Li um parecer sobre minha dissertação de mestrado que elogia minha crítica ao que chamo de “marxismo modernizante”. Isso me lembrou que depois da dissertação, eu não parei para desenvolver essa reflexão. É algo que devo fazer em breve.
Um trecho onde eu comento o tema na dissertação:
“Embora com essa reavaliação crítica tardia, Coutinho nunca rompeu com as teses fundamentais desse grupo. Que teses são essas? Podemos apontar fundamentalmente três: a) a dependência é um fator a mais ou um “fator externo” na determinação da dinâmica capitalista brasileira e latino-americana. O “nível” de dependência e sua forma sujeitam-se diretamente aos enfrentamentos políticos momentâneos, o que significa dizer que não há “limites estruturais” para “modernizações” capitalistas na periferia ; b) as formas de exploração da classe trabalhadora na periferia tendem cada vez mais a centrar-se no mais-valor relativo e na produtividade do trabalho de acordo com o próprio nível de desenvolvimento capitalista alcançado; c) as formas “autoritárias” do Estado e da política na América Latina tem seu fundamento na própria política, não havendo qualquer razão histórico-estrutural para, usando a linguagem coutiniana, existir uma permanência indelével de dominação sem hegemonia (BAMBIRRA, 2014; MARINI, 2011; OURIQUES, 2014; OSÓRIO, 2014).
Todos esses elementos estão presentes na obra de Coutinho e mesmo que politicamente ele tenha tomado um caminho bem diferente de José Serra, FHC ou Guido Mantega, as consequências teóricas são inegáveis. Podemos trabalhar com dois exemplos. Em O capitalismo monopolista… Coutinho chama o pensamento de Ruy Mauro e Gunder Frank de “catastrofistas e neoluxemburguistas”, afirmando que esses autores defendem que a superexploração (no sentido compreendido por Coutinho, como já vimos) é estrutural do capitalismo dependente e leva à estagnação. Citando FHC, em nota de rodapé, coloca um trecho que afirma que a dinâmica de acumulação capitalista, no Brasil, está centrada no mais-valor relativo e aumento da composição orgânica do capital (COUTINHO, 1980, p.114).
No ensaio sobre Caio Prado Jr. critica o marxista paulista por uma suposta aproximação com o que chama de “teóricos do desenvolvimento do subdesenvolvimento”, como André Gunder Frank e Ruy Mauro Marini, taxando-os, novamente de “ultraesquerda” e afirmando que os dois pensadores defendiam “socialismo já” ou “ditadura fascista com estagnação econômica” (COUTINHO, 2011, p. 219). Coutinho, nos dois casos, comente um erro primário: cita uma suposta teorização de Gunder Frank sem ter qualquer livro dele na bibliografia das duas publicações (o que indica que o filósofo baiano não conhecia a obra do autor diretamente), desconhece o básico da obra de Marini (como atesta, de novo, a bibliografia referenciada nos textos em questão), reproduz o mito de que esses dois pensadores defendiam que o capitalismo subdesenvolvido estava condenado à estagnação econômica, demonstra ignorar completamente o conceito de superexploração da força de trabalho na obra de Marini e presta um tributo, ainda que sem citar, ao livro do cebrapiano Guido Mantega, “A economia política brasileira” .
Por causa dessa adesão à economia política do “marxismo modernizante”, Coutinho nunca pôde fornecer uma explicação rigorosa dos porquês da reprodução sempre ampliada do prussianismo ou, como passou a dizer com mais frequência a partir dos anos 90, quais os motivos do Brasil “ser o país por excelência da revolução passiva”. Sem uma teoria das formas particulares de extração de sobretrabalho na periferia latino-americana, e no Brasil em particular, mantendo a equivocada noção do “marxismo modernizante” que campeava no país o predomínio das mesmas formas de extração de sobretrabalho dos países centrais, considerou os índices de desigualdade social, pobreza, miséria e “exclusão” consequências de processos “apenas” políticos sempre reatualizados – as vitórias do “prussianismo” sobre o nacional-popular”.”