Tirania ou Magistocracia?

Por Christian Lynch - O dilema político na luta entre Bolsonaro e o STF lembra aquela do absolutismo monárquico contra a nobreza togada francesa do século 18, que defendia a "constituição" que lhe garantia os privilégios.
Botão Siga o Disparada no Google News

Por Christian Lynch – O dilema político na luta entre Bolsonaro e o STF lembra aquela do absolutismo monárquico contra a nobreza togada francesa do século 18, que defendia a “constituição” que lhe garantia os privilégios.

Hoje temos no Brasil a luta entre um populista reacionário, aspirante a ditador, e a resistência, em nome do atual Estado de Direito, por parte da “magistocracia” do STF.

Montesquieu (ele mesmo “magistocrata”) defendia a tese (aristocrática) de que a liberdade pública dependia de preservar a aristocracia como estamento. Na sua teoria, eram os privilégios dela que serviam de obstáculos ao autoritarismo do monarca.

É como a alta magistratura brasileira pensa sua própria condição.

Até quando estaremos condenados a torcer por uma terceira posição (Estado de direito “republicano” e “democrático”), que não se coloca, porém, jamais como opção?

Até quando estaremos condenados a escolher entre a opção menos pior?

É o que eu não sei.

*

Um avanço em matéria de retrocesso?

Nao há democracia, por mais consolidada, à prova de crise sistêmica de legitimidade. Essas crises são periódicas. Se a democracia já se enraizou minimamente, quando essa crise chega, já não há mais espaço para rupturas, revoluções, golpes formais, que rasguem a constituição.

O “jogo duro constitucional” é o golpismo possível nos tempos de consolidação democrática. Despreza os precedentes e a jurisprudência criados quando da rotina democrática, para se apegar à interpretação formalista da lei. Estranho ” avanço” nos novos tempos de retrocesso.

O “jogo duro constitucional” pode ser qualificado como um abuso de poder, fundado num abuso de interpretação puramente formalista do que seja legalidade.

Então, Trump pode “legalmente” não reconhecer resultados eleitorais, alegar fraude sem provas, pressionar assembleias legislativas para ignorar a votação e indicar elas mesmas os delegados do colégio eleitoral, ausentar-se da posse do sucessor etc. Mas não pode continuar no poder. Da mesma forma, Bolsonaro é obrigado a nomear PGR e reitores em listas tríplices, mas pode ignorar trinta anos de tradição de nomear o mais votado, etc.

Assim como as constituições democráticas modernas buscaram impedir o golpe através de determinações legais, provavelmente as futuras deverão incluir também algum mecanismo de respeito a práticas informalmente instituídas, ou seja, pelo tempo.

Por: Christian Lynch.