O desenvolvimentismo de Afonso Pena e o PIB de 13,4%

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É função da história trazer para superfície aquilo que o tempo já enterrou. Mesmo que as transformações temporais nos impeçam de fazer comparações diretas e literais entre o passado e o presente, entender como nossos antepassados conviveram e superaram seus problemas pode nos alertar sobre previsíveis erros contemporâneos.

Estamos presenciando a centralização do debate político e econômico nos 30 anos mais recentes de nossa história. Como se tudo começasse pós-ditadura. Isso é uma estratégia bem-sucedida de quem quer demonizar a política e apresentar soluções superficiais e parciais para a crise econômica. Mas quando a gente amplia o olhar para o passado, encontramos brasileiros que defenderam os interesses nacionais e projetaram o desenvolvimento com práticas políticas decisivas. É na busca dessas referências inspiradoras que devemos falar do quase esquecido presidente Afonso Pena.

A historiografia mais acessível da República Velha (sites e livros didáticos) costuma simplificar os governos do período ao processo produtivo do café. Portanto, muito embora realmente não seja possível dissociar nossa primeira república dos lucros do café, as decisões sobre como administrar esse lucro eram personificadas as predileções ideológicas de cada presidente do período.

Engana-se quem pensa que nesse período ainda não existia especulação de banqueiros, desvalorização da moeda e governantes comprometidos apenas com os lucros do mercado financeiro. Para se ter uma noção, 87% do café exportado no Brasil era feito por investidores estrangeiros. O país já tinha dívida interna com os bancos e externa, sobretudo com os Rothschild.

Os produtores nacionais de café já enfrentavam a concorrência da pressão estrangeira. E tal qual nos nossos tempos, se debatia também qual deveria ser a postura do Estado na economia, que se dividia entre optar por ser mais liberal ou uma mais intervencionista.
Afonso Pena assumiu o governo em 1906. Seu antecessor Rodrigues Alves era defensor de uma menor participação do Estado. Acreditava que a continuidade da austeridade de Campos Sales era o caminho para conter o endividamento interno. Pegou o país com um PIB crescente em 7,0%, no boom da borracha.

Os investidores estrangeiros, empolgados com os altos lucro que o café brasileiro rendia, incentivaram o aumento da produção para revendê-lo ao mercado europeu. Estimulados, os cafeicultores ampliaram o cultivo e a consequência foi um excedente sem mercado e a natural derrubada dos preços. Totalmente dependente do café, o Brasil viveu um grave período de depressão econômica.

Os cafeicultores clamaram por uma intervenção do Estado, mas o presidente Rodrigues Alves, sentado em seus conceitos liberais e de mãos dadas com os Rothschild, assistiu de camarote o café depreciar e o PIB ser reduzido a medíocres 0,5% por dois anos consecutivos. Sentindo-se traídos por Rodrigues Alves, os políticos apoiaram o mineiro e não cafeicultor Afonso Pena para quebrar o ciclo de paulistas no poder.

Diferentemente de Rodrigues Alves, o sucessor Pena era defensor de um Estado mais participativo. Valeu-se de seu forte coeficiente eleitoral (97% dos votos) montou uma equipe técnica, porém com pessoas desconhecidas do meio político. Incomodados por terem sido excluídos da composição ministerial mesmo após ter apoiado sua candidatura, os políticos tradicionais apelidaram o grupo de Afonso Pena de turma do “jardim de infância”.

É nesse momento que Alfonso Pena mostra habilidade política. Entendeu que, naquele contexto, não existia Brasil sem café e, consequentemente, sem os cafeicultores. Com isso, optou por aceitar o acordo elaborado pelos cafeicultores, o conhecido Convênio de Taubaté. Esse Convênio garantia a compra do excedente produtivo pelo próprio governo. Liberais protestaram alegando que essa intervenção expulsaria os investidores, nesse caso, leia os Rothschild, e levaria o país para um endividamento sem precedentes.

Entretanto, Afonso Pena estava decidido. Alheio a pressão do mercado financeiro, decidiu controlar o preço das sacas de café não com cortes e congelamento, mas investindo no produto. Ao comprar o café dos produtores pelo Convênio, Afonso Pena reduziu a oferta do produto no mercado internacional e consequentemente elevou a demanda. Os preços que naturalmente abaixaram na superprodução, agora seguiram o caminho inverso. Com isso, o PIB brasileiro alcança a impressionante marca de 13,4% de crescimento.

A decisão acertada de Afonso Pena de estabelecer uma política econômica em concordância com as características regionais do Brasil, não só foi boa para os cafeicultores, como deu ao país o conforto necessário para investir em uma outra área econômica: a industrialização. Afonso Pena fez ferrovias, terminais portuários, estradas e o Brasil atraente viveu um surto industrial.

No censo realizado em 1907, foram levantadas no país cerca de 3.258 empresas, empregando mais de 150.841 operários. Não seria exagerado dizer que esse ciclo industrial é uma espécie de proto-trabalhismo brasileiro. Pois foi o despertar de um movimento operário que ensaiava as primeiras reivindicações e greves. O desenvolvimento continuou em direção a região norte, o trabalho virtuoso nacionalismo do Marechal Cândido Rondon que além de descobrir novos rios e nascentes em uma incursão a Rondônia, criou a conexão telegráfica Cuiabá-Amazônia.

Afonso Pena costumava dizer durante a campanha que governar é povoar. Todavia, foi na contramão do discurso dos investidores, desafiando as expectativas de mercado, com coragem na sua política moderadora e estratégica, que Afonso Pena deve ter aprendido que além povoar, governar é bem escolher a quem servir.

Por Borges Lima