Tiros em Suzano: Columbine no Brasil

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Imagens da câmera de segurança da escola Raul Brasil em Suzano durante o massacre.
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Nesta quarta-feira, 13 de março, dois jovens, Luiz Henrique de Castro, 25, e Guilherme Taucci Monteiro, 17, entraram na escola Raul Brasil em Suzano no estado de São Paulo, da qual eram ex-alunos, e mataram a tiros 8 pessoas, deixaram 11 feridos, e depois tiraram as próprias vidas. O tio de um deles, uma das vítimas, já havia sido morto minutos antes na locadora de carros onde trabalhava. Segundo informação da Folha de São Paulo, um outro ex-aluno da escola que estudou com Guilherme, um dos dois atiradores, declarou: “Ele sempre falava sobre armas e postava coisas estranhas na internet. Um dia, ele falou que repetiria o que aconteceu nos Estados Unidos.” O ex-aluno entrevistado anonimamente pela Folha refere-se ao caso da escola na cidade de Columbine, no estado do Colorado nos EUA, no dia 20 de abril de 1999. Não pretendo fazer nenhum tipo de diagnóstico ou propor qualquer solução para as causas desses acontecimentos. Mas é preciso iniciar uma reflexão e diálogo sobre isso, olhando para os EUA, onde surge esse fenômeno que se espraia pelo mundo com a globalização. Os tiros em Suzano realmente repetiram os tiros em Columbine.

Eric Harris, 18, e Dylan Klebold, 17, mataram 13 pessoas, feriram 21, trocaram tiros com a polícia e cometeram suicídio em seguida dentro da High School Columbine, escola que frequentavam. Eric e Dylan possuíam uma espingarda de cano duplo calibre 12, uma pistola semi-automática 9 milímetros e diversas bombas, mas apenas uma delas explodiu parcialmente. Especialistas disseram que se as bombas todas tivessem explodido poderiam ter condenado a estrutura do prédio da escola.

Luiz Henrique e Guilherme carregavam um revólver calibre 38, quatro carregadores, uma besta (espécie de arma medieval que dispara flechas), machados, uma caixa que aparentava ser de explosivos e garrafas montadas como coquetéis molotov. Não houve explosões, após perceberem a chegada da polícia, um deles atirou na cabeça do outro e depois se suicidou.

Este tipo de massacre seguido de suicídio é uma tragédia terrível, que se tornou típica da sociedade norte-americana nos anos 1980 e 1990, e agora chega ao Brasil com diversos e cada vez mais graves casos nos últimos anos. Michael Moore, polêmico documentarista norte-americano, realizou em 2001 o filme “Tiros em Columbine”, que mostra os detalhes daquele que foi o mais notório dos massacres escolares dos EUA, mas o coloca numa longa lista de diversos massacres a tiros de mesmo tipo, com casos de crianças pequenas com armas na mão matando colegas do primário. O filme mostra como esse fenômeno faz parte de um amplo contexto cultural, econômico e, inclusive, jurídico que permite a obtenção de armas de guerra por cidadãos sem treinamento para tal. Não existe apenas um fator que cause esse tipo de violência irracional e descontrolada. Mas Moore mostra como a sociedade norte-americana, sua história, sua cultura e suas diversas instituições públicas e privadas, criam um ambiente que gera esse tipo de comportamento.

A ruptura psicológica capaz de fazer um ser humano repudiar ou desagregar-se completamente de seus laços e contextos sociais, a ponto de planejar e executar massacres como esses, é fruto da combinação complexa e aberta de processos profundos de destruição dos sentidos agregadores da vida social. Essa sentença é longa e abstrata o suficiente para caberem todos os elementos que se debatem nas análises e polêmicas em torno do tema, dentre muitos outros, por exemplo: individualismo exacerbado, exclusão e estigmatização daqueles que não se enquadram nas expectativas sociais, exposição à banalização e estímulo da violência, aceleração dos meios de comunicação pela tecnologia, decadência da cultura pela mercantilização, decadência econômica pelo desemprego e precarização, e etc. Mais concretamente, o debate sobre isso incorpora conflituosamente subtemas como: bullying, racismo, machismo, homofobia, pobreza, transtornos psíquicos e psicológicos, acesso a armas, filmes e videogames violentos, valores familiares e coletivos sobre comportamentos sexuais e afetivos, e etc.

Em 3 de novembro desse ano completam-se 20 anos do tiroteio no Shopping Morumbi em 1999 (mesmo ano do massacre em Columbine), em São Paulo, quando um estudante de medicina entrou em uma das salas de cinema do shopping e abriu fogo contra a plateia durante sessão do filme Clube da Luta, sendo preso em seguida. Foram três mortos e quatro feridos. O caso semelhante mais recente aconteceu em dezembro de 2018, quando um homem armado invadiu a Catedral Metropolitana de Campinas durante a missa e matou cinco pessoas e, em seguida, cometeu suicídio.

Em escolas, especificamente, ao menos outros oito casos já ocorreram no Brasil. Em 2002, em Salvador, um aluno de 17 anos atirou, dentro de uma sala de aula, em duas colegas no colégio particular Sigma. Em 2003, em Taiúva, interior paulista, um ex-aluno de 18 anos invadiu armado a Escola Estadual Coronel Benedito Ortiz. Seus disparos deixaram cinco alunos, o caseiro, a zeladora e uma professora feridos, após, se suicidou.

Outra tragédia, de grande repercussão, ocorreu em 2011, em Realengo, Rio de Janeiro, na Escola Municipal Tasso da Silveira. Um homem de 23 anos, ex-aluno do colégio, com o pretexto de que iria a uma palestra, entrou no colégio e seguiu para duas classes no primeiro andar do prédio. Atirou contra os alunos que lotavam as salas de aula, deixando doze crianças mortas e treze feridas. Atingido pela polícia, o atirador se suicidou. Foi achada uma carta com dizeres desconexos, na qual ele manifestava sua determinação em se matar depois do massacre. Também em 2011, em São Caetano do Sul, São Paulo, um estudante de 10 anos atirou contra uma professora na Escola Municipal Alcina Dantas Feijão. Ele era filho de um guarda-civil municipal, atirou contra sua própria cabeça e acabou falecendo no hospital.

Em 2012, em João Pessoa, dois adolescentes, de 16 e 13 anos, foram apreendidos depois de um tiroteio na Escola Estadual Enéas Carvalho. Um deles havia disparado seis vezes, ferindo três alunos. Em 2017, em Goiânia, no colégio particular Goyases, um aluno armado de 14 anos deixou dois mortos e quatro feridos. Filho de policiais militares, tirou a arma da mochila e começou a disparar. Detido, o menino contou à Polícia Civil que se inspirou em Realengo e no massacre de Columbine. No mesmo ano, em Janaúba, Minas Gerais, dez crianças e uma professora morreram. O vigia da creche municipal Gente Inocente jogou combustível nas crianças e nele mesmo e, em seguida, ateou fogo. Em 2018, episódio mais recente em escolas, em Medianeira, próxima à Foz do Iguaçu no Paraná, um adolescente de 15 anos entrou armado no Colégio Estadual João Manuel Mondrome e feriu dois alunos.

O fato é que esse fenômeno, além de cultural, é concretamente social, político e econômico. Não haverá resolução por políticas pontuais, para um lado ou para outro. Inclusive a tendência é que medidas deletérias que, na verdade, compõe o quadro complexo de origem do fenômeno, sejam adotadas, como a ampliação do acesso a armas. O senador Major Olímpio declarou que se os professores estivessem armados isso poderia ser evitado. O deputado Eduardo Bolsonaro, também sobre o massacre em Suzano, disse que “arma faz tão mal quanto carro“, fazendo coro ao discurso do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Heleno, sobre o assunto do acesso a armas ainda ano passado.

Essas declarações de políticos que ascenderam ao poder recentemente são contrabalançadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que diante da tragédia disse o óbvio, liberar o porte de armas nesse ambiente é a barbárie. Mas é uma posição meramente defensiva. É preciso buscar a formulação (pois sequer existem propostas realistas para tal) e execução das políticas que busquem evitar esses eventos e alterar o ambiente social desagregador e destrutivo que estão gerando pessoas cada vez mais antissociais e violentas.

A questão é muito mais profunda e tem a ver com o capitalismo, o neoliberalismo e o ultra-individualismo, que transformam tudo e todos em mercadorias sem laços sociais agregadores, pelo contrário, que buscam desagregar toda forma de solidariedade e afeto entre as pessoas. Sem essa compreensão totalizante não é possível compreender esse fenômeno tão radical e violento da sociedade em que vivemos, ainda que para mudá-la parcialmente ou combater seus efeitos mais trágicos.