Queres o que desejas?

Dan Finsel, Affective memory cage, 2014

Dan Finsel, Affective memory cage, 2014

A gente se coloca diante da vida a partir de um lugar que supomos ter no mundo e em resposta sobre quem julgamos ser. Enxergamos o mundo, as contingências da vida, não necessariamente com as nossas lentes, porque que o desejo do Outro não é exatamente o desejo do sujeito. A gente pouco sabe se o que quer é o que se deseja, mas assim a gente vai inventando coisas para dar conta da existência e do mal estar.

Mas a gente sabe sem saber que sabe, que absolutamente nada do que a gente quer é suficiente para satisfazer o desejo, aliás, não existe objeto na realidade que o satisfaça. Desejo é sempre desejo de outra coisa, advertiu Lacan, pois vai deslizando de um objeto a outro e sempre escapa. Quando a gente acha que é tal coisa já não é.

Quantas vezes, queremos algo e ao conquista-lo, perdemos o interesse? A relação com o desejo é sempre algo não confortável e passa pelas nossas escolhas e decisões.

Decidir, duvidar e escolher são coisas, humanamente necessárias que nos leva a sustentar nossa posição diante da vida e na relação com o outro. A dúvida que transforma a queixa em questão, em causa é diferente da dúvida paralisante. Embora, decidir e fazer uma escolha possa causar angústia porque toda decisão é um risco por apontar para a perda, não há saída se não pela via da perda. Não tem como fugir de si mesmo, a divisão subjetiva e a castração são incuráveis. O desejo é propriamente a falta de um objeto que nos satisfaça completamente.

As saídas e respostas de cada sujeito frente ao desejo são muito singulares.

Às vezes, permanecer na dúvida cruel, procrastinando as decisões porque quer tudo (o que é impossível) para salvar um ideal mantém o desejo na ordem do impossível. De outro modo, o sujeito vai criando empecilhos, meios de impossibilitar as escolhas para fracassar, segue se queixando e “culpando” o outro, permanecendo na insatisfação. Se responsabilizar pela desordem da qual queixamos é acolher nossa radical diferença, o que há de mais singular em nós, dar lugar ao modo como lidamos com a falta. Pagamos muito caro por não querer saber disso.

Paga-se com o corpo quando o empresta a dar a ver o sofrimento na carne. Nosso corpo que vai além da biologia, é um corpo que goza de um modo singular e o que parece um enorme desprazer, há um gozo para o sujeito e para não perder uma porção dele, paga um alto preço pra se manter na ignorância, de não querer saber sobre o que o afeta e se haver com a castração. Enfrentar a relação com a falta é algo que você só pode se haver consigo mesmo. Escolher e perder se conjugam. Perder, dói. Desejar é trabalhoso. Numa análise, na medida em que o sujeito vai se implicando, transforma as queixas em questões perdendo o gozo do sofrimento para dar lugar a um desejo de saber sobre o que insistentemente se repete.

O sujeito goza desse lugar no desejo do Outro, um Outro que sequer existe porque o Outro é ele mesmo.

Mas é repetindo, repetindo que nos tropeços da repetição, cai em si até fazer diferente. Com um tempo, na travessia de uma análise, os ideais caem, a imagem que se tem de si e do outro, caem. A ferocidade superegoica vai atenuando dando lugar a leveza ao se deparar com a imprevisibilidade, com o inesperado, as surpresas e o que movimenta a vida. Atravessar essa vida exige dar-se conta do que há de mais íntimo e singular, que é a relação com a falta e o desejo.

Uma análise não leva a se conhecer melhor. É o contrário disso, dá lugar ao desconhecido em si com enfrentamento do sujeito com a falta.É uma travessia que conduz a possibilidade de um reposicionamento diante do gozo.

Uma analise é para dar conta da existência e viver com invenções menos embaraçosas frente ao desejo. Aliás, o desejo é uma questão. E aí, você quer o que deseja?

Por Lucélia Gonçalves

Psicóloga | PUCPR

Psicanálise | Membro do Núcleo de Cacoal do Laço Analítico | Escola de Psicanálise

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