Royal City – Uma HQ para ler nas festas de fim de ano

A onda Lemire no Brasil ganhou mais um título, agora escrito, desenhado, colorido e editado pelo consagrado argumentista estadunidense em um projeto completamente pessoal, no estilo do Condado de Essex que o consagrou tempos atrás. Essa polivalência de Jeff Lemire agrega demais à obra pelo seu traço um pouco solto, mas muito maduro, que se encaixa demais em Royal City junto com aquarelas maravilhosas.
Botão Siga o Disparada no Google News

A onda Lemire no Brasil ganhou mais um título, agora escrito, desenhado, colorido e editado pelo consagrado argumentista estadunidense em um projeto completamente pessoal, no estilo do Condado de Essex que o consagrou tempos atrás. Essa polivalência de Jeff Lemire agrega demais à obra pelo seu traço um pouco solto, mas muito maduro, que se encaixa demais em Royal City junto com aquarelas maravilhosas.

A história é um drama familiar interiorano que trata sobre a perda de identidade e a redescoberta, temas que são sempre abordados nas obras do autor. A narrativa é bem centrada na realidade, mas com toques de realismo mágico, e nos leva à uma família que vê o fantasma do filho já falecido. Peter e Patti são os patriarcas da família Pike de Royal City, uma cidade média do interior dos Estados Unidos firmada sobre uma fábrica local que emprega todos ali, e logo no começo da história o pai tem um derrame, fazendo a família toda se reunir novamente na cidade. Seus filhos: Patrick, um escritor de sucesso, mas emperrado na empreitada de um novo livro, que saiu de Royal City para a cidade grande quando jovem e fez carreira com a literatura; Tara, corretora de imóveis na cidade; Ricchie, o irmão mais maluco, que teve a vida degringolada e se afundou nos vícios, sendo abandonado pela família e Tommy, o irmão mais novo que morreu em 1993 sob causas não reveladas ao leitor.

Nisso Lemire constrói sua história com várias versões do Tommy, uma para cada parente, modeladas à forma idealizada de como cada um o via, mostrando como essa morte afetou toda a vida da família e dos que viviam ao redor deles. Essa família disfuncional é explorada ricamente, seja nos prazos editoriais estourados do Patrick, no drama profissional da Tara de destruir a fábrica da cidade, que já não vai tão bem, para construir um resort, das dívidas do Ricchie ou dos problemas conjugais dos pais. Todos esses problemas da família são tratados como reflexos da decadência do microcosmos deles, a cidade. A abordagem de Lemire perante a transição constante de personagens é leve, clara e objetiva.

A reunião da família mostra o processo de quem cresce e deixa a cidade natal para morar fora pensando, no começo, ter pleno controle da situação e como a volta as origens faz os erros da trajetória de vida serem remoídos, e como quem saiu olha pro passado sendo “um gigante mas sem ver que tem os pés de barro”, citando a expressão russa. Os dilemas existenciais sobre passagem do tempo e envelhecimento de Patrick conduzem a história nesse primeiro volume, sendo o protagonista e “doppelgänger” de Lemire para pensar um “e se?” da própria carreira em um mundo paralelo.

Li no intervalo entre o Natal e o ano novo, período em que estive em reunião com minha família e não poderia recomendar mais. Aguardo ansiosamente os próximos volumes para a conclusão da série. A HQ segue o mesmo padrão de acabamento de Black Hammer; capa cartão, mesmo papel e tamanho, 160 páginas por 50 reais e é o primeiro volume de uma trilogia.

Por: Antônio Cazarine.