E assim acontece com os outros estilos alternativos ao pop-mercadoria. Uma luta discursiva opondo visões opostas de democracia vem sendo travada no Brasil. E a música tem sido a principal vanguarda no avanço de valores radicalizados de igualdade, liberdade e diversidade.

O Brasil jamais será o país dos amargurados. Por uma experiência democrática radicalizada! No matriarcado de Pindorama, a alegria é a prova dos nove (Oswald). Mais do que nunca, caminhemos cantando a nova geração. Cantando tanto Jhonny Hooker, quanto Larissa Luz, Linn da Quebrada, Baiana System, Rico Dalasam, Rapadura, Rincon Sapiência, Emicida, Mariana Aydar, Criolo, Francisno el Hombre, Silva, Maiara e Marasia, Marília Mendonça, Lucas Santtana, Karina Buhr, Céu, Far from Alaska, Tulipa Ruiz, Jussara Marçal, Curumim, Cidadão Instigado, Ops, Munchako, Anelis Assunção, O Terno, Roberta Sá, Dona Onete, Anitta, Ana Cañas, Clarice Falcão, Malu Magalhães, Pablo Vittar, Liniker, Alberto Salgado, Pablo Fagundes, Pedro Martins, etc.

E, claro, sempre pedindo benção aos nossos clássicos: os arquitetos de nossa música são também os arquitetos de nossa alma.