Plantam-se sementes para colher libertação

Plantam-se sementes para colher libertação
Botão Siga o Disparada no Google News

Eclodiram, em 25 de maio de 2020, manifestações contra o racismo nos Estados Unidos da América, após o assassinato de Jorge Floyd por um policial. Quase que imediatamente, no Brasil e em outros países, houve manifestações e protestos contra a desigualdade racial, cogitando-se da ideia de os negros terem despertado para o enfrentamento do racismo.

No entanto, limitando-se ao Brasil, o combate ao racismo sempre esteve presente e ativo. O Movimento Negro tem articulado estratégias e dinâmicas em favor da população negra em todo o período republicano, como narra o professor Petrônio Domingues, em seu artigo intitulado Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos.

O professor Petrônio Domingues definiu movimento negro como “a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural”.

Em 1931, em São Paulo, fundou-se a Frente Negra Brasileira, que tinha filiais em muitos estados, como Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, chegando a superar 20 mil associados, tendo sido extinta em 1937, com a ditadura do Estado Novo. Em 1944, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental Negro (TEN) foi fundado com Abdias do Nascimento como sua principal liderança.

A proposta original era formar um grupo teatral constituído apenas por atores negros, mas progressivamente o TEN adquiriu um caráter mais amplo: publicou o jornal Quilombo, passou a oferecer curso de alfabetização, de corte e costura; fundou o Instituto Nacional do Negro, o Museu do Negro; organizou o I Congresso do Negro Brasileiro; promoveu a eleição da Rainha da Mulata e da Boneca de Pixe; tempo depois, realizou o concurso de artes plásticas que teve como tema Cristo Negro, com repercussão na opinião pública. Defendendo os direitos civis dos negros na qualidade de direitos humanos, o TEN propugnava a criação de uma legislação antidiscriminatória para o país[1].

O golpe militar de 1964 tentou mitigar a luta de combate ao racismo, inclusive com a estigmatização de seus militantes, que eram acusados de falar sobre um problema que não existiria no Brasil: o racismo.

Mais uma vez, em razão da opressão do regime ditatorial, o movimento negro teve as suas ações reprimidas, mas não extintas, pois as ações para a liberdade do povo negro continuaram. Em 18 de junho de 1978, em uma reunião que contou com a presença de diversas entidades, foi criado o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR), e a primeira ação foi em 07 de julho de 1978, com “um ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guaianases” (DOMINGUES, 2007, p. 113).

A partir disso, ações políticas de combate ao racismo foram ativadas com o retorno da imprensa negra, com o desenvolvimento de estratégias para que os negros participassem do poder político e econômico em igualdade de condições com os brancos, com a reflexão de que o dia 13 de maio não é uma data festiva (abolição da escravatura) e que a celebração do MUCDR, alterado para Movimento Negro Unificado (MNU), em 1982, fosse em 20 de novembro (data em que se rememora a morte de Zumbi dos Palmares).

A luta antirracista também é notável na obra Quarto de Despejo: diário de uma favelada, escrito por Carolina Maria de Jesus na década de 1950, em que conta a realidade da segregação espacial e social, da sua vida como mulher, negra e favelada. O livro é constituído pela narrativa escrita por Carolina na forma de um diário.

Lélia Gonzalez, em seus textos, também denunciou a condição subalterna em que os negros viviam, bem como destacou a importância do Coletivo Nzinga, cujo objetivo era de lutar em favor das mulheres negras e pobres.

Outra mulher negra que é engajada no combate ao racismo e ativa participante nos movimentos de valorização da cultura negra é Conceição Evaristo que, por sua poesia, seus contos e ensaios, apresenta a realidade da população negra, bem como a sua resistência.

Por fim, a força do movimento antirracista não surgiu apenas com as mortes de Jorge Floyd, João Pedro, Miguel e tantos outros jovens negros, mas da luta constante e incansável de pessoas que plantaram essas sementes, para que produzissem uma realidade transformada.

No século XXI, especialmente de 2010 em diante, destacaram-se autores negros que continuam denunciando o racismo no Brasil e articulando estratégias de combate a essa desigualdade, como os professores Djamila Ribeiro e Silvio Almeida.

Essas sementes já foram plantadas e estamos colhendo alguns resultados, como a ampliação dos debates sobre as relações raciais e as políticas de ações afirmativas. A integração do negro na sociedade, em empresas privadas e em cargos públicos é uma obrigação social, mas também das empresas e dos entes públicos, sob pena de sua deslegitimação. O professor Silvio Luiz de Almeida afirma que a falta de diversidade racial nos quadros funcionais é motivo de constrangimento para a empresa ou para a instituição[2].

As pautas de combate ao racismo não se restringem a protestos e manifestações, elas são transformadas e aperfeiçoadas conforme a sociedade fica mais complexa. Angela Davis afirma que a liberdade é uma luta constante. Por isso, graças às lutas de outrora, ainda seguimos.

Plantam-se sementes para colher libertação

Referências

Referências
1 DOMINGUES, Petrônio. O Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo [online]. v.12, n.23, 2007, p.100-122. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07>.  Acesso em: 13 jul 2020.
2 ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é Racismo estrutural? Belo horizonte: Letramento, 2018.