O feminino não cabe no feminismo

Vou emprestar da Ana Suy, sua frase “o amor não cabe no eu te amo” pra dizer que o feminino não cabe no feminismo.Historicamente, o movimento feminista teve três momentos: um primeiro, protagonizado por mulheres-mães
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Vou emprestar da Ana Suy, sua frase “o amor não cabe no eu te amo” pra dizer que o feminino não cabe no feminismo. Historicamente, o movimento feminista teve três momentos: um primeiro, protagonizado por mulheres-mães que pediam, principalmente, direitos trabalhistas e licença maternidade; um segundo, mais ou menos no tempo da publicação do livro “Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, onde era reivindicada a autonomia completa da mulher sobre seu próprio corpo e decisões como aborto, divórcio, etc.

Vale lembrar que foi nesse período que o feminismo ganhou, de verdade, uma discussão social e o papel da mulher passou a ser visto além das questões de gênero e categorizações sociais, onde a maternidade, por exemplo, começou a ser tomada como escolha e não como designação. O terceiro momento do movimento feminista foi a volta da relação entre a mulher e a mãe, a maternidade voltou para a conversa, e começou a ser discutida dentro (e além) de suas questões sociais e de gênero. Durante todo esse tempo, algumas mulheres e autoras usaram a teoria freudiana, principalmente o conceito de “penisnaid” para reforçar a ideia do machismo da sociedade patriarcal, colocando Freud no centro da responsabilidade pelo discurso machista.

Vejamos que, desde sempre, as pessoas querem ter opinião sobre tudo, até mesmo sobre o que não conhecem. É a partir desse conceito que Freud introduz a ideia de que há, na mulher, um vazio, uma privação, uma negativa. Muito, mas muito longe de ser uma crítica, um julgamento machista ou qualquer bobagem assim, o que Freud faz, a partir disso, é tratar a mulher como um sujeito de absoluta singularidade, alguém que carrega um enigma para além daquilo que se pode teorizar e compreender, cujos mistérios, talvez, encontrem mais fertilidade nos terrenos dos poetas do que do resto dos homens (e até das mulheres).

Chegamos a um ponto do discurso dito feminista em que muitos não sabem muito bem o que é o feminismo. Gosto sempre de lembrar às mulheres que lá no passado, quando os pais decidiam o futuro de suas filhas e pagavam dotes para entregá-las a maridos “de boa índole”, algumas delas reuniram-se ou, ao menos, resistiram, lutando pelo direito de decidir o rumo de suas próprias vidas e, principalmente, o homem que escolheriam para casar. Foi assim que qualquer tipo de luta feminista começou, mesmo que isso não leve o brasão feminista. Era, afinal de contas, uma luta pelo amor. Portanto, aí está o primeiro grande engano de alguns discursos feministas da atualidade: a pretensão de uma supremacia, ou o ódio ao masculino.

O outro grande engano é acreditar que se pode fazer coro num tipo de unificação. As mulheres existem uma a uma, mesmo que estejam em multidão. É possível fazer identificações e servir-se delas, é claro, mas devemos ter muito cuidado com o risco de nos reunirmos para cantar a devastação, num ritual discursivo que acaba não fazendo nada além de girar em torno de si mesmo. Não existe uma causa de desejo que atenda a todas as mulheres, sequer a uma parcela delas. É preciso partir do ponto em que se sabe que OS DIREITOS da mulher podem ser representados, mas seu desejo nunca. Há mulheres que desejam ter muitos filhos e outras que não querem nenhum; há mulheres que priorizam sua carreira e outras que priorizam a maternidade. No inconsciente de cada uma, há uma concepção muito diferente sobre amor, feminilidade, carreira, casamento. Ser mulher é uma invenção e qualquer coisa que se afaste disso não está do lado do feminino. Em tempos de ideias prontas e verdades absolutas, é preciso fazer o exercício de voltar ao singular, ao um a um, ao caso a caso, à grandeza da pequenez de cada existência.

“A mulher não existe”, por isso nós mulheres estamos aqui e, apesar de sermos muitas, estamos sempre muito solitárias em nossas causas e invenções. Criamos um mundo a partir do nada e, sobre isso, muito pouco podemos dizer, ainda que tentemos exaustivamente. Portanto, não adianta entupir o feminino de marcas, lemas, frases e discursos prontos se, ao final, o que sobra, esse resto, é sempre a única coisa que importa.

Por Cauana Mestre.