Marx de “Carro Velho”

No debacle da glamorosa classe operária, o desafio da esquerda parece ser dialogar com os excluídos, os “inúteis”, os “inimpregáveis”. Enquanto falta a este encontro, as almas vão sendo colhidas e acalentadas por quem os promete o céu. Marx é imprescindível. Mas, de fusca em pleno século XXI, é pouco provável que vá muito longe.
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Começaram os testes com caminhões autônomos nos Estados Unidos. Eles entram em rodovias movimentadas, trocam de faixa, freiam e aceleram sem ninguém ao volante.

Existem nos EUA mais de 1,8 milhão de caminhoneiros. O veículo autônomo não precisa parar para que o motorista vá ao banheiro, não sente cansaço e roda 24 horas.

Em boa parte das fábricas, a presença de um sapiens está com os dias contados.

No recente debate sobre a reforma da previdência, o economista João Sayad disse que a esquerda parecia querer consertar “carro velho”, afirmando que o mundo do trabalho sobre o qual se assenta a atual estrutura da seguridade social não existirá mais daqui a dez anos.

O marxismo continua atual. O desenvolvimento das forças produtivas com a internet 5G, inteligência artificial e outros feitos notáveis, sinaliza a implosão do trabalho nos meios de produção.

Se não existirão mais operários, como fica a teoria em torno da revolucionária classe operária?

A esquerda marxista se construiu sobre o mito do operariado como núcleo e motor da luta de classes, apesar dos exemplos históricos não confirmarem esta vontade.

A Rússia migrou de uma monarquia agrária, com incipiente sociedade industrial, direto para o socialismo. Ninguém conhece as fábricas de onde emergiram Ho Chi Minh, Fidel, Che, Mao, Lênin ou Stalin, simplesmente porque nunca foram líderes operários.

Lula, extraordinária liderança operária, chegou ao poder pelo voto. Social democrata convicto, nunca nutriu simpatia pela palavra revolução.

Ao acabar com os operários inaugurando fábricas autônomas, o capitalismo pode ter resolvido a questão do mito antes da esquerda.

O Brasil possui mais de 12 milhões de desempregados. Possuímos a terceira maior população carcerária do planeta. Temos impressionantes 812 mil presos. Destes, mais de 40% são “Lulas”, pessoas presas provisoriamente, sem julgamento definitivo.

O número de desalentados e excluídos não para de crescer. Marx previu o fim do trabalho. A evolução das forças produtivas e suas contradições nos levariam ao socialismo, com as pessoas se dedicando cada vez mais às tarefas lúdicas. Seria o triunfo do “ócio criativo e harmonioso”.

Concentração histórica de riqueza, exclusão em massa e precarização das relações de trabalho, com jornadas desumanas, são a tônica atual. Estamos à beira de uma virada histórica?

Não é o que parece. Seria uma arrogância sem tamanho acreditar que só um lado vê os dilemas. A principal bandeira dos bilionários mundiais se tornou a “Renda Mínima Universal”. Que tal?

Um gigante colchão de morfina para subcidadãos condenados a viver eternamente “no canil”. Para o cãozinho não morder, doses homeopáticas de ração, todos os dias.

No debacle da glamorosa classe operária, o desafio da esquerda parece ser dialogar com os excluídos, os “inúteis”, os “inimpregáveis”. Enquanto falta a este encontro, as almas vão sendo colhidas e acalentadas por quem os promete o céu.

Marx é imprescindível. Mas, de fusca em pleno século XXI, é pouco provável que vá muito longe.

Por: Ricardo Cappelli.