Coringa, um ótimo filme mediano

Este é mais um artigo entre milhares de outros sobre o filme Coringa, que nasceu blockbuster. Um bom blockbuster. Vale cada centavo da meia-entrada, e, se a pipoca tiver sido boa, será o bastante para compensar todos os segundos assistidos. Enfim, assitam. Com pipoca.
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Este é mais um artigo entre milhares de outros sobre o filme Coringa, que nasceu blockbuster. Um bom blockbuster. Vale cada centavo da meia-entrada, e, se a pipoca tiver sido boa, será o bastante para compensar todos os segundos assistidos. Enfim, assitam. Com pipoca.

Entre algumas centenas de tuítes, postagens de Facebook, relatos pelos grupos de Whatsapp da família, enfim, na opinião corrente, não será incomum lermos que Coringa, o filme, é impactante. E é verdade que um grande trabalho é feito nesse sentido, e recai 90% do tempo na magistral atuação de Joaquin Phoenix. Ele merece todos os prêmios e, provavelmente, uma internação.

A linha mestra do roteiro é o processo do surto que fez nascer o Coringa, personagem da história em quadrinhos do Batman, paladino da justiça. É, no entanto, um filme sem herois. Só existe Gotham, o meio social urbano agonizante, e as pessoas de Gotham. No lugar de super poderes ou de uma tecnologia avançada, a loucura, que evoluiu para a sociopatia, o maior atributo do protagonista.

Como toda história de transtorno mental, a mãe está envolvida; e o pai, ausente. Ou não. Vejam o filme, terapeuticamente, talvez possam decidir. A tensão de classes aparece a todo instante, o que não é novidade nos filmes de Scorcese, produtor do filme. Na verdade, mais decadência que tensão. E também a violência, e as grandes interpretações. Mas está longe de ser um filme ‘de esquerda’, como alguns elogiam ou acusam. É mais um filme hollywoodiano abordando a anomia social e seus efeitos sobre a personalidade dos indivíduos. É, no máximo, pró-rede asssistencial. Feijão com arroz do senso comum. Há também elementos demofóbicos, o grotesco e o irracional que tomam as revoltas populares.

Ninguém ali quer tomar meios de produção nem se organiza construtivamente. E o desprezo contra os mais abastados é visceral, por eles serem insensíveis com tanta riqueza, mas não porque a acumulação nababesca, em si, é espúria ou igualmente irracional. Uma lógica mais moralizante que uma crítica das engrenagens sociais. O que se vê são os sintomas dilacerantes da anomia coletiva, que desencadeiam outras formas de violência. A loucura individual de Coringa é também subproduto dum sistema decaído, da brutalização das relações pessoais e da frieza das elites, que também são atacadas durante o contágio de loucura coletiva/imitativa. Ninguém acredita em nada, nem o Coringa, todos são vítimas de todos.

Em muitos momentos, percebe-se, Coringa não seria Coringa se fosse melhor acolhido pelas instituições, se as relações de trabalho fossem mais humanas, ou mesmo se arrumasse uma namorada. Um bom romance burguês poderia ser a cura, ao menos a antítese de toda atmosfera que fez a insanidade vir à tona. Como crítica social, não aprofunda nem inova nenhuma fórmula. É mais um filme americano, e tem muitas características comuns com filmes anteriores do produtor. O ponto fora da curva são o talento da direção, a sonoplastia, a fotografia, a edição, o entorpecimento estético, e, claro, Joaquin Phoenix. O surto do Coringa só existiu porque Phoenix o fez renascer das cinzas dum roteiro mediano.