STF declara constitucionalidade da Terceirização Irrestrita

STF declara constitucionalidade da Terceirização Irrestrita getulio vargas
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Sob o argumento de respeito ao princípio constitucional da livre iniciativa, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da terceirização das atividades-fim empresariais, que até então eram consideradas as “terceirizações ilícitas” pela Súmula 331, do TST. A decisão não tem efeito sobre os processos transitados em julgado, entretanto tem aplicação imediata aos que se encontram em curso.

Mas o que afinal quer dizer “terceirização das atividades-fins empresariais”?

Na tentativa de poupá-los do “juridiquês”, significa basicamente que a partir de ontem, 30 de agosto de 2018, é possível que no Brasil, ao se examinar a folha de pagamento de uma escola, lá não figure um professor sequer, ou ainda, ao se examinar a folha de pagamento de um hospital, também nenhum médico, e assim por diante.

Ou seja, é possível que a contratação de qualquer funcionário seja feita de maneira indireta, ou ainda, de  forma triangular: empresa tomadora de serviço que contrata uma empresa prestadora de serviço, que contrata o empregado para a primeira.

E como chegamos a esse ponto?

Essa pergunta nos convida a visitar a trajetória jurídica, que perpassa a produtiva e econômica da Terceirização no Brasil que começa a ganhar maior clareza no ordenamento jurídico brasileiro no fim da década de 60[1].

Vale ressaltar que a Consolidação das Leis do Trabalho, que data de 1940, não versou à época sobre o tema. Naquela oportunidade se previra e definira apenas as figuras do empregado e do empregador em seus artigos 2º e 3º, sendo que estes figurariam em uma relação de emprego caso os critérios da pessoalidade, habitualidade, subordinação e a bilateralidade da relação jurídica fossem atendidos. Suas únicas exceções eram as previstas no artigo 455 do mesmo diploma, o qual previa as figuras da empreitada e subempreitada.

No final da década de 60 é que a ordem jurídica instituiu referência normativa mais destacada ao fenômeno da Terceirização (ainda não designado desta forma). Mesmo assim tal referência dizia respeito apenas ao segmento público (melhor definindo: segmento estatal) do mercado de trabalho – administração direta e indireta da União, Estados e Municípios. É o que se passou com o Decreto‐Lei n. 200/67 (art. 10) e Lei n. 5.645/70.

Após o Decreto‐Lei nº 200/67 adotar a terceirização no segmento estatal foi publicada a Lei 5.645/70 que disciplinava quais atividades poderiam ser terceirizadas na Administração direta e indireta, sendo que eram: “as atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas”. Sendo que o Decreto citado fora editado em plena Ditadura Militar brasileira, o que denuncia o caráter autoritário do ato.

Posteriormente foram publicadas as Leis que versavam sobre trabalho temporário (Lei 6.019/74); serviços de vigilância bancária (Lei 7.102/83); serviços de telefonia (Lei 9.472/97) e a Lei 8.863/94 que acrescentou a possibilidade de se terceirizar toda a área de vigilância patrimonial, sendo ela pública ou privada.

A partir da década de 70, com o ruir do paradigma produtivo fordista e apesar da inexistência de texto legal que permitisse e regulamentasse a terceirização, a prática já era uma realidade.

Tal fato ratifica a “coincidência” entre a crise do fordismo no capitalismo central e o nascer de um novo processo produtivo em um regime de acumulação flexível que requeria contratos mais flexíveis e que já refletia tais imperativos no capitalismo periférico. E também se expressa a submissão ou ainda, articulação (rememorando a Teoria da Regulação) da legislação, no caso do Direito, à forma econômica, que no respectivo contexto histórico-econômico se viu tendo que adequar-se às demandas do novo regime de acumulação.

Nas palavras de Ricardo Antunes: [2]

“Foi durante a década de 1980, que ocorreram os primeiros impulsos do nosso processo de reestruturação produtiva, levando as empresas a adotar, no início de modo restrito, novos padrões organizacionais e tecnológicos, novas formas de organização social do trabalho. Iniciou-se a utilização da informatização produtiva e do sistema just-in-time; germinou a produção baseada em team work, alicerçada nos programas de qualidade total, ampliando também o processo de difusão da microeletrônica. Deu-se, também, o início da implantação dos métodos denominados “participativos”, mecanismos que procuram o “envolvimento” (na verdade, a adesão e a sujeição) dos trabalhadores com os planos das empresas”. (grifo nosso)

Como é possível depreender, o processo produtivo brasileiro passa por grande transformação a partir da década de 80, a qual fora impulsionada pela competição internacional e pela imposição de “novos” processos de produção pelas transnacionais. Essa reestruturação produtiva caracterizou-se então pela busca da redução de custo pela redução da força de trabalho, despendendo um desemprego estrutural.

Entretanto havia ainda a necessidade da elevação da produtividade, que ficou a cargo então da reorganização da produção que conseguia diminuir a quantidade de trabalhadores, mas em compensação elevava a jornada de trabalho.

Em 1985 frente ao crescente número de fraudes que ocorriam no setor bancário, o TST se posiciona pela primeira vez quanto ao tema e edita a Súmula nº 293, cujo conteúdo era: “É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico”. Deste modo, passou a ser considerada atividade própria do banco o processamento de dados, entendendo-se então ilícita a terceirização do que, se entendeu por “atividade-fim”, no artigo 581, § 2º, da CLT. 

Posteriormente, em 1994, foi editada a Lei 8.949 que introduziu na CLT o parágrafo único do artigo 442 que determinava que: “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

Tal disposição ensejou uma série de fraudes que fizeram com que os números de reclamações trabalhistas disparassem e em consequência disso, buscando uniformizar a jurisprudência da Corte, o TST, em 1986, editasse a Súmula nº 256 declarando expressamente que a terceirização só seria lícita nos dois casos já previstos em lei, sob pena de se caracterizar o vínculo empregatício: “Salvo nos casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previsto nas leis 6.019 e 7.102, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando‐se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.”

A Súmula nº 331 do TST

Entretanto, tais esforços não obteram êxito e em 1993 o TST editou nova Súmula, a nº 331, que passou a abranger também a temática no campo da Administração Pública, e que até ontem, apesar de algumas mudanças desde 1993, regulamentava o instituto da terceirização no Brasil:

Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Como é possível notar, a S. 331 acrescentou às exceções passíveis de terceirização as chamadas atividades-meio das empresas, as ampliando. Sendo que tal ampliação em plenos anos 90 não foi mera coincidência, nas palavras de Marcio Pochmann:[3]

“No regime democrático iniciado em 1985, a regressão na regulação do trabalho se deu na década de 1990, com a flexibilização dos contratos impulsionada pelos governos neoliberais dos fernandos (Collor, 1990‑92, e Cardoso, 1995‑2002). O avanço na precarização nas relações de trabalho se mostrou inquestionável, com agravamento da informalidade e do desemprego”. (grifo nosso)

Ainda quanto à edição da Súmula nº 331, é claro que já a época o enunciado transcendeu os limites do Poder Judiciário ao possibilitar a terceirização também das atividades-meio sem haver previsão legal para tal.

Ao interpretarmos os artigos 2º e 3º, da CLT resta óbvio que a relação bilateral é assegurada como regra na relação de emprego. Desta forma, o recente entendimento do STF de “legalizar” a terceirização das atividades-fim foi apenas a conclusão de passos que há muito já vinham sendo dados.

Quanto aos argumentos usados pelo empresariado que defende a terceirização indiscriminada, segundo Giorgio, Lopes e Cozero [4], para legitimar o processo de terceirização utiliza-se do argumento de que esta prática diminuiria os custos da produção possibilitando que as empresas contratem mais, havendo aumento dos postos de trabalho, maior dinamismo e crescimento econômico.

Contudo, contrariamente a este ciclo, a terceirização tem consolidado um encadeamento perverso de fatores que causa desequilíbrios econômicos e sociais: a diminuição dos custos da produção se dá através dos baixos salários e da precariedade a que estes empregos estão ligados. O rebaixamento massivo dos salários dos trabalhadores desencadeará o empobrecimento da população, diminuição do consumo e redução da produtividade com impacto negativo sobre o número de empregos.

Evidente que tanto a constitucionalidade da terceirização geral e irrestrita e a proposta e aprovação da Reforma Trabalhista manifesta e ratifica toda uma trajetória econômica, produtiva e política que tem desmantelado conjuntos regulatórios nacionais e desorganizado relações de trabalho, mas que em contrapartida não tem logrado êxito no cumprimento de promessas como a de aumento de emprego e maior competitividade nacional e internacional. Afinal, tais desdobramentos que se busca na desregulamentação, são possíveis somente ao planejar e executar um complexo arranjo de políticas macroeconômicas de geração de emprego e não de maior apropriação dos patrões sobre os salários.

Ainda nesse sentido, os ataques aos marcos protetivos materializados na CLT são amostra do compromisso com um projeto de subdesenvolvimento do país e o acúmulo de capital em poder de pouquíssimos, uma vez que Vargas ao pensá-la e institui-la a colocou como elementar arcabouço jurídico de um projeto de desenvolvimento que pretendia pelo desenvolvimento da indústria, do emprego, e consequentemente do consumo incluir os trabalhadores na economia. Por muito tempo a “carteira assinada” era motivo de orgulho e e sinônimo de cidadania aos brasileiros.

Assim, no mesmo dia em que foi aprovado um aumento aos Ministros do STF que custará R$930 milhões aos cofres públicos e no mesmo ano em que Temer perdoou R$62 bilhões em dívidas, foi legalizado o golpe da terceirização contra os trabalhadores brasileiros. “Não deixa de ser um tremendo paradoxo que, no mesmo processo em que o Estado aporta recursos fabulosos para garantir as empresas, seja tolerada a restrição de direitos elementares de cidadania. Do ponto de vista econômico, o movimento é inócuo e oneroso, e, do ponto de vista ético, deplorável.”[5]

Referências

Referências
1 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2015.p. 488
2 ANTUNES, Ricardo – A nova morfologia do trabalho e as formas diferenciadas da reestruturação produtiva no Brasil dos anos 1990 Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXVII, 2014, pág. 11-2
3 POCHMANN, Márcio. A terceirização e a UBERização do trabalho no Brasil. 2016. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/08/24/aterceirizacaoeauberizacaodotrabalhonobrasil/
4 LOPES, João Gabriel; COZERO, Paula ; GIORGI, Fernanda . O que está em jogo em matéria de terceirização trabalhista no Supremo Tribunal Federal?. In: Wilson Ramos Filho; José Eymard Loguércio; Mauro de Azevedo Menezes. (Org.). Terceirização no STF: elementos do debate constitucional. 1ed. Bauru: Canal 6, 2015, v. 1, p. 13-38
5 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1001200909.htm