Por uma Sociologia Trabalhista: Alberto Pasqualini e Guerreiro Ramos

Por uma Sociologia Trabalhista Alberto Pasqualini e Guerreiro Ramos
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O texto tem fins introdutórios e visa trazer à tona uma reflexão sociológica que chamo pelo termo de “Sociologia Trabalhista”. Se observarmos à história e formação das Ciências Sociais no Brasil, atestamos que teóricos alinhados com a perspectiva política proposta pelo antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foram simplesmente esquecidos. Nos cursos de graduação em Ciências Sociais, estuda-se uma espécie de Monte Olimpo onde habita autores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes. Talvez e com muito esforço, podemos encontrar estudos sobre Celso Furtado e Darcy Ribeiro, este último mais conhecido por sua atuação política do que por sua vasta e rica produção antropológica. Não é meu intuito menosprezar as produções sócio-antropológicas de tais autores mencionados, pois todos reúnem importantes reflexões sobre a sociedade brasileira.

O meu objetivo é apenas pontuar que existe uma variedade de outros cientistas sociais que visaram escrever sobre o Brasil, atuando também politicamente. Aqui destaco à existência de dois a quem acredito terem contribuído para a formação do que chamo de Sociologia Trabalhista, são eles: Alberto Pasqualini e Guerreiro Ramos, ambos trabalhistas e militantes do antigo PTB. De forma resumida, traçarei à trajetória política e as principais ideias desses que também ousaram pensar o Brasil e sua sociedade.

Por uma Sociologia Trabalhista Alberto Pasqualini e Guerreiro Ramos
Alberto Pasqualini e Guerreiro Ramos

Alberto Pasqualini nasceu em 1901, no interior gaúcho, e faleceu em 1960 na cidade do Rio de Janeiro. Foi advogado, professor, sociólogo, político e o principal ideólogo do Trabalhismo Brasileiro. Defensor da Aliança Liberal em 1930, se tornaria vereador de Porto Alegre em 1934, quando ainda era filiado ao Partido Libertador, mandato que foi interrompido pelo Estado Novo. Após a queda do Estado Novo, reúne um grupo e funda a União Social Brasileira[i] que ingressaria no PTB em 1946. Ainda foi Senador da República em 1950 e chegou a concorrer duas vezes (1947 e 1954) para o posto de Governador do Rio Grande do Sul, perdendo em ambos os pleitos.

Pasqualini tinha uma grande preocupação com a questão agrária no país e acreditava que à força do latifúndio, mantinha em atraso o capitalismo brasileiro. É por isso que ele defendeu a criação de colônias agrícolas, contra à concentração de terra e em benefício dos agricultores sem propriedade. Socialista, mas não anticapitalista, Pasqualini defendeu o que chamou de capitalismo solidarista que estaria em oposição ao capitalismo individualista. O primeiro é empreendedor e visa desenvolver-se promovendo à justiça social; já o segundo é egoísta e parasitório, mantendo o país na lama. A sua ideia era socializar parte do lucro, sem necessariamente de defender o fim completo da propriedade privada, como propunham os comunistas. Para que tal socialização pudesse ser realizada, era preciso não só combater o latifúndio, mais também industrializar-se com foco no mercado interno. Em sua principal obra, “Bases e Sugestões para uma Política Social”, Pasqualini subordina sua reflexão sociológica a um conjunto de propostas políticas para o país.

Suas ideias que, segundo Roberto Bitencourt[ii], conseguiram unificar: positivismo republicano gaúcho, catolicismo, socialismo, social-democracia europeia (especialmente o Trabalhismo Britânico) e keynesianismo; deram base para o norte do antigo PTB que com suas propostas nacionalistas e anti-imperialistas influenciaram diversos teóricos dos anos de 1950 e 1960 como San Tiago Dantas, Josué de Castro e uma variedade de homens que construíram o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Tendo repercussão também nas diretrizes ideológicas do atual Partido Democrático Trabalhista (PDT), então o herdeiro político do antigo PTB. Suas reflexões e propostas para o Brasil, como podemos observar, marcou gerações.

