Regina Duarte na CNN e o legado de Alvim

Um dia após sua reunião com o presidente Bolsonaro em Brasília, na tentativa de tratar a crise conjugal que sofre esse “casamento”, a secretária especial de Cultura do governo, Regina Duarte, concedeu nesta quinta-feira (07) uma entrevista exclusiva à CNN Brasil. Os resultados foram aparentes contradições gritantes com a realidade do cenário político. O conteúdo foi de posicionamentos na contramão do que a própria secretária de Cultura falou em áudio vazado na última terça-feira (05), sobre os bastidores que anunciavam sua possível demissão. No áudio, Regina Duarte conversa com sua assessora sobre a recontratação de Dante Mantovani na Funarte – o maestro, que vinculou em vídeo o rock ao satanismo, foi demitido quando a secretária assumiu a pasta. É possível ouvir a fala “que loucura isso, que loucura”, referindo-se à clara reação de surpresa diante da recontratação, sem que tivesse sido informada. E, na sequência, “eu acho que ele (Bolsonaro) está me dispensando”.
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Um dia após sua reunião com o presidente Bolsonaro em Brasília, na tentativa de tratar a crise conjugal que sofre esse “casamento”, a secretária especial de Cultura do governo, Regina Duarte, concedeu nesta quinta-feira (07) uma entrevista exclusiva à CNN Brasil. Os resultados foram aparentes contradições gritantes com a realidade do cenário político. O conteúdo foi de posicionamentos na contramão do que a própria secretária de Cultura falou em áudio vazado na última terça-feira (05), sobre os bastidores que anunciavam sua possível demissão. No áudio, Regina Duarte conversa com sua assessora sobre a recontratação de Dante Mantovani na Funarte – o maestro, que vinculou em vídeo o rock ao satanismo, foi demitido quando a secretária assumiu a pasta. É possível ouvir a fala “que loucura isso, que loucura”, referindo-se à clara reação de surpresa diante da recontratação, sem que tivesse sido informada. E, na sequência, “eu acho que ele (Bolsonaro) está me dispensando”.

Mas não foi isso que se ouviu na entrevista. Ao contrário, sobre a recontratação de Mantovani, com demonstração de confusão e nervosismo, a secretária disse não ter “nada com isso”, já que a Funarte está vinculada agora ao Ministério do Turismo e é separada da cultura. Regina Duarte disse ainda que sua demissão não é, na realidade, cogitada, sendo isso “coisas que falam por aí’. Não admitiu em nenhum momento que teve o receio de ser “dispensada”.

Duarte se posicionou no sentido de estar sofrendo problemas burocráticos em suas nomeações, como foi o caso de sua nomeação de Maria do Carmo Brant na secretaria de diversidade cultural, cancelada pelo governo. Descartou a hipótese de estar sendo, aos poucos, forçada a se afastar da pasta pela ala ideológica do governo, através do esvaziamento de suas atividades. Sim, disse desconhecer o movimento que a ala ideológica tem articulado para seu afastamento, essa mesma que tem como linha de frente Geralda Gonçalves, a “Geigê” influente no Ministério do Turismo e responsável pela indicação dos nomes de Dante Mantovani e do antecessor da atriz na pasta, Roberto Alvim.

O que parece ser a “contradição” do discurso de Regina Duarte é, na verdade, o fruto da tal reunião de quarta-feira. Segundo o jornalista Daniel Adjuto, da CNN, e que também entrevistou a secretária nesta quinta, Jair Bolsonaro falou à atriz que “ou você adere às minhas ideias, ao meu governo, que é conservador, ou a porta está aberta”. Parece que, finalmente, as ideias estão sendo integralmente aderidas pela secretária. O casamento está, por enquanto, estabilizado.

A consequência é óbvia. Regina foi, na entrevista desta quinta-feira, a substituta ideal do dramaturgo Ricardo Alvim: enquanto um citava o nazista Goebbels, a outra minimiza as mortes, torturas e censuras da ditadura militar brasileira. É o resultado do alinhamento ideológico do atual governo, que a secretária simula “esperar não haver”.

Outro preço é o impacto na execução das políticas culturais e recuperação da estrutura administrativa da cultura, que costumavam ser prioridades no MinC. Em chocante despreparo e talvez até falta de técnica e conhecimento, Regina Duarte falou sobre a única medida que finalmente efetivou em apoio à classe cultural, afetada pela pandemia do coronavírus. Trata-se da Instrução Normativa nº 5, de 20 de abril de 2020, que alterou os procedimentos de captação, execução, prestação de contas e avaliação dos projetos financiados pelos mecanismos de fomento a projetos culturais através da Lei Rouanet, mais especificamente, do Pronac, em razão do impacto da pandemia do coronavírus.

A secretária não sabe o prazo de quando serão liberados os recursos do Fundo Nacional da Cultura (FNC) e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), já que estão “presos” na Ancine, não estão no “guarda-chuva” da secretaria e dependem do Comitê Gestor da agência. Também não se sabe quando vai ser assinado o Decreto que transfere a secretaria de cultura definitivamente para o Ministério do Turismo, quando todos os atos passarão somente pelo ministro Marcelo Álvaro Antônio.

Então, finalmente a burocracia não será mais um problema tão grave assim. Só teremos os demais, como a redução orçamentária dos órgãos ligados à cultura, além das inúmeras trocas de chefia das entidades, e as impactantes mudanças nas regras de incentivo fiscal. E não podemos esquecer da suspensão de editais de fomento ao cinema e os tantos impasses dentro da autarquia federal que os gerencia, a Ancine – os casos de censura, como a suspensão do edital que fomentava a produção de conteúdos ligados à questão LGBTs. Logo após o episódio, houve a recomposição do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual.

São tantas que, mais uma vez, merecem um texto só para elas. Mas não se preocupe com isso, secretária. A pasta já está esperando há tanto tempo uma melhora em sua estrutura, e uma efetivação do esquecido desenvolvimento cultural, que podemos esperar enquanto faz chiliques com o vídeo de Maitê Proença e fala sobre o clima fúnebre em que anda o Brasil ultimamente. Enquanto isso, o setor da cultura e da economia criativa continuará pouco respaldado pelo Estado, carregando seus mortos nas costas, junto com toda criatividade que se deixa de produzir por falta de financiamento. Que assim como as vítimas do Brasil e do mundo, como Moraes Moreira, Aldir Blanc, Rubens Fonseca e Flávio Migliaccio, morrem e são esquecidas.

Regina Duarte na CNN