O Voto de Rosa Weber e o poema À Espera dos Bárbaros

A ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, votou contra a execução provisória da pena em segunda instância, e ao final do seu voto recitou o poema À Espera dos Bárbaros, do poeta grego Konstantinos Kaváfis:

A ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, votou contra a execução provisória da pena em segunda instância, e ao final do seu voto recitou o poema À Espera dos Bárbaros, do poeta grego Konstantinos Kaváfis:

“O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
(…)
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápidos as ruas se esvaziam
E todos voltam para casa preocupados?
Porque já é noite, os bárbaros não vêm
E gente recém-chegada das fronteiras
Diz que não há mais bárbaros
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! Eles eram uma solução.”

Na mesma direção, o romance À Espera dos Bárbaros, de 1980, do escritor sul-africano J.M Coetzee, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2003, possui como enredo inicial, um lugarejo fronteiriço situado na província de um certo Império. A aparente tranquilidade daquela sociedade é contrastada com o medo perene e difuso da ameaça bárbara, ainda que não se saiba nada de concreto sobre sua quantidade, localização ou forma de organização, apenas supõe-se que vivem do outro lado da fronteira e planejam destruir o Império.

A história é narrada em primeira pessoa por um magistrado, de quem não se revela o nome, a única autoridade civil e militar da sociedade fronteiriça que exerce modorramente a função de aplicar sentenças com modernos princípios humanistas e recolher impostos. Até que um dia, chega a capital um misterioso Coronel que afirma possuir informações sobre uma possível invasão bárbara, e com plenos poderes, concedido por ordens superiores para proceder investigações ao seu alvedrio para obter a Verdade e acabar com o suposto movimento de sedição, desde torturas físicas à prisioneiros e prisões arbitrárias.

Caro leitor, a história do Direito Penal é marcada pela fabricação do “folk devil” – demônio popular – gerador do pânico moral na sociedade, e sempre acompanhado pela retórica alarmista e argumentos ad terrorem. Há muito se sabe sobre a vantagem retórica da fabricação de inimigos ou demônios populares, a ponto do teórico nazista Carl Schmitt o considerar a essência da política.

O pânico moral da “espera dos bárbaros” é fundamental na montagem de um Estado Policial. Terroristas, traficantes de drogas, corruptos, comunistas, estupradores, assassinos, imigrantes… A “ameaça bárbara” de ontem e de hoje, um simbólico mal, indeterminado em sua extensão e em suas formas, mas ubíquo é a ferramenta discursiva para manipular as massas e legitimar “o retorno do tacão”: A tortura, a admissão de prova ilícita no processo penal, as prisões ilegais, a execução provisória de pena sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a busca da “Verdade Real” metafísica e inquisitorial, à legitimar, portanto, a supressão dos direitos e garantias fundamentais asseguradas na Constituição da República para proteger do abuso institucional, do arbítrio e da violência estatal, os membros dessa mesma sociedade.

O ministro Luiz Fux, em seu voto pela manutenção da inconstitucional e ilegal execução provisória da pena em segunda instância, afirmou que “essa viragem de entendimento trará danos incomensuráveis a sociedade brasileira”, evocando demônios populares, e utilizando-se da dramatização de crimes aberrantes, inteiramente sedimentados no inconsciente social, para produzir o pânico moral na sociedade.
Já o ministro Luiz Roberto Barroso, utilizou-se de dados falsos para relativizar cláusula pétrea do texto constitucional que nos garante o direito humano fundamental a presunção de inocência. As Fake News de Barroso serviram à construção de uma narrativa repleta de significantes vazios como “impunidade”, o significante que tudo justifica, de intenções também alarmistas, digna de uma distopia camusiana, como em seu conto “A Peste”.

O medo é irracional e por isso, a emoção mais fácil de se manipular. Barroso em seu voto, utilizou-se da lógica da peste, isto é, a lógica de manter a sociedade em imanente estado de medo, à espera dos bárbaros. É essa espera que nos conduz ao terrorismo de Estado com a relativização de direitos fundamentais indisponíveis e de obrigatória observância pelos representantes estatais. O medo é o genitor do desejo por submissão a uma “mão forte” que conduz os membros de uma sociedade a abrir mão de suas liberdades e cidadania.
Na mesma esteira alarmista, o ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, através de seu twitter, pretendeu intimidar pela segunda vez, ministros do Supremo Tribunal Federal, ameaçando que haveria uma possível convulsão social, caso fosse cumprida a regra constitucional.

É por isso, que o medo é o substrato sob o qual se erguem as ditaduras e tiranias de todos os matizes. O medo nos conduz, inexoravelmente, a barbárie.

Nem esperando os bárbaros e nem “Esperando Godot”. Não há existência possível fora do rigoroso, intransigível e intransponível respeito aos direitos individuais fundamentais assegurados na Constituição Cidadã de 1988. Não aceitemos viver sob o tacão autoritário e não sacrifiquemos a “ídolos” o arbítrio sobre as nossas liberdades.

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