O segundo sociólogo trabalhista que comentarei aqui, chama-se Guerreiro Ramos. Nascido na Bahia em 1915, Guerreiro faleceu em 1982 nos Estados Unidos. Graduado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade do Brasil, Guerreiro chegou a ser integralista antes se preocupar com as questões raciais, fundando com Abdias do Nascimento o Teatro Experimental do Negro. Antes de ser Deputado Federal pelo PTB, foi assessor de Getúlio Vargas no seu segundo governo e diretor do departamento de Sociologia do ISEB. Guerreiro não só refletiu sobre as relações raciais no Brasil, como também buscou pensar sobre a própria atuação da Sociologia no país.

Para ele o pensamento sociológico se dividia entre: Sociologia enlata versus Sociologia em ato. A primeira (também chamada de Sociologia em hábito), desenvolvia-se sob tutela acrítica dos procedimentos teóricos e metodológicos europeus e norte-americanos; enquanto a segunda (também chamada de Sociologia em mangas de camisa), se forma bebendo criticamente de teorias exógenas visando construir um caminho próprio do pensar sociológico. Assim como Pasqualini, se diferenciava dos comunistas a quem dirigiu duras críticas durante sua vida. A União Soviética em sua concepção, por exemplo, não passou de um “Capitalismo de Estado”, porém críticas mais ásperas foram feitas ao marxismo-leninismo, como as presente em “Mito e Verdade na Revolução Brasileira”[iii]. Assim como Pasqualini[iv], imaginava a necessidade do Brasil construir o socialismo com suas próprias pernas, sem a diretriz estrangeira. Sua preocupação era não repetir os comunistas que, assim como os liberais, analisavam o país e atuavam politicamente diante da última ordem dada de fora (no caso dos comunistas, Moscou e no caso dos liberais, Washington). Os dois sociólogos aqui analisados propuseram um pensar tipicamente nacional, socialista e anti-imperialista que enriquece não só a Sociologia como campo científico mais também o Trabalhismo Brasileiro como ideologia política atuante.

Enfim, como podemos perceber, existe uma Sociologia Trabalhista que os trabalhistas atuais devem resgatar. Vivemos tempos de resgate do legado trabalhista. Depois de anos morando nas asas do petismo, o Trabalhismo Brasileiro dá sinais de vida com o PDT em crescimento. As eleições presidenciais em 2018, onde Ciro Gomes conseguiu à terceira posição, desbancando adversários com coligações mais robustas e poderio midiático, como os candidatos Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles; dão mostras de que o Trabalhismo caminha para ser uma alternativa para o país. A atuação política prática, deve ser aliada a uma nova forma de pensar. Pasqualini e Guerreiro são apenas dois dos muitos pensadores que devemos rememorar, pois não existe projeto político forte sem uma reflexão teórica autêntica. E que tais reflexões sirvam para qualificar (à esquerda) o PDT, herdeiro de tal legado.

Por uma Sociologia Trabalhista Alberto Pasqualini e Guerreiro Ramos

[i]“O manifesto da União Nacional Brasileira começava por dizer que não seria possível “instituir no Brasil um verdadeiro regime democrático sem que lhe preparem as bases econômicas, sociais e educacionais” e propunha harmonizar os fatores da produção e assentar as bases da economia num plano de cooperação, de solidariedade e de justiça social” (RIBEIRO, José Augusto. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2001, p. 276).

[ii]SILVA, Roberto Bitencourt da. Alberto Pasqualini: trajetória política e pensamento trabalhista. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2012.

[iii]“Lenin recorreu às práticas de Pedro, o Grande, a fim de preparar a Rússia para o socialismo no plano industrial, no técnico e no pedagógico. E depois de Lenin, Stalin, observando o princípio autocrático, consolidou o bolchevismo como uma liga de marxismo ocidental e barbárie russa”. (GUERREIRO, Ramos A. Rio de Janeiro: Zahar, 1963, p. 70).

[iv]“A nossa época é essencialmente socialista, e o nosso socialismo, o socialismo brasileiro, não se caracteriza pela trituração do indivíduo na máquina do Estado, mas pela cooperação harmônica das partes como o todo. O Estado é o órgão que realiza o sistema da cooperação nacional”  (RIBEIRO, José Augusto. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2001, p.259).