Entendendo Greta Thunberg e seus críticos

O paroxismo das reações à crise aconteceu com o discurso da jovem Greta Thunberg durante o evento paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas. As reações vieram de todo o espectro político. Portanto, as pautas levantadas pela sueca
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Desde o início de sua gestão, o governo Bolsonaro elencou a gestão ambiental como prioritária no combate ao que denomina “viés ideológico”. Ricardo Salles, atual ministro do meio ambiente, vem ratificando e fortalecendo a visão ambiental de Bolsonaro. Além dos ataques e desmontes aos órgãos de fiscalização, o questionamento a consensos científicos unem os integrantes do governo. Desde o aquecimento global, exploração dos recursos da Amazônia, respeito às terras indígenas, ataques sistemáticos às ONGs; até o envolvimento em polêmicas com importantes personalidades internacionais, como foi o caso com o presidente francês Emmanuel Macron, ao questionar a competência do Brasil em preservar suas florestas frente aos incêndios.

O paroxismo das reações à crise aconteceu com o discurso da jovem Greta Thunberg durante a Assembleia Geral das Nações Unidas. As reações vieram de todo o espectro político. Portanto, as pautas levantadas pela sueca, juntamente com as reações, são um bom ponto de análise do caos em torno do qual paira a discussão ambiental. A análise não se dedicará às críticas ad hominem que se avolumaram, como a que desqualifica Greta simplesmente por ser branca e sueca. Greta não teria legitimidade para pautar a luta contra as mudanças climáticas por ter nascido em um dos países mais desenvolvidos do mundo, onde os cidadãos são privilegiados por possuírem uma elevadíssima pegada ecológica. Essa posição pode ser classificada como o famigerado “lugar de fala”, e ironicamente, partiu de muitos atores conhecidos por serem críticos desse conceito. Criticam o “lugar de fala” aplicado no Brasil por defensores de lutas identitárias, mas o usam, exatamente sob a mesma lógica, no caso de Greta. Portanto, somente as críticas ao discurso serão objeto de análise deste texto.
A luta contra o aquecimento global é em si posta em cheque. Para muitos, o já constatado aquecimento do planeta não teria origem antrópica. A emissão de CO2 pelas atividades produtivas que vêm crescendo exponencialmente não seria responsável pelo aquecimento global. Ao contrário do consenso científico, o planeta estaria apenas seguindo ciclos de aquecimento e resfriamento que são recorrentes ao longo das eras geológicas. As modelagens em torno do aquecimento global são, de facto, extremamente complexas. Envolvem inúmeras variáveis e sua difícil compreensão alimenta o ceticismo. Entretanto, o aquecimento global é apenas um, entre os vários sintomas do metabolismo social no planeta. É uma entre as inúmeras dimensões das chamadas mudanças globais. Se a causa antrópica do aquecimento global é questionada, o mesmo não pode ser dito sobre a perda e fragmentação de florestas, poluição de corpos aquáticos, extinção em massa de espécies, introdução de espécies exóticas, exaustão de estoques pesqueiros etc. O impacto do ser humano sobre o planeta tem aumentado tão exponencialmente que há uma tese, com adesão de um crescente número de cientistas, em prol do batismo da atual era geológica de Antropoceno. Portanto, as emissões de carbono compõem apenas uma, entre as várias dimensões dos efeitos ambientais causados pela humanidade ao planeta. Variável que, pelo seu caráter sistêmico, ganha mais importância que as demais. Aos céticos, ao invés da dialética circular em torno dos modelos do IPCC, são oferecidos dados sobre extinção de espécies e perda de áreas florestais. Alguém questiona a origem de tais fenômenos?

A mais importante crítica feita à Greta é sobre algumas declarações questionando o pilar de crescimento econômico ilimitado. Para os críticos à esquerda, a posição da militante prol clima esconde interesses geopolíticos e é uma nova roupagem para uma velha corrente de pensamento ultraconservadora chamada “neomalthusianismo”. Thomas Malthus foi um filósofo iluminista com uma visão sobre o crescimento populacional da humanidade. Para Malthus, devido aos avanços tecnológicos e ausência de controles populacionais, a humanidade tende a crescer em progressão geométrica, enquanto a disponibilidade de recursos cresceria em progressão aritmética. Padrão que geraria escassez de recursos. Para evitar uma catástrofe, Malthus defendia políticas de controle populacional. O neomalthusianismo é uma atualização do velho pensamento. Para os seguidores desta abordagem, o crescimento populacional demandaria investimentos em áreas sociais e não em setores produtivos, o que causaria o esgotamento dos recursos naturais, miséria, pobreza e subdesenvolvimento. O neomalthusianismo, de facto, após a segunda guerra mundial, tornou-se objeto de políticas públicas de organismos multilaterais como Banco Mundial, FMI, ONU e UNICEF; foram organizadas programas de esterilização em massa, distribuição de anticoncepcionais, dispositivos intrauterinos e campanhas de educação focados no planejamento familiar. Os exemplos são inúmeros e incontestáveis. Eduardo Galeano descreve alguns em suas Veias Abertas Da América Latina:

“A explosão demográfica constitui o maior obstáculo ao progresso da América Latina. O Banco Mundial dará preferência aos países que executarem planos de controle da natalidade”.

Robert McNamara – Presidente do Banco Mundial.

“Se um país em desenvolvimento, que tem uma renda média per capita de 150 a 200 dólares anuais, puder reduzir sua fertilidade em 50 por cento num período de 25 anos, ao cabo de 30 anos sua renda per capita, quando menos, será 40 por cento superior ao nível que teria alcançado sem reduzir os nascimentos, e duas vezes maior ao cabo de 60 anos”.

Documento do Banco Mundial.

“Cinco dólares investidos contra o crescimento da população são mais eficazes do que 100 investidos no crescimento econômico”.

Lyndon Johnson – Presidente dos Estados Unidos.

“Se os habitantes da terra continuarem a se multiplicar no mesmo ritmo, não só se aguçará o perigo da revolução como também se produzirá uma degradação no nível de vida de todos os povos, o nosso inclusive”.

Dwight Eisenhower– Presidente dos Estados Unidos.

De acordo com Eduardo Galeano:

“Na América Latina, é mais higiênico e eficaz matar guerrilheiros no útero do que nas montanhas ou nas ruas. Diversas missões norte-americanas esterilizaram milhares de mulheres na Amazônia, embora seja esta a zona habitável mais deserta do planeta. Na maior parte dos países latino-americanos não sobra gente: falta. O Brasil tem 38 vezes menos habitantes por quilômetro quadrado do que a Bélgica. O Paraguai, 49 vezes menos do que a Inglaterra; o Peru, 32 vezes menos do que o Japão. Haiti e El Salvador, formigueiros humanos da América Latina, têm uma densidade populacional menor do que a Itália”.

Os registros históricos corroboram a versão de que o cuidado com uso dos recursos ambientais foi fortemente instrumentalizado para a manutenção de uma divisão internacional do trabalho. As evidências neomalthusianas, associadas às sucessivas violações de soberania dos países periféricos pelas nações do centro do capitalismo, justificam a desconfiança de setores nacionalistas. Para nacionalistas, Greta é apenas mais uma peça orientada por velhas ideias que buscam a manutenção do subdesenvolvimento e controle de recursos dos países periféricos.

Greta está errada ao condenar o crescimento econômico ilimitado?

As evidências de que crescimento econômico tem causado impacto ambiental são devastadoras. A sobreposição das curvas do crescimento econômico mundial com emissões de dióxido de carbono, principal indicador de saúde ambiental, é para muito além de didática. Entretanto, os principais teóricos e precursores de escolas econômicas — Hayek, Keynes, Schumpeter, Marx — têm o crescimento como base fundamental de suas teorias. Greta está claramente alicerçada nas ideias de Geogescu Roegen, economista que na década de 70 lançou as bases ao que depois ficou conhecido como “Limites do Crescimento”. Em seu The entropy law and the economic process de 1971, Roegen descreve o sistema econômico em bases físicas. Para Roegen, a manutenção e crescimento econômico requer um ambiente de ingresso de energia de baixa entropia — e.g. combustíveis fósseis — e um ambiente de saída, de alta entropia — resíduos. Baseando-se em princípios termodinâmicas, Roegen impõem limites ao crescimento, devido a impossibilidade de reaproveitamento da energia que, quando transformada em trabalho, é perdida na forma calor. Apesar de avanços tecnológicos e aumento da eficiência, sob uma perspectiva material, o uso dos recursos naturais deve ser sempre crescente e proporcional ao crescimento do sistema. Isso pensando em um sistema real e produtivo. Não em um capitalismo financeiro e virtual onde se cria dinheiro do vazio. Um ano após o lançamento do livro de Roegen, um grupo de professores e cientistas, atendendo um pedido do Clube de Roma, organização formada por acadêmicos, cientistas, empresários, membros da sociedade civil organizada e políticos, lançaram os resultados de uma série de modelos matemáticos com diversas variáveis, incluindo o crescimento populacional, também defendendo limites ao crescimento. “Os Limites do Crescimento” foi requisitado pelo Clube de Roma à uma equipe de cientistas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusets). A equipe foi liderada pelos cientistas Dennis e Donella Meadows, daí a razão pela qual o relatório “Os Limites do Crescimento” também ser conhecido como “Relatório Meadows”. Como consideraram a variável populacional, à luz dos críticos nacionalistas brasileiros, o documento elaborado pelo Clube de Roma é visto como mais uma tentativa de subjugar os países periféricos ao subdesenvolvimento e à divisão internacional do trabalho. Seria mais uma iniciativa neomalthusiana. E Greta, ao criticar o eterno crescimento econômico, estaria claramente alicerçada neste arcabouço teórico. Trabalharia, inconsciente ou não, para impedir países periféricos em se desenvolverem na direção dos padrões alcançados pelos países centrais. Daí a forte crítica de setores nacionalistas. De facto, falar em controle populacional sem considerar as imensas assimetrias de consumo entre nações é para muito além de injusto. Mesmo que extinguíssemos toda a população dos países africanos e latinos, os problemas ambientais se manteriam, frente a enorme pegada ecológica em constante crescimento exercida pelos países centrais. Há uma escola econômica que incorpora a luta pela iniquidade e as assimetrias de consumo entre países às formulações de Geogescu Roegen. Uma escola que analisa a economia em suas bases físicas. A Economia Ecológica, a qual tem o economista Herman Daly, como um de seus expoentes mais famosos.

Por outro lado, Greta já falou, mesmo que superficialmente, que se deve combater as fortes desigualdades e também que é injusto cobrar de países periféricos o freio aos anseios de desenvolvimento já alcançados pelos países do centro do capitalismo. Com essas palavras, o discurso da jovem militante está mais associado aos princípios da Economia Ecológica que às antigas teorias neomalthusianas, as quais é constantemente acusada de defender.

As críticas dos pseudonacionalistas partem de uma retórica de defesa da soberania para conservar a “primarização” dos processos econômicos associados ao uso dos recursos naturais — ao mesmo tempo que apoiam a entrega de empresas estratégicas, a exemplo da EMBRAER, assim como a concessão do direito de mineração em terras indígenas à empresas americanas. Ao contrário dos nacionalistas, apoiam-se em uma cruzada anti-globalista. O globalismo seria quaisquer processos relacionados à consensos internacionais adotados pela globalização. O aquecimento global seria um deles. No Brasil, Ricardo Salles e Eduardo Bolsonaro são céticos das causas antrópicas deste fenômeno. Entretanto, existem outras pautas como àquelas associadas à direitos reprodutivos das mulheres, regulamentação do comércio e uso de substâncias hoje proibidas, pautas LGBTI, imigração etc. No Brasil, pasmem-se, questiona-se até a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para os pseudonacionalistas, o discurso de Greta representa uma barreira ao uso curto-prazista dos recursos naturais e ao avanço sobre os direitos das populações tradicionais. Partindo de bases conceituais distintas, nacionalistas e pseudo-nacionalistas convergem na defesa da soberania contra, o que acreditam ser, um “cavalo de Tróia” maquiado de clorofila.

Assim, podemos resumir as principais visões na mesa em três: 1. ambientalistas — representados por Greta, 2. Nacionalistas — gente muito boa e os 3. Pseudonacionalistas — medievais representados pelos Bolsonaros.

Os valores associados à defesa da soberania são válidos e não podem ser ignorados. São falsas as afirmativas de que tais preocupações são infundadas. As recentes falas do presidente francês Emmanuel Macron são para muito além de didáticas: “a verdade é que associações, ONGs e atores internacionais, inclusive jurídicos, questionaram em diversos anos se era possível definir um status internacional para a Amazônia”.

Entretanto, extrapolar a fala de Greta a uma revisão neomalthusiana é um equívoco. O espaço que a jovem ganhou na mídia corporativa e nos fóruns multilaterais está mais relacionado à superficialidade com que invoca temas como desigualdade e as relações de poder globais que, propriamente, por exercer uma função estratégica para frear o desenvolvimento de países periféricos. Se adotássemos essa narrativa, teríamos que questionar também o IPCC, assim como os esforços de acordos internacionais. Ademais, os americanos, concordando com essa tese, deveriam encabeçar o apoio ao IPCC e aos pactos climáticos.

Seria uma estratégia imperialista e neomalthusiana para frear o desenvolvimento de países periféricos, correto?

Todavia, é o país que mais dificulta a assinatura de iniciativas multilaterais. Barram as metas de emissões de dióxido de carbono definidas em âmbito multilateral.

Como os defensores dessa tese respondem a esse paradoxo?

Baseado na identificação dos arcabouços teóricos de Greta Thumber e seus críticos, não é razoável afirmar que a militante está agindo de forma instrumentalizada e como uma peça na manutenção do subdesenvolvimento de países periféricos. Entretanto, parece factual que a enorme projeção que Greta obteve, deve-se à forma superficial com que intersecciona a temática ambiental com lutas históricas e caras aos movimentos sociais. Alguns conceitos precisam fazer parte de um militante do meio ambiente:

● Assimetria de consumo entre pessoas e países;
● Geopolítica;
● Imperialismo;
● Neocolonialismo;
● Relações de poder globais;
● Reforma agrária e monopólios do uso da terra;
● Respeito à soberania dos países.

Será que Greta já refletiu que um movimento como o Via Campesina contribui mais com a causa climática que quaisquer ONGs internacionais?

O debate ambiental precisa de serenidade e de uma boa síntese. Críticas ad hominem não ajudarão a tornar a discussão mais fecunda. Tão pouco, a resposta debochada de Greta às palavras de Vladimir Putin — um dos políticos mais poderosos do mundo — ao alterar sua descrição em uma rede social para “moça gentil, mas mal informada”.

“Posso desapontá-los, mas não partilho o entusiasmo geral em relação ao discurso de Greta Thunberg. Ninguém explicou à Greta que o mundo moderno é complexo e diferente e que as pessoas na África ou em muitos países asiáticos querem ter o mesmo nível de riqueza que a Suécia. Tenho a certeza que a Greta é uma moça gentil e muito sincera. Mas os adultos devem fazer tudo para não colocar adolescentes e crianças em situações extremas”. Vladimir Putin.

Não se pode apaixonar pela realpolitik e ignorar números. Tão pouco apaixonar por números e ignorar a realpolitik. É necessário serenidade para a formulação de uma boa síntese. Assim como toda pauta política, a luta ecológica também tem lado. Greta precisa escolher o seu. Ecologismo só tem valor ao lado dos pobres.