O sambódromo de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola

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Por  Leo Lupi – A história da folia carioca se confunde com a nossa história política. É assim desde os primeiros desfiles na década de 1930 – com temáticas nacionalistas apoiadas pelo Estado Novo – até a ditadura militar, quando algumas escolas louvavam o regime e outras sofriam censura. Seja na letra do samba ou nos bastidores, carnaval e política sempre andaram de mãos dadas. Não foi diferente na inauguração do Sambódromo, em 1984, feita pelas mãos do governador Leonel Brizola.

A criação do Sambódromo é essencialmente política porque, para além de sediar os desfiles durante o carnaval, o local foi pensado para abrigar 160 salas de aula, com capacidade de atender cerca de 10 mil crianças da rede pública durante o ano letivo. Essa feliz combinação de políticas públicas para a educação e para a cultura é obra de duas figuras políticas: Brizola e Darcy Ribeiro, então vice-governador.

Sociólogo e educador, Darcy foi criador dos CIEPs, um projeto revolucionário de escolas em tempo integral para as crianças do estado do Rio. Ao decidirem construir uma estrutura fixa para os desfiles das escolas de samba (antes, a estrutura era montada e desmontada para o carnaval), Brizola e Darcy não pensaram somente na logística da festa. Unindo o útil ao agradável, buscaram criar um espaço que tivesse função durante o ano inteiro. Assim nasceu o Sambódromo, templo do samba e centro educacional.

A construção do Sambódromo, em si, também foi um fato político. Até então, a logística do “monta e desmonta” das arquibancadas todos os anos era um chamariz de corrupção e superfaturamento. O preço anual era praticamente equivalente ao preço da construção do Sambódromo definitivo. A decisão de Brizola, portanto, mexia em um vespeiro perigoso.

Além disso, as Organizações Globo, oposição ferrenha ao governador, se colocaram contra a construção da Passarela. Foi feito um verdadeiro terrorismo midiático de que a obra não ficaria pronta para o Carnaval, ou que teria problemas na estrutura. Diziam até que a arquibancada poderia cair. No jornal impresso O Globo, uma charge comparava Brizola a Odorico Paraguaçu, personagem da obra de Dias Gomes, um político corrupto e fanfarrão que construiu um cemitério em uma cidade em que não morria ninguém.

A Rede Globo, que transmitia os desfiles até então, se recusou a cobrir a festa no ano da inauguração do Sambódromo. Coube então à TV Manchete a transmissão do evento.

Para o espanto e desagrado dos que torceram contra a iniciativa, o primeiro carnaval na Passarela do Samba ocorreu sem maiores problemas e com grande sucesso. Com a cobertura dos desfiles, a TV Manchete ganhou da Globo em audiência. No ano seguinte, a emissora de Roberto Marinho voltou a transmitir o carnaval.

O maior sucesso, porém, foi depois da festa: crianças estudando em salas de aula no CIEP do Sambódromo. Esse era o principal objetivo do projeto de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, e, claro, Oscar Niemeyer, o arquiteto da obra.

Uma iniciativa que une o apoio à cultura popular e o investimento em educação merece ser lembrada e celebrada em tempos tão difíceis do país, do estado e da cidade do Rio. O descaso do poder público com a educação é talvez uma das nossas maiores mazelas. Hoje, o CIEP do Sambódromo já não funciona, e o local é utilizado apenas para creches desde 2011. As creches atendem cerca de 250 crianças, um número bem distante das 10 mil da educação infantil pensadas pelo governo Brizola.

Perde o Rio de Janeiro. Toda a estrutura do Carnaval – tanto o Sambódromo quanto a Cidade do Samba – é, hoje, subaproveitada, até mesmo para as próprias escolas de samba. A falta de visão estratégica dos que organizam a festa, aliada à ausência de sensibilidade social por parte de nossos governantes, tem tirado a cada dia mais o brilho do nosso Carnaval. No resto do ano, então, nem se fala. A cidade e o estado vivem um verdadeiro abandono e não há absolutamente nada que aponte para uma mudança.

Felizmente, ainda temos o samba, a arte e a alegria para nos lembrarem do quanto o nosso povo merece sonhar e ser feliz. Um bom Carnaval para todos e todas.

Por Leo Lupi

Referências:

1- https://extra.globo.com/noticias/rio/sambodromo-no-rio-nao-tera-mais-cieps-creches-359893.html
2- http://redeglobo.globo.com/globoeducacao/noticia/2013/08/para-1008-darcy-ribeiro-e-anisio-teixeira-exemplos-de-luta-pela-educacao.html
3- https://www.conversaafiada.com.br/pig/2014/02/27/a-globo-dizia-que-o-sambodromo-ia-cair
4- https://www.conversaafiada.com.br/cultura/o-sambodromo-e-do-brizola
5- http://marildacamposp.blogspot.com/2014/02/o-globo-o-sambodromo-e-leonel-brizola_9557.html
6- http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/bastidores-da-construcao-do-sambodromo-do-rio,-por-fernando-brito-1-24278
7- https://www.aldeiaglobal.net.br/2014/03/o-triunvirato-do-carnaval-brizola-darcy.html
8- https://www.archdaily.com.br/br/01-32045/passarela-professor-darcy-ribeiro-sambodromo-do-rio-de-janeiro-oscar-niemeyer

Agradecimento especial ao Observatório dos CIEPs