Na próxima quarta-feira, 04 de abril, será concluído o Habeas Corpus que busca impedir a prisão imediata do Presidente Lula (salvo se alguma das excelências tiver voo marcado ou estiver particularmente interessada na novela das 6). Com isso e tomando como base o placar de 6×5 da liminar (e que eu já antecipava em texto anterior), o texto de hoje busca desfazer muitas mistificações veiculadas nos últimos tempos:
O que diz a lei?
A Constituição Federal é clara: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Assim, salvo para quem imagine que prisão não é sinônimo de culpa, nossa lei maior veda expressamente que alguém seja preso apenas pela confirmação da condenação em segunda instância, desde que se continue recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
E isso é “cláusula pétrea”, não pode ser alterado nem mesmo por Emenda Constitucional, muito menos por uma mudança de entendimento do Judiciário (como feito em 2016).
“Ah, mas e os Estados Unidos ou a França que já prendem desde a primeira condenação?” Problema deles e das particularidades de seus respectivos sistemas. Eu até, diante de um Judiciário diferente, poderia considerar razoável que alguém cuja condenação foi confirmada por um Tribunal já fosse preso, mas fato é que enquanto continuar vigente a Constituição de 88, no Brasil, isso é vedado.
Lula fez o Supremo inteiro mudar de opinião?
Em 2016, quando pela primeira vez o Tribunal se manifestou pela prisão em 2ª instância, também julgava-se um Habeas Corpus e o placar foi 7×4 (Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Carmém Lúcia, Luiz Fux, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin x Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber).
Pouco tempo depois, quando do julgamento de Ações Declaratórias de Constitucionalidade, o balanço teve uma pequena alteração, Dias Toffoli passou a defender que deveria se aguardar ao menos a decisão do Superior Tribunal de Justiça, passando o placar para 6×5.
Ou seja, o placar esperado para conceder o HC a Lula é orgânico dentro da Corte, praticamente todos mantiveram sua posição original, considerando que Alexandre de Moraes sustenta o entendimento de seu antecessor Teori. O único a mudar de opinião foi Gilmar (pela segunda vez, já que em 2009 ele era contra a prisão antecipada, com a qual passou a concordar em 2016, mas a falar contra em 2018… pois é).
“Ah, mas Lula fez pressão em cima do Supremo Tribunal Federal para que isso fosse julgado”. Sim, com certeza. Mas não só ele. Todo o campo político hoje vê-se diante da possibilidade de perder o foro privilegiado (seja por não se reeleger, seja pela revisão que fatalmente será feita pelo Supremo).
E mais, alguém acha que a elite econômica está sentada assistindo os seus enfrentarem o risco de cadeia? Deixando de aproveitar a oportunidade de fazer valer os seus interesses e ainda botar a culpa no candidato mais popular?
A Chicana de Carmém Lúcia
Quando a mudança de entendimento se tornou clara, já no ano passado, Carmém Lúcia decidiu que simplesmente não ia pautar nenhum processo que permitisse ao Supremo enunciar o novo posicionamento.
E isso gerou um impasse, já que por outro lado, nenhum dos ministros queria assumir a dianteira e pautar o debate a contragosto da Presidente do Tribunal.
Carmém Lúcia pautou apenas quando a pressão sobre seus colegas havia chegado ao limite, quando a prisão de Lula era iminente. E mais, aceitou que fosse julgado diretamente o Habeas Corpus dele, não uma das ações que tinham caráter abstrato.
O intuito era óbvio, constranger seus pares a decidir entre a Constituição e os ânimos de grandes setores da “opinião publicada” e da “opinião compartilhada”.
E se o intuito era constranger, lá estava pronto o lavajatismo. Foram diversas as manifestações, mas é de se destacar a do Juiz Sérgio Moro, em decisão que mandou prender determinado executivo após a sua condenação pelo TRF-4, citando nominalmente cada um dos magistrados do Supremo que entendem contra essa possibilidade e praticamente rogando a eles que não desrespeitassem o legado de Teori Zavascki. “Tempos estranhos”, respondeu Marco Aurélio de Mello.
A longa discussão a respeito da “admissibilidade”
Iniciado o julgamento no dia 23, o Supremo passou a uma longa discussão se poderiam ou não julgar o Habeas Corpus de Lula?
Embora tenha sido uma tremenda quebra de expectativa aos que acompanhavam, essa discussão também teve grande importância, ao reverter outra posição equivocada e mais antiga do Tribunal: criar óbices ao cabimento de HC. Isso é extremamente positivo.
A liminar e o final do julgamento. “Lula Preso Sabe-se Lá Quando”.
No dia 23, após decidirem que poderiam julgar o HC de Lula, os ministros surpreendendo a todos passaram a discutir se não era o caso de encerrar a sessão e continuar na seguinte. Foi quando, a partir de ponderação do advogado de Lula, decidiram votar uma “liminar”, decisão provisória, para impedir que Lula fosse preso até que encerrassem a discussão.
Essa liminar foi concedida por 6×5, antecipando o que eu acredito que será o julgamento final. Confirmando-se a liminar (e a minha expectativa), Lula então não poderá ser preso por determinação do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião.
E isso resolve todos os seus problemas? Não. Ele continua condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Continua inelegível. Continua respondendo a todos os outros processos.
Mas por outro lado, a possibilidade de sua prisão fica mais distante. Nos tribunais superiores existe uma dinâmica denominada “jurisprudência defensiva”. Para tentar baixar artificialmente o número de processos, cria-se uma série de tecnicalidades disfarçadas de requisitos, com o intuito de descartar de pronto os recursos que lá chegam. Só que o efeito é o oposto quando se tem um advogado treinado nessa sistemática, entre embargos, agravos e pedidos de reconsideração, pode-se discutir apenas essas condições por muito tempo, antes de sequer se adentrar no mérito.
É o fim da Lava Jato?
Não. No que se refere a Curitiba, com praticamente o fim das investigações envolvendo a Petrobrás, os procuradores buscam novos fronts. Só esse ano já deflagram operações envolvendo Belo Monte e concessionárias de rodovias federais.
Em Brasília nem se fala, existe todo um passivo de investigações a serem conduzidas.
Mesmo o impacto que o novo entendimento pode ter em novas delações é reduzido (menor chance de ser preso, menor interesse de colaborar), uma vez que após o fracasso (para não dizer escândalo) do acordo da JBS, o interesse do Ministério Público Federal no instrumento diminuiu sensivelmente.