Não faz sentido financiar o auxílio emergencial em dólar

Não faz sentido financiar o auxílio emergencial em dólares
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Por que não faz sentido financiar o auxílio emergencial com empréstimos em US$ e reservas cambiais?

Empréstimos externos trocam dívida em R$ por US$, venda de reservas aumenta a dívida líquida. Seguir nessa direção aumenta a vulnerabilidade externa e é receita pra crises.

Nos últimos anos, o país usou recursos externos de instituições multilaterais em pequena escala para financiar projetos específicos, principalmente de estados e municípios, em as áreas como infraestrutura, transporte, energia. Isso pode fazer sentido já que instituições como o BID e o Banco Mundial não apenas financiam mas oferecem todo um pacote de conhecimento técnico, ajudam a desenhar projetos e políticas públicas específicas, avaliam impacto ambiental, viabilidade econômica, etc.

Mas tomar recursos externo para financiar o auxílio emergencial e programas prontos como o Bolsa Família, não faz nenhum sentido.

Uma possível justificativa do governo é que os juros externos estão mais baixos e que é necessário diversificar fontes de financiamento, o que também faz zero sentido. O governo não deve ser guiado por uma lógica privada de alocação de carteira.

Depois, os juros lá fora estão mais baixos, mas a o risco cambial é nosso.

(Se os juros longos aqui estão altos, é melhor pos-fixar a dívida do que dolarizar.)

O empréstimo é em US$ e o governo vai gastar em R$. Esse gasto vai aumentar a base monetária e, ceteris paribus, gerar uma operação de venda de compromissadas pelo Banco Central, o que aumenta a dívida. No final, aumentam as reservas, a dívida interna e a dívida externa.

Mas o governo pode vender esses dólares no mercado e usar R$ para gastar. Aí temos uma troca de dívida interna por externa.

Já o financiamento do gasto pela venda de reservas cambiais funcionaria de forma parecida, mas a divida bruta fica estável e aumenta a divida líquida.

Na prática, o governo já tem vendido reservas cambiais, não para financiar gastos, mas para reduzir dívida bruta. Já foram mais de US$ 40 bilhões vendidos em menos de um ano.

O mais grave é a combinação de políticas de venda de reservas cambiais com políticas de endividamento externo. Isso aumenta a vulnerabilidade externa e é receita conhecida para tragédia.

Já temos problemas suficientes. Não precisamos flertar com velhos problemas.

Por fim, esses empréstimos parecem mais uma tentativa de reforçar a retórica falsa de que não tem dinheiro para gastos sociais e de que é necessário buscar fontes patrimoniais e até fontes externas para financiar o gasto social diante da pandemia. Mentira, tem dinheiro.

OBS: Os empréstimos podem vir junto com uma “cooperação técnica” das instituições multilaterais para gestão da dívida e dos gastos, o que pode dar mais legitimidade para o discurso pró-austeridade.

Por Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp

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