Supereu

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"L’amant double", François Ozon, 2017
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Se tem uma coisa danada nesse tal de nosso aparelho psíquico, essa coisa se chama supereu.

Em boa parte da teoria freudiana, o supereu aparece como organizador. No meio do caos que são as exigências pulsionais, o supereu surge, como representante de uma lei, possibilitando a articulação de uma parte do nosso mundo interno, com o mundo externo. O supereu, então, aparece como uma marca resultante do complexo de édipo. É o herdeiro do complexo de édipo, diz Freud. Legal, bonito, necessário.

A questão é que, se tem uma coisa com a qual nós, seres humanos, falantes, moradores da linguagem, temos um problema, essa coisa se chama equilíbrio. Esta é uma palavra que existe na língua, entendemos racionalmente, mas que parece estar foracluída do nosso psiquismo. Da falta ao excesso, não passamos pelo equilíbrio. A falta é excessiva.

Assim, o próprio Freud, no texto “O mal-estar na civilização” (1930) já nos diz que as exigências superegoicas não têm fim. Quanto mais o indivíduo tenta se livrar delas, mais rigorosas elas se tornam. Quanto mais alguém tenta se livrar da culpa, mais culpado se sente. Quanto mais se abre mão de certos prazeres para evitar o mal-estar, de mais e mais coisas se é impelido a abrir mão. Isso porque, de acordo com Freud, nosso eu se coloca numa posição masoquista em relação ao supereu, que apareceria como sádico. Daí as pessoas que mentem e elas mesmas se denunciam “sem-querer”, por exemplo.

Nas queixas neuróticas cotidianas, percebemos isso através de ditos tais como “estou me boicotando”, “me falta amor próprio”, “sou exigente demais comigo”, “é mais fácil perdoar os outros do que a mim mesmo(a)”,”desculpa qualquer coisa” (essa acontece bastante quando se está indo embora da casa de alguém) etc.

O resultado da inscrição do supereu no psiquismo, é que o neurótico torna-se um sujeito que tem uma culpa da qual não consegue se livrar. Ainda que, racionalmente saiba não ser culpado, sente como se fosse e não sabe pelo que. O saber não dá conta de eliminar a sensação.

Na releitura lacaniana, o supereu aparece como imperativo de gozo. Lacan diz que nada, a não ser o supereu, força alguém a gozar. Aí estamos na clínica dos excessos.

Trata-se de uma relação mortificante do sujeito consigo mesmo, que precisa, ao mesmo tempo: comer mais e emagrecer mais / ganhar mais dinheiro e trabalhar menos / economizar mais e viajar mais / viver várias relações amorosas e ter um amor único, verdadeiro e fiel ao longo de toda a vida. Sim, são ditos contraditórios, que existem ao mesmo tempo. Daí a impossibilidade de atendermos às exigências superegóicas. Mutas vezes coloca-se a culpa nos outros, que aparecem pelos nomes de família e/ou sociedade, quando se trata, na verdade, de demandas que surgem do próprio mundo interno.

O supereu, como imperativo de gozo, ignora o desejo e a castração. Quer estar em todos os lugares ao mesmo tempo, viver todas as coisas, não quer perder. Em sua faceta mais agressiva, é pura angústia.

Acontece que, só temos um corpo, nosso dia tem 24h e nenhum segundo a mais. Não dá pra ir e ficar ao mesmo tempo. Escolher o que ganhar é escolher o que perder. E quanto mais medo de perder, mais se perde. É assim. Pra todo mundo. E isso já dá trabalho o suficiente.

Por Ana Suy