A farsa moralista da publicidade na exploração de Brumadinho

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A intenção da peça publicitária da Jendayi Cosméticos, explorando o episódio da barragem de Brumadinho, com modelos bonitinhos todos sujos de lama, como suposta campanha de protesto, esconde sua intenção espúria que faz parte da quintessência da sociedade de mercado sem pudor e sem sentido algum em termos de construção de um futuro diferente. Revela de forma eloquente e flagrante a serviço de quem estão certos publicitários e empresas, como não poderia deixar de ser no vale tudo do sentido capitalista de ser e viver.

Certamente, mesmo sendo criticada, a peça consegue divulgar sua marca de forma impactante e vender – objetivo último da empresa capitalista de valorizar o valor, longe de querer ajudar a transformar o mundo para que as pessoas vivam melhor. Como diriam os papas no assunto, “marketing é o desenvolvimento da marca na cabeça do consumidor”. E isso, independentemente de sentimentos, dores, pudores, miséria ou fome. A ideia é o valor da marca – e não, como se anuncia, protestar contra algo. Utiliza-se do fato em si, da dor das pessoas e de uma conjuntura de falso moralismo do politicamente correto para se empreender uma farsa, escamoteando sua intenção última de valorizar o valor da marca.

Mas isso é normal, faz parte do jogo, diriam os que entendem do negócio. Sim, sem dúvida, normalíssimo numa sociedade cada vez mais devastada pela corrupção legalizada dos interesses capitalistas. Certamente também, publicitários jovens e recém-formados nem se dão conta, na sua interação com seus pares mais experientes, donos do negócio, de que a história humana é feita pelos indivíduos, mas não de maneira voluntarista e transcendental, atomizada, fora das circunstâncias históricas que determinam o comportamento deles, bem como suas formas de consciência, crenças e desejos.

O problema do falso moralismo é transcender algo que está aqui no terreno dos problemas concretos e suas causas últimas e tentar convencer que episódios como o de Brumadinho possam ser uma “fatalidade”, um “acidente” que poderia ter acontecido em qualquer outro lugar. Isso, quando não se insinua ser uma falha técnica no manejo das intervenções humanas na natureza. Assim, se escondem os elementos e conexões que propiciaram uma rede de relações privadas cujo objetivo maior é a valorização do valor, o lucro sempre mais crescente, independentemente das dores humanas. O lucro de poucos em detrimento da melhoria da vida de muitos.

Quando falo aqui de sentido capitalista de ser e viver não estou nem me referindo à possibilidade de outra sociedade diferente e desejável. Estou falando do que ocorre nesta sociedade e não como contraponto de outra hipotética. Obviamente, isso não significa acreditar que outra sociedade não seja possível e, repito, desejável. Estou falando o óbvio que muitos não querem admitir: a sociedade de mercado que, a partir do século XIX, como bem demonstrou Karl Polanyi, transforma tudo em mercadoria, os corpos, o tempo, o trabalho, as profissões, as tragédias, os sentimentos, a vida das pessoas. Sociedade que, para muitos, é o fim da história.

Essa natureza de sociedade não parece óbvia porque os fatos não falam por si sós, nem explicam a realidade em seu conjunto. Um desses fatos parece ser cada vez mais eloquente em relação ao que parece irônico para alguns, mas histórico e dialético para outros – isto é, a ocorrência de fatos cada vez mais numerosos, referentes à degeneração da relação entre os seres humanos, bem como à da de certos profissionais e profissões, como decorrência da destruição do próprio sistema como um todo, apesar de sua aparente musculatura para adiar (e não superar) as crises.

Essa devastação não é o sintoma de uma crise passageira, de um declínio ladeira abaixo de princípios morais ou de uma situação nova de recursos supostamente escassos. É, isto sim, elemento constituinte e originário de sua própria natureza, desde quando o trabalho humano se tornou abstrato – no caso, os publicitários fazendo “sua parte” felizes e alegres por verem o impacto causado por suas ideias.

  1. É o capitalismo feroz. Ele circula ao nosso redor com tal intimidade que a gente nem nota a sua presença. Mas a sua face cruel transborda como lama tóxica em idéias doentes como a desta peça publicitaria. Torço para que ele exponha a sua falta de vergonha de forma cada vez mais claramente escabrosa. Quem sabe possa abrir os olhos de quem se recusa a combatê-lo!

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