Freud e o feminino

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Não é nada incomum encontrar por aí materiais que criticam a obra freudiana naquilo que ela produziu acerca do feminino. Críticas não são um problema e nunca foram, aliás, para o próprio Freud, que questionava, criticava e corrigia a si mesmo o tempo todo.

Comecemos nos lembrando de que Freud alertou sobre a não suficiência biológica e genital na constituição sexual e na escolha de objeto. Foi ele que nos disse que não basta ter um pênis para ser um homem e não basta ter uma vagina para ser uma mulher, pois a posição subjetiva na qual se apoia a sexualidade de cada sujeito está muito além da anatomia. A releitura que Lacan faz do complexo de Édipo é imprescindível, claro, mas é preciso apontar que Freud já havia indicado a intimidade de uma mulher com a falta, uma vez que, ao contrário do menino, que teme a ameaça da castração, a menina está privada desde o ponto de partida. A forma como uma mulher se adverte de sua castração e abraça a falta é a forma muito singular como uma mulher pode, por exemplo, ir muito longe por amor. Diz Pierre Naveau que “um homem, quando ama, é uma mulher”, pois o que se pode oferecer quando se ama é justamente aquilo que não se tem.

É verdade que Freud era um homem de seu tempo (embora absolutamente visionário) e não pôde impedir as influências subjetivas de sua época na teoria a respeito da sexualidade feminina. Mas Freud, ainda assim, fez a maior e mais bonita de todas as coisas. Ele deixou-se impactar pelas interrogações a respeito da feminilidade, deixou-se capturar pelo enigma do desejo feminino. Isso, por sinal, aparece de forma belíssima na série FREUD: um homem assombrado pelo feminino. Foi assim que ele se pôs a ouvir as histéricas, essas mulheres que não encontravam um lugar no discurso da sociedade de sua época, essas mulheres cuja insatisfação apontava para algo mais, algo sempre além daquilo que se podia dizer. Se é sempre na forma de um enigma que o desejo de uma mulher aparece, o que poderia nos deixar Freud, afinal, além de uma pergunta? O que quer uma mulher?

Lacan também não nos responde e vai muito mais longe para nos dizer que essa pergunta não está aí para ser respondida, sequer interpretada. Se “A” mulher não existe, tudo o que pudermos responder será pela via do quase-dito. Com Lacan, avançamos na compreensão do desejo, abrimos as portas ao infinito do gozo feminino e perdemos de vista que a maternidade é a saída saudável para a feminilidade. Mas onde estaríamos nós, a respeito disso, se Freud tivesse recuado daquilo que podia dizer uma mulher sobre si mesma e sobre o mundo? A resposta é simples: não haveria psicanálise, essa coisa que, assim como uma mulher, insiste em dar as mãos à falta.

Por Cauana Mestre, psicóloga, especialista em psicanálise.

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  1. Achei muito interessante o texto. Entretanto faço uma observação. A série Freud (imagino que é a apresentada na netflix) a qual assisti não faz jus à história do próprio Freud. É uma ficção e como a maioria dos leigos acredita no que vê, fica parecendo que o Freud fez aquelas coisas todas. Apesar de as questões abordadas nos capítulos terem relação com as questões abordadas pelo Freud, os fatos em si são fictícios. Seria bom a autora se posicionar sobre isso. Grato pela atenção.

  2. Olá Moacir. Li seu comentário e ele faz todo sentido. Não é mesmo sobre Freud, mas a série não tem a pretensão de ser biográfica. Ali, o que temos, é algo bem metafórico a respeito do desejo feminino e alguns lances sobre o inconsciente. Não faz jus à história do Freud e não é uma narrativa de sua vida, mas achei que foi uma bela homagem. Um abraço.

  3. Num viés semântico diria que tanto o autor do comentário quanto à psicanalista cometem um erro brasileiro de criar uma intimidade um tanto comprometedora em termos de uma etiqueta social sóbria. Referir- se à ” o ” Freud ou ” do ” Freud seria inferior à um simples Freud. Traduzindo: jamais “o” Freud e jamais “do Freud. Simplesmente Freud e de Freud no lugar de “do Freud.

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