A desigualdade dentro do próprio mercado de trabalho

Entre a construção da civilização ou a barbárie
Operários. de Tarsila do Amaral
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Os indicadores do mercado de trabalho, do ponto de vista conjuntural, deixam em evidência a situação grave dos trabalhadores: a) crescimento da taxa de desocupação; b) queda no nível de ocupação para nível recorde; c) crescimento de forma estrutural da taxa de subutilização; d) crescimento da taxa de desalento; e) queda da massa de rendimento real dos trabalhadores.

Além dessas problemáticas, outro ponto relevante é a desigualdade dentro do mercado de trabalho: desigualdade de sexo e cor ou raça.

Por exemplo, no 1º trimestre de 2020, a taxa de desocupação era de 12,2%, enquanto para homens era de 10,4% e para mulheres era de 14,5%. Ou seja, para as mulheres, a taxa de desocupação era maior do que a média nacional.

Fonte: IBGE/Sidra

Quando levada em consideração a taxa de desemprego por raça ou cor, no 1º trimestre de 2020, a taxa de desemprego entre os brasileiros que se declaram brancos foi de 9,8%, e permaneceu significativamente abaixo da taxa de desocupação dos autodeclarados pretos, de 15,2%, e pardos, de 14,0%. Percebam que a taxa de desocupação de pessoas autodeclaradas pretas ou pardas está acima da taxa média, enquanto das pessoas brancas abaixo.

Fonte: IBGE/Sidra

As desigualdades na taxa de desocupação entre homens e mulheres se refletem também na desigualdade de rendimento médio nominal. Homens têm um rendimento médio nominal de R$ 2.574 e as mulheres R$ 1.995. Mais uma vez, os homens apresentam uma renda média nominal acima da renda média nominal nacional e as mulheres uma renda abaixo da renda média nacional.

Fonte: IBGE/Sidra

A situação da diferença de renda está presente também quando analisamos o rendimento médio nominal por cor ou raça. Pessoas brancas ganham R$ 3.020, pessoas pretas R$ 1.699 e pessoas pardas R$ 1.726. Além da diferença da renda entre cor ou raça, pessoas brancas ganham acima da média nacional, e pessoas pretas e pardas ganham abaixo da renda média nacional.

Fonte: IBGE/Sidra

Essa desigualdade é estrutural e não apenas conjuntural. É isso que iremos ver nos indicadores sociais de 2019 do IBGE, com dados de 2018.

O primeiro indicador preocupante é que a taxa de desocupação entre os jovens (14 a 29 anos) é sempre mais alta e com tendência de crescimento nos últimos anos. Como podemos ver no gráfico, a taxa de desemprego entre os jovens gira em torno de 23%.

A segunda característica estrutural do mercado de trabalho que pode ser agravada com a crise atual é a taxa de desocupação por sexo. Como podemos observar no gráfico, a taxa de desemprego para as mulheres é mais elevada no total, e em algumas intervalos de idade. Entre 14 e 29, mulheres têm um percentual de desemprego próximo a 25%, enquanto homens têm uma taxa de 19%. Entre 30 e 49 anos, mulheres apresentam uma taxa de desemprego de 10% e homens de 7%.

A situação da desigualdade no mercado de trabalho se mostra mais desigual ainda quando consideramos os indicadores por cor ou raça. Em todos indicadores, pessoas que se declaram preta ou parda tem taxa de desocupação mais elevada do que pessoas que se declaram brancas, como mostra o gráfico. Tanto com pessoas sem instrução, como pessoas com ensino fundamental, ensino superior completo ou incompleto, a taxa de desocupação para preta ou parda é maior. Por exemplo, preta ou parda, com ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto, tem taxa de desocupação de 18%, enquanto para pessoa branca o percentual é de 13,5%. Para pessoas com ensino superior completo, pretas e pardas têm taxa de desemprego de 7% e brancas de 5%.

A maior taxa de desocupação para mulheres e pessoas pretas ou pardas, quando comparada com homens e pessoas brancas, está associada ao rendimento médio real do trabalho menor para pessoas ocupadas. No gráfico, homens (R$ 2.382) e pessoas brancas (R$ 2.796) apresentam rendimento médio real do trabalho maior do que a média nacional (R$ 2.263). Enquanto isso, mulheres (R$ 1.874) e pessoas pretas ou pardas (R$ 1.608) apresentam rendimento médio real do trabalho menor do que a média nacional, assim como apresentam rendimento menor quando comparado com homens e pessoas brancas.

Mesmo quando consideramos o nível de instrução, pessoas brancas apresentam rendimento-hora médio real maior do pessoas preta ou parda em todos os níveis de formação, mas para quem tem nível superior o diferencial de renda entre brancos (R$32,8) e pretos ou pardos (R$ 22,7) se torna mais substancial ainda. A média total também impressiona, com o rendimento-hora médio real do trabalho de pessoas brancas de R$ 17,00, enquanto de pessoas pretas ou pardas de R$ 10,1.

Mesmo quando levamos em conta a população ocupada e subocupada por insuficiência de horas, a população preta ou parda tem uma situação pior do que as pessoas brancas. Por exemplo, o percentual de participação da população subocupada das mulheres era de 54,6% e dos homens de 45,4%. Quando analisamos a cor ou raça, a discrepância é gritante, pois a participação de pessoas preta ou parda é de 66% e de pessoas brancas de 32,8%.

Além da deterioração dos indicadores do mercado de trabalho, deixando em evidência a condição de vulnerabilidade do trabalhador, quando analisamos o sexo e a cor ou raça, a condição das mulheres e das pessoas pretas ou pardas é muito mais degradante. Isso é estrutural e, portanto, pensar em um projeto de nação deve, necessariamente, pensar em estratégias de romper com o racismo e o machismo estruturais do país.

Por Uallace Moreira, mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP e  professor da Faculdade de Economia da UFBA.