Senadores querem autonomia do Banco Central, mas sem duplo mandato…

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A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal aprovou o projeto de autonomia do Banco Central. O relatório da CAE já tinha sido aprovado em novembro de 2019, mas voltou com emenda do Plenário. Basicamente o projeto define um mandato fixo de 4 anos com uma recondução para o presidente do Banco Central que deve ser iniciado na metade do mandato do Presidente da República, e institucionaliza em lei as metas de inflação, que hoje estão impostas por um decreto presidencial de 1999. A emenda adiciona dois objetivos “secundários” à estabilidade monetária: “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e zelar pela solidez e eficiência do Sistema Financeiro Nacional”.

A autonomia do Banco Central é exigência antiga dos bancos e do mercado financeiro. Ela visa insular a gestão da política monetária e cambial e a regulação do sistema financeiro nacional do poder político, ou seja, da soberania do voto popular. Na prática isso já ocorre no Brasil. Apesar de formalmente o Presidente da República nomear e o Senado aprovar, quem indica o presidente do Banco Central é o cartel dos poucos bancos brasileiros. No Brasil, 5 bancos controlam 82% dos ativos financeiros[1].

Essa formalização da autonomia, portanto, busca institucionalizar as metas de inflação como único objetivo e dificultar a alteração das políticas do Banco Central de acordo com objetivos econômicos como emprego, crescimento e desenvolvimento. A justificativa, como sempre, é a estabilidade monetária, e a cópia de instituições estrangeiras, notadamente dos EUA, meca ideológica (mas não prática) do liberalismo econômico.

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No entanto, nem mesmo ao copiar os EUA, os liberais brasileiros conseguem ser coerentes. De fato, o Federal Reserve System (FED), o Banco Central dos EUA, tem autonomia formal. No entanto, com mandato duplo! Estabilidade monetária e pleno emprego! Ou seja, o FED não pode buscar a estabilidade monetária a qualquer custo. O valor da moeda deve ser estável em um determinado nível adequado ao pleno emprego. Esse mandato duplo do FED, inclusive, é bastante detalhado no Federal Reserve Act, estabelecendo objetivos de longo prazo para o crédito, as taxas de juros e de inflação de acordo com o crescimento da produção e da manutenção do “emprego máximo”:

The Board of Governors of the Federal Reserve System and the Federal Open Market Committee shall maintain long run growth of the monetary and credit aggregates commensurate with the economy’s long run potential to increase production, so as to promote effectively the goals of maximum employment, stable prices, and moderate long-term interest rates[2]

Desse modo, copiar a autonomia do Banco Central dos EUA para a autoridade monetária do Brasil sem atribuir o duplo mandato da instituição norte-americana, é uma cópia mal-feita que visa retirar a soberania popular e constitucional sobre uma parte tão fundamental da política econômica do Estado brasileiro. Na verdade, a autonomia do Banco Central, como se encaminha para aprovação no Senado Federal, visa garantir a soberania de uma tecnocracia dos bancos sobre a política monetária e cambial, além da regulação sobre o próprio setor.

A definição de “objetivos subsidiários” é uma manobra retórica para garantir apoio de senadores da oposição com eufemismos do tipo “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e zelar pela solidez e eficiência do Sistema Financeiro Nacional”. Não diz nada sobre pleno emprego ou desenvolvimento, e submete esses supostos “objetivos subsidiários” às metas de inflação definidas nos salões das avenidas Faria Lima e Berrini em São Paulo e Wall Street em Nova York.

Como informa o próprio site do Senado, o projeto tem apoio de senadores petistas como Rogério Carvalho (SE) e Jean Paul Prates (RN), e oposição de senadores do famigerado “centrão” como Eduardo Braga do MDB (AM) que apresentou outro emenda que estabelecia o duplo mandato para o Banco Central. A emenda do senador emedebista foi rejeitada, e o projeto proposto pelo tucano Tasso Jereissati (CE) de relatoria do oposicionista Telmário Mota do PROS (RR) aprovado…

Se aprovado nos plenários das duas casas do Congresso Nacional, como provavelmente será, o Brasil institucionalizará em lei as metas de inflação criadas por Armínio Fraga em 1999 enquanto presidente do Banco Central do governo de FHC. Um decreto presidencial, que poderia ser alterado em qualquer tempo pelo Presidente da República, tornar-se-á lei e garantirá o controle da moeda nacional pela tecnocracia do mercado financeiro sem qualquer obrigação de adequar a política monetária e cambial ao desenvolvimento nacional.

[1] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária. 2017.

[2] FEDERAL RESERVE ACT. Section 2A. Monetary policy objectives: “O Conselho de Governadores do FED e do Federal Open Market Committee (FOMC) manterão o crescimento de longo prazo dos agregados monetários e de crédito proporcionais ao potencial de longo prazo da economia para aumentar a produção, de modo a promover efetivamente as metas de emprego máximo e preços estáveis e moderadas taxas de juros de longo prazo”.