O que significa alocar 44% do orçamento em despesas financeiras?

NELSON MARCONI O que significa alocar 44% do orçamento em despesas financeiras
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Imagine que você está usando o limite de seu cheque especial neste mês porque suas despesas são maiores que o seu salário. Daí, no próximo mês, quando você recebe o salário, cobre o limite do cheque especial que utilizou mas, infelizmente, não tem como reduzir as suas despesas usuais e usa novamente o limite do cheque especial. E você não consegue mais fugir dessa rotina indesejável: usa o limite do cheque especial, recebe o salário e cobre o saldo negativo, e começa a usar o limite novamente. O uso constante desse cheque especial te cria mais uma despesa – os juros sobre o uso dele. Se você não consegue deixar de usar o limite, essa despesa com juros fica cada vez maior. A conta de juros cresce e o saldo fica cada vez mais negativo. Mesmo que você reduza suas despesas usuais, sua despesa com juros já é tão grande que você não consegue mais deixar de usar o limite do cheque especial. Aliás, você vai ao gerente e pede para aumentar o seu limite, e assim sua dívida com o banco também se eleva.

Alguns de nós já passaram, ou vêm passando por isso, infelizmente, e entendem bem o que estou falando. Você está, neste momento, literalmente “rolando”, e também aumentando, a sua dívida com o banco. Essa renovação mensal do limite do cheque especial é um novo empréstimo que o banco lhe concede, no valor de seu limite que, como disse, você pode até pedir para que seja ampliado. Você amortiza o valor que usou no mês anterior para poder continuar utilizando o limite – você “rola” a dívida.

Eu não gosto de fazer a analogia entre a família e o setor público, porque são entes absolutamente distintos, mas neste caso é a forma mais fácil de explicar o que acontece com as despesas financeiras do setor público. Somando o que o governo destina para amortizar sua dívida, incluindo a rolagem que é feita através da emissão de novos títulos púbicos, e a despesa com juros, o montante chegou a 44% na Lei Orçamentária da União de 2019. É desse número que Ciro Gomes fala quando explicita o valor das despesas financeiras do setor público. Sim, o governo não desembolsa esse valor diretamente de seu caixa, assim como você quando rola o seu cheque especial também não, mas apenas a despesa com juros. E aí vem muito economista e chia. Mas quando você renova o seu limite no cheque especial, o banco “cobre” o valor que você utilizou de seu limite no período anterior.

Fazendo a analogia, o governo também não tira dinheiro do caixa quando rola a dívida; mas ele precisa emitir novos títulos para continuar financiando sua dívida. E essa dívida cresce cada vez mais. É a chamada rolagem da dívida. Torna-se um valor gigantesco. Tão gigantesco que em 2019, junto com o pagamento de juros e do principal da dívida, correspondeu a 44% Orçamento Federal. Sim, do outro lado entram como receita os títulos que o governo emite para rolar essa dívida. Mas esses títulos nada mais são que nova dívida, que será crescente, porque os juros que o governo paga são crescentes neste cenário, e vai gerar mais despesas com juros no futuro (essa sim sai diretamente do caixa do Tesouro). Tudo isso faz, ao final, que a dívida pública seja cada vez maior. Esse é o problema.

É dessa ciranda imensa, desses 44%, que inclui amortização, rolagem e pagamento de juros, que Ciro Gomes fala e quer alertar a todos. Se isso não ficar claro para a sociedade, as pessoas também não entenderão o tamanho do problema financeiro do setor público. Isso é uma tragédia para o país. É fundamental alertar que enquanto não saímos dessa ciranda o país não voltará a crescer de forma consistente. Seria bom que todos vissem esses “44%” como um real problema para a retomada de nosso desenvolvimento.

  1. O artigo acaba “de repente”. Quando estava lendo fiquei rolando tela prá procurar o final. Sugiro que o autor complete com alguma sugestão do que se está discutindo como possibilidade real para resolver o problema ou o que outros países em situação idêntica fizeram ou não para sair ou não da crise. Mas o que está escritoestá bem claro. parabéns ao autor.

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