JONES MANOEL: Ideologia e partido da ordem – do ‘populismo’ ao ‘stalinismo’

Quem já leu o Manifesto do Partido Comunista percebeu que Marx e Engels começam o texto falando de como a palavra comunista era um termo satanizado, sinônimo de tudo que era ruim. No período, a classe dominante e seus intelectuais tinham duas palavras preferidas: comunista e jacobino. O segundo, em especial, era tomado como sinônimo de violência, barbárie, mortes, patologia política. Claro que o papel do jacobinismo no combate a escravidão, defesa da educação pública universal e ampliação da noção de cidadão e ser humano foi apagado pela ideologia burguesa.

Marx e Engels assumem o termo comunista como uma provocação. O termo socialista, na época, era aceito nos salões e se confundia com uma difusa e não perigosa “preocupação social”. Em outro livro de Marx, o 18 Brumário, ele mostra que frente a ofensiva da burguesia, tudo, absolutamente tudo, passou a ser chamado de socialismo. O mais simples direito republicano foi etiquetado como antessala do comunismo. Ainda no século XIX, figuras como Abraham Lincoln foram acusadas de “jacobinismo” e medidas, como a limitação da jornada de trabalho e a proibição do trabalho infantil, combatidas como comunismo.

Essa é uma das armas da ideologia dominante. Você cria um significante vazio, amplo, mas ao mesmo tempo fechado, e encaixa alguém nesse rótulo. A ideia é que o rótulo, previamente, diga tudo que você precisa saber sobre alguém ou algo ao ponto de não precisar ouvir a pessoa ou a questão e o “acusado” precise o tempo todo se explicar, justificar, provar, que não é ou não faz parte do rótulo imposto.

Em forma tópica: criar uma imagem ampla e ao mesmo tempo fechada + demonizar essa imagem + imputar essa imagem ao adversário + reduzir e capturar o ser do adversário a essa imagem.

Esse expediente tem exemplo clássico na América Latina com a ideia de “populismo”. Basicamente, como forma de negar a agência política dos trabalhadores, se rotulava de forma negativa qualquer proposta popular, política social ou político com ligação (ainda que mínima) com demandas populares de “populista”. O populismo foi tão amplo como arma que pegou nomes como Brizola, Arraes, Prestes, Lula, Gregório Bezerra, Itamar Franco, Marcos Freire etc. Nos anos 2000, a arma do momento foi “chavista”. A partir da década de 2010, foi bolivariano. Quem não lembra, por exemplo, Ciro Gomes na eleição de 2018 “explicando” que defender plesbicito e referendos não era “bolivarianismo”?

A arma do momento sabemos qual é. E é curioso como se cria uma realidade paralela simbólica. Um exemplo: durante a pandemia, a violência policial cresceu em várias capitais e os presídios brasileiros estão funcionando ainda mais como máquinas de matar gente; quem combate isso são as pessoas de esquerda – anarquistas, socialistas, comunistas, comunitaristas etc. -, mas, numa incrível inversão mágica, os de esquerda, especialmente os comunistas, são acusados de defender assassinatos e prisão em massa com base em uma realidade de 100 anos atrás em detrimento da realidade agora, apoiada pelos acusadores. Fantástico o mecanismo da ideologia dominante, não é?!

Em breve gravo vídeo sobre o tema.

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