No mundo globalizado, o Brasil virou o feudo

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A globalização ganhou espaço no cenário internacional na década de 80, quando os EUA e o capitalismo superaram a União Soviética na corrida da Guerra Fria por desenvolvimento de mercado, armamento, tecnologia, influência e capital financeiro. De lá para cá, foi construída toda uma retórica fantasiosa de uma suposta aldeia global, que concebe um mundo ideal compartilhado, como se todos começassem a ignorar suas limitações culturais e territoriais para coletivamente usufruir de forma fraterna de todas as técnicas, produtos e conhecimentos alcançados até então. Essa fantasia de mercado global é que tem sido a base para o discurso de livre mercado. Na teoria, o livre mercado seria uma forma de garantir o mútuo acesso a todos os produtos e serviços em escala mundial. É a fábula da globalização ou neoliberalismo utópico.

A possibilidade de ter o mundo interligado em uma rede financeira e produtiva encantou boa parte dos economistas e influenciou os rumos da política mundial. O livre mercado, nessa lógica global, passou a ser em discurso a condição sine qua non de crescimento econômico de qualquer país. Sem extirpar barreiras comerciais e promover a abertura de mercado não tem progresso, afirmam categoricamente os economistas neoliberais. Curiosamente, mas não por acaso, foi exatamente na década de 80, quando o conceito de globalização se solidifica e passa a ser o padrão das relações internacionais é que o Brasil começa sua saga contínua de PIBs medíocres, desindustrialização e desemprego.

Logo no início, quando essa globalização começava a deixar suas primeiras sequelas, o geógrafo brasileiro Milton Santos alertou que a globalização como posta, sugeria o compartilhamento de produtos, a universalização de consumo e a dependência financeira às flutuações de câmbio, mas não se preocupava em globalizar as técnicas de produção, que continuaram regionais e limitadas ao desenvolvimento técnico-científico de cada região. O resultado de tudo isso seria, e está sendo, a sobreposição de países que detém técnicas de produção avançadas a países que ainda estavam em desenvolvimento industrial. Ou seja, a globalização trouxe a países precários como o nosso, produtos de alta matriz tecnológica e valor agregado, mas impossibilitou o desenvolvimento da indústria brasileira. Não por menos, nota-se a partir dos anos 80 o processo de desindustrialização brasileiro e a consequente estagnação econômica.

Isso tudo porque que nessa órbita de aldeia global, os gigantes do mundo decidiram pela própria força da mão invisível que países como o Brasil teriam sua participação no mundo globalizado unicamente como exportadores de commodities. Não importa o quanto o mundo se desenvolva tecnologicamente e os produtos evoluam, sempre se precisará de alimentos, energia e minérios. Porém, a produção, preservação de commodities em larga escala, que correspondam com a demanda, exigem um espaço físico e condições geográficas que as potências mundiais não dispõem. Com isso, é conveniente para o mundo que o papel de países como o Brasil nessa aldeia global seja o de feudo das potências.

Toda preocupação ambiental, pré-disposição em estabelecer acordos econômicos e o interesse dos investidores a maneira como o governo brasileiro administra sua riqueza gira e torno de manter o território brasileiro como um grande feudo. Qualquer superávit atingindo nessa relação está dentro de uma margem permitida para sustentar os suseranos do agronegócio e garantir a sobrevivência, nada mais que isso, do restante da população. A Organização Mundial do Comércio, que desde sua criação em 1995 existe para garantir os esforços internacionais rumo ao livre comércio colabora com essa divisão do mundo em potências industriais e suas respectivas hortas globais.

As potências econômicas atestarem que a países como o Brasil só cabe a condição de feudo no mundo globalizado é inteligível na lógica eurocêntrica e no egocentrismo norte-americano culturalmente baseado na prepotência do Destino Manifesto. O que não faz sentido é a passividade com que políticos brasileiros aceitam essa imposição mercadológica e repetem em tradução popularesca a ilusão do crescimento a custa de investimento estrangeiro. Muito embora toda economista reconheça que o Brasil só vai alavancar economicamente quando desenvolver sua indústria, a maior parte deles, imbuído da fábula da globalização, crê ingenuamente, maliciosamente ou ignorantemente no interesse de investidores estrangeiros para que esse processo ocorra.

Imagine a força que teria um país com o potencial natural do Brasil para dominar o mercado de commodities e ainda manter um honroso desenvolvimento industrial que lhe permita negociar commodities não pela “urgência urgentíssima” de quem precisa de dinheiro para o básico, mas sim como quem tem a ciência de que domina o mercado e não precisa exclusivamente disso para manter as contas?

No entanto, na contramão dessa possibilidade de criação de um suporte econômico construído com próprio desenvolvimento industrial e tecnológico, estamos assistindo um governo que não apenas repete a lógica que nos feudalizou no mundo globalizado como agrava a situação. Ao condenar a prática política, o serviço público, ao indicar a privatização desenfreada de setores estratégicos como solução para a crise do Brasil, Paulo Guedes entrega de bandeja o controle econômico aos agentes do mercado interessados em manter o status feudal do Brasil e neutraliza as possibilidades de crescer com as próprias pernas. A Reforma da Previdência é parte desse processo. Um país com cerca de 80% da população recebendo menos que 3 salários mínimos, com reduzida estabilidade no emprego e baixo poder de compra das famílias inviabiliza o investimento industrial. Torna-se pouco a atrativo para qualquