JONES MANOEL: Sobre Bacurau e a pequena-burguesia

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É compreensível ver que acadêmicos com tendências liberais não gostaram do filme. O filme tem a cara do povo brasileiro. O preto gordo, o negro, a mulher mestiça, o caboclo, a puta, a travesti, os idosos cansados de anos de trabalho na roça, o criminoso, a velha fofoqueira etc. O filme é a cara do chamado “Brasil profundo”. Ignora, propositalmente, o típico progressista urbano pequeno-burguês. O grande ausente da trama é essa figura social. O acadêmico, aquele que se acha intelectual e tem que ensinar o povo a lutar, não existe no filme.

Aliado a isso, existe uma dose de realismo político que também não agrada os nossos acadêmicos bons leitores de Habermas e adeptos do consenso. Um grupo armado ataca a comunidade. Eles usam a força. Temos que usar a força de volta. Simples e objetivo. Política é uma relação de forças. Essa verdade elementar é difícil de engolir.

Junte a isso a crítica ao imperialismo. No filme os personagens gringos são totalmente caricatos. Isso, também, não é acidental. A ideia foi pegar o estereótipo do herói “americano” e mostrar o seu contrário. É uma espécie de Rambo invertido.

A cena dos dois sulistas que se acham brancos, falam inglês, servem bem aos gringos, mas são tratados de forma ridícula como não-brancos, latinos, imbecis, inferiores, pegou firme na subjetividade daquelas que esperam a última moda de Harvard ou Sorbonne para “pensar” (ou depositam suas esperanças no Syriza do momento…). Mesmo ganhando 20 mil na universidade e falando inglês britânico continua sendo um latino!

Ao mesmo tempo, o filme serve como uma espécie de transferência psicológica. A pequena-burguesia de esquerda, a mesma que passou anos votando no “menos pior” e no geral não constrói nada, que gritou “não vai ter golpe” e “ele não”, realiza uma catarse coletiva no filme. Sente o gozo proporcionado pelo filme sem os perigosos e trabalhos da dimensão prática.

Finalmente, mata o fascista. Devolve o inimigo na mesma força. Derrota o inimigo. E pior: no filme, tudo parece simples. Os gringos são mais bem armados, treinados, mas são derrotados com facilidade. Vencer é fácil. Basta querer. Basta ser radical.

Esse processo de transferência, de sublimação, se expressa nós risos imbecis e sem sentido, nas palmas a todo momento, nós “gritos políticos” como se estivesse no meio de um ato.

Em uma cena patética, quando um dos gringos é morto, alguém grita “tem que fazer o mesmo no Congresso Nacional”. A sala de cinema inteira bate palmas. Palmas longas, fortes. A raiva foi expressa dentro do ambiente seguro da sala de cinema onde a maioria dos presentes nunca vão saber o que é um auto de resistência da polícia militar.

O filme é muito bom. Boas atuações, boa história, boa construção dos personagens, boa fotografia, boa trilha sonora. É gostoso de assistir.

Depois do “Democracia em vertigem” onde, ainda curtindo o luto, era possível se ver como vítima indefesa e pedir colo, agora é o momento de sair do luto e se sentir de novo em ação. Tudo isso, é claro, como processo de transferência, sem materialidade.

A pequena-burguesia não percebeu que não tinha lugar de fala, representatividade, empoderamento, democracia, diálogo, consenso, reconhecer os privilégios e por aí vai – nada disso tinha função no universo de resistência de Bacurau.

Ao se ver na tela, nesse processo de reconhecimento, a maioria das pessoas da esquerda, sem perceber, reconheceu que sua linguagem política é inútil. Gritaram, ainda que sem entender, que elas precisam de Fanon ou Mao e não de Foucault.

O filme diz muito sobre o espírito do tempo. É parte do interregno. A catarse coletiva é um dos sintomas mórbidos desse período.

Bacurau é bom. A pequena-burguesia, infelizmente, é uma merda.

  1. Bacurau é bom, cinematograficamente é só bom mesmo e eu fico puto como a pequena burguesia ou pelo menos aqueles que se deixaram colonizar pelo seu imaginário conseguem transformar algo bom em excelente apenas pra alimentar seus complexos infantis lacradores e inúteis.

  2. Acho que o companheiro devia se reservar a escrever sobre as coisa que ele entende, que são muitas, mas o cinema não é uma delas.

  3. Mude seu nome. Jones é americano demais pra um preto professor de história que ama marxismo e odeia a burguesia. E VTNC antes que eu me esqueça

  4. Na moral, essa pequena burguesia amante de teorias da moda está adorando esse filme bobo. Que incomoda porque é caricato e ruim.

  5. Jones, irmão;
    admiro tua aguda e necessária inteligência e aprendo com você a cada vez que te escuto. Neste caso, no entanto, discordo do ponto de partida: não acho Bacurau um filme bom.
    Me surpreende e incomoda um alinhamento automático, sem rigor crítico, que acontece em relação a uma obra de arte somente pelo fato de ela pertencer ao espectro político ao qual o espectador pertence.
    Ainda que reconhecendo todas as referências óbvias do diretor, como cinema-novo, western spaghetti e, um pouco menos explicitados pelos críticos, o revisionismo histórico e a violencia alegórica do Tarantino, o filme tem fragilidades óbvias de direção e roteiro. Há uma insistência do Kleber Mendonça em trabalhar com improvisação, o que na maioria das vezes não funciona! A música do filme, exceto a da abertura, que é realmente muito bem feita, é inapropriada, inverossímil, mal preparada. O elenco principal, de modo geral talentosíssimo, fica à mercê de uma falta de estrutura dramática e refém da falta de técnica e de formação de amadores com quem são obrigados a contracenar.
    Há várias cenas em que me pergunto: como o diretor deixou passar este take? Me recuso a discutir o problema político-social brasileiro a partir de coisa tão caricatural e frágil. Somos capazes de muito mais e já o provamos e fizemos!

  6. Pegue em armas, Jones. Vá lá agir como se o mundo estivesse parado em 1917. Vá lá brincar de Che Guerava. Mas depois quando a ”vara” entrar em você seja homem e engula o choro

  7. Há alguns muitos anos, conheci um artista. Ele produz vários tipos de arte… Sempre gostei, achava sensível… mas certa vez, ele fez um ensaio violento, com muito sangue, membros decepados e comentei com ele que havia notado a diferença e que preferia o estilo anterior. Então, ele me respondeu: _ Nem sempre o objetivo do artista é agradar… As vezes ele quer despertar a repulsa,a raiva, a tristeza… o único fracasso do artista é quando não deserta nada, quando o observador fica indiferente.”
    Ele foi feito para despertar algo no telespectador, para gerar uma sensação e um debate.
    Dito isso, vejo resenhas técnicas demais e que ignoram o principal: o filme atingiu o seu objetivo…

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