Capital se faz em casa: em memória de Barbosa Lima

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Quando saiu a notícia de que o leilão do estoque virtualmente infinito de riqueza depositado na camada pré-sal do mar brasileiro tinha fracassado, no dia 6 de novembro, eu e muitos brasileiros que não aceitam este absurdo ficamos felizes. Sabemos que tudo ainda pode mudar, porque as elites que desejam subjugar nosso esforço econômico aos interesses alheios é esperta e não desiste. Mas foi uma vitória momentânea muito importante! Especialmente considerando-se o contexto adverso.

A miséria do nosso tempo é que hoje quem tem menos de 50 anos já cresceu num Brasil atacado por todos os lados. Choque de juros na nossa dívida externa, crise da hiperinflação, aumento significativo da pobreza e da desigualdade, rifa de estatais e empresas nacionais para adoçar a boca do capital financeiro, privatizações sem critério, choques de juros, ancoragem cambial desindustrializante, superávits primários recessivos, redução permanente do Estado em todas as suas funções sociais e econômicas, hegemonia financista da política e da mídia, social-liberalismo ilusionista, dois impeachments, tomada de assalto do poder judiciário, extrema direita ultraliberal em conluio antinacional.

Esta é a crônica da vida pública de quem nasceu em 1977, como eu. Só vi ataques ao Brasil, de dentro e de fora. Me pergunto como conseguimos sobreviver e chegar aqui.

Resistência nacional

Por isso o fracasso inegável do criminoso leilão da riqueza virtualmente infinita que é de todos nós, no dia 6 de novembro, me levou a algum lugar entre 1993 e 94, quando, em uma noite na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, foi lançado um movimento chamado Modecon – Movimento em Defesa da Economia Nacional.

Militante adolescente engajado na Juventude Socialista do PDT, e vestido com o uniforme do tradicional Colégio Pedro II onde estudava, compareci ao evento com meus companheiros de organização. Havíamos redigido um panfleto em que nos posicionávamos, tínhamos um número limitado de fotocópias e decidimos (eu e minha amiga Elza Duarte) que antes de iniciar a cerimônia entregaríamos uma cópia a cada uma das lideranças que falariam ao salão lotado. Subimos ao palco da ABI sem muita vergonha, ela de um lado e eu de outro da extensa mesa. Fomos entregando os panfletos, sucessivamente, a personalidades várias. Confesso que o nervosismo era tamanho que só me lembro do último panfleto que entreguei, no centro da mesa.

Era Barbosa Lima Sobrinho, então presidente da ABI. Só então levantei a cabeça e, vendo que era a ele que entregava um papel, estendi a mão para cumprimentá-lo. Ele apertou minha mão, sorriu, e eu desci.

Nascia o Modecon, gênese e ao mesmo tempo fruto de uma resistência nacional que vinha de longe e jamais morreu.

Décadas depois

A alvissareira notícia de que tudo deu errado para os entreguistas neste novembro me fez recordar Barbosa Lima Sobrinho e aquele dia no Rio de Janeiro. Mas mais do que isso, me fez pensar que dentre suas várias obras de cunho nacionalista e desenvolvimentista, há uma que deveria ser lição de casa para qualquer brasileiro preocupado em desfazer o colonialismo histórico sobre o Brasil.

 

Se trata de “JAPÃO: O capital se faz em casa”, em que Barbosa estudou o processo de desenvolvimento japonês, a partir da decisão histórica em se privilegiar a posse e o uso dos recursos nacionais para formar poupança interna e gerar ciclos produtivos que vieram a produzir o Japão desenvolvido que hoje tem o padrão de vida que todos conhecemos.

A leitura deste elo perdido na literatura do desenvolvimento deveria ser popularizada novamente. E Barbosa Lima Sobrinho, grande nacionalista brasileiro que compreendia a justa necessidade de que o Brasil use seus recursos para benefício de seu próprio povo, deve ter sua memória celebrada neste momento em que uma vitória momentânea, porém significativa, acontece em meio a um dos contextos mais adversos da história.

Não será desfazendo a obra industrial nacional, e muito menos jogando ao lixo a riqueza virtualmente infinita que detemos, que vamos a qualquer bom lugar. Ao contrário, como ensina a história do Japão e de qualquer outro país em que se tenha vencido a pré-história econômica e social, é apenas com a posse digna e altiva dos recursos naturais, humanos e tecnológicos que se produz um futuro digno e altivo para o povo de um país.