Terrorismo psicológico da Lava Jato atenta contra a Teoria Geral do Processo

Foto de Deltan Dallagnol com uma projeção luminosa sobre o rosto
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Depois do escândalo revelado com o preto no branco da eloquência dos fatos, a força tarefa da Lava Jato intensifica seu terrorismo psicológico na sanha neofascista de virar do avesso o estado democrático de direito. Sua manifestação de que a anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras e do Bando do Brasil, Aldemir Bendine, anula “praticamente todas” as condenações proferidas na investigação nos convida à seguinte reflexão.

Das duas uma: ou os procuradores da República de Curitiba estão reconhecendo, de forma sub-reptícia, porém, com a maior cara de pau da certeza da impunidade, que a força-tarefa se transformou mesmo num movimento partidário – aliás, conforme confessou abertamente, em entrevista na TV Globo, o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima. Ou seu espírito neofascista os convenceu, de forma psicopata, de que ministros do STF são boçais como os que seguem, como tapados, os manipuladores de robôs digitais bolsonaristas. Daí se pode entender a origem dos ataques ao STF, que nada têm a ver com um clamor espontâneo da população contra suposta corrupção de ministros.

Movimento partidário, sim, por considerar uma espécie de bloco de condenações em massa como sendo coerentes entre si, com apenas uma finalidade, tentando manipular a opinião pública para fazê-la esquecê-la de que cada caso é um caso na Justiça. Cada caso é um processo judicial e que, muitas vezes, um processo não têm nada a ver com o outro, mesmo sendo o mesmo crime. Estudantes de Direito aprendem isso na disciplina Teoria Geral do Processo, no segundo ou terceiro período da faculdade.

Mas, a maioria das pessoas não sabe disso, obviamente, e não tem obrigação de saber. As duas alternativas, ou isso ou aquilo, convergem para os interesses obscurantistas de desmonte do estado democrático pelo atual governo, mesmo numa situação de contradições, já que, em várias delas, interesses de forças que tomaram o poder central e os governos subnacionais colidem com a suposta moralização de passar o Brasil a limpo pelos heróis de Curitiba.

O problema dessa gente metida à pós-moderna, que se acha “antenada” com a “evolução do mundo”, na trajetória pretensamente civilizatória da constitucionalização de todas as áreas do Direito após a segunda guerra mundial, é não ter estudado mais sobre filosofia e ciência política, de Aristóteles a Marx, passando por Kant e Hegel e dezenas de outros da teoria política contemporânea – e outros ainda da própria área do Direito, citando, neste caso, apenas um, o pragmatista Richard Posner, juiz estaduninese que talvez ficasse horrorizado com a Lava Jato.

Certamente, ocuparam muito tempo de suas vidas lendo códigos específicos da legislação positivada e não tiveram oportunidade e/ou vontade e capacidade para desenvolver a abertura do pensamento e o exercício da abstração e reflexão. Somada a essa lacuna intelectual, há nessas pessoas a potencialidade desenvolvida em suas almas de acreditar que a felicidade só pode ser alcançada pelo bem sucedido caminho da riqueza material e da fama.

Isso, para além da questionável meritocracia de gênios que aprenderam a usar programas e aplicativos do tipo Power Point e marketing digital em seus gadgets, muito ao gosto dos moderninhos da geração neoliberal da década de 1990. O tipo que se acredita bem sucedido por aparecer até em outdoors. Mas está provado: a questão não era só vaidade, mas sim um projeto político.

Convenhamos, essa postura, ou melhor, esse comportamento transviado, vai ao gosto também dos que acham que tudo o que é importado de outros países é bom, a exemplo do instituto da delação premiada ou da tal teoria do domínio do fato, institutos corrompidos por eles em suas tentativas de plágio. Ou seja, não se corromperam somente em suas investiduras no que se refere à divisão de funções, mas corromperam também a própria teoria. Incrível a sanha que mistura audácia e engenhosidade.

Em suma, esqueceram que, por mais competente que seja o marketing, com suas sofisticadas ferramentas de convencimento, ludibrio, manipulação e persuasão, existe algo concreto fora desse marketing e da cabeça dos indivíduos, qual seja: as contradições da luta de classes que não se manifestam somente entre donos de meios de produção e proletários nas relações econômicas, mas sim também dentro do Estado, entre forças corporativas das instituições políticas e em outras arenas, como a Academia e os conglomerados midiáticos. Além das regras e leis, há vida lá fora, gente!

Esqueceram também que o Brasil é muito complexo, ainda mais em sua interdependência geopolítica do mundo globalizado. Esse pessoal quer enganar os incautos de que o problema do país é ser dividido entre corruptos e não corruptos e que não existe luta de classes, que isso seria coisa de gente com mania de conspiração. Não esqueceram, porém, de tomar o partido do desmonte nacional, da criminalização da política e do desmantelamento de nossa soberania.

Tudo isso no liquidificador do obscurantismo que eles alimentam à custa do perecimento do estado democrático de direito para transformá-lo em estado policial e fascista. Que a sociedade comece, portanto, a formar ampla frente democrática para voltar a arrumar as coisas e botar essas pessoas nos seus devidos lugares. Isso, para que a cidadania não se reduza a uma mera abstração e para minimizar também o caráter da democracia liberal e formal como ficção do tipo remédio para males sem cura.

 

Por Álvaro Miranda, Jornalista, Mestre e Doutor em Ciências, Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ, por onde também tem especialização em Análise de Políticas Públicas, além de MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas. Prestes a lançar agora em setembro seu quinto livro de poesia, “Estranho país que teus olhos já não procuram mais”, pela 7Letras.

 

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