Senado Federal: Projeto de Lei nº 366/15 – De boas intenções o inferno está cheio

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O Plenário do Senado Federal aprovou no último dia 07 o Projeto de Lei nº 366/2015, de autoria do parlamentar Roberto Rocha (PSDB/MA), o qual promete garantir aos investigados o direito ao contraditório no curso do inquérito policial. Ótimo, pensei ao ler a notícia. Será?

Antes, uma breve digressão a respeito da sistemática do Processo Penal.

Diante de um fato possivelmente criminoso, o Estado (classicamente, a polícia) instaura uma investigação. Ignorando a Constituição e presa em 1940, a maioria do Judiciário entende que nessa fase não vigoram o contraditório e a ampla defesa. Assim, sem muita participação da defesa dos eventuais investigados, cabe ao delegado colher todos os elementos que julgar necessários para o esclarecimento dos fatos.

Mas – e isso é muito importante – as “provas” produzidas nessa fase não podem servir para condenar ninguém. Com base nelas, o Ministério Público apenas decide se tem elementos para denunciar alguém.

Caso denuncie, e o Juiz aceite (receba, no jargão), tem-se início o processo propriamente dito.  Aí sim, passam a vigorar o contraditório e da ampla defesa. E caberá a acusação provar os fatos que alega (muitas vezes repetindo o que foi feito na investigação). Ou seja, se a testemunha não repetir na sala de audiências o que disse na Delegacia, nada feito.

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Voltando ao Projeto de Lei… Imaginei que tão ambiciosa medida buscaria promover uma ampla reforma na legislação. Mas não, limita-se a incluir/alterar três dispositivos. Com isso assegura aos advogados os seguintes direitos:

1º – Ter acessos aos documentos já produzidos no curso do inquérito, desde que isso não prejudique a “eficácia das investigações”. Isso sequer é uma inovação, o Supremo Tribunal Federal tem inclusive Súmula Vinculante que traz praticamente a mesma permissão. Tão pouco inovador que, quando desejam, as autoridades já estão escoladas em ocultar documentos sob o argumento de que podem prejudicar medidas em curso.

2º – Requerer diligências. Não poderia imaginar previsão mais inócua. “Direito de Petição” é uma garantia fundamental, qualquer um sempre pode requerer qualquer coisa perante uma Autoridade Pública, que por sua vez sempre poderá… negar.

Óbvio que essas previsões não instituem contraditório em coisa alguma. Contraditório seria a defesa poder efetivamente participar dos atos. Tomar conhecimento deles sabe-se lá quando e a partir daí formular um pedido pouco importa, até porque já é assim que funciona. Há uma Lei em vigor, 13.245/13, que inclusive traz algumas previsões mais abrangentes, embora ignoradas.

Antes fosse apenas mais uma inócua media. Não é, já que a terceira alteração impõe uma severa consequência.

Hoje, como coloquei lá em cima, os elementos colhidos exclusivamente na investigação, via de regra, não servem para condenação. Mas o projeto muda isso, prevendo que eles possam ser usados desde que tenham sido produzidos sob o contraditório. Este contraditório meia-boca que o próprio projeto traz?

Apenas para ficarmos no exemplo do crime de tráfico (responsável em grande parte pelo encarceramento em massa do país), tal alteração geraria consequências dramáticas. Se hoje já basta a palavra dos policias militares que participaram da ocorrência para a condenação (o que já é precário), com a alteração eles nem precisariam ser submetidos em Juízo aos questionamentos da defesa sobre eventuais incongruências nas versões. Bastariam dizer ao juízo: “não me lembro” e pronto, usar-se-ia as declarações que eles deram na Delegacia.

É fundamental que tal projeto, ao menos na forma como está, não seja aprovado, pois embora pareça à primeira vista, de garantista ele não tem nada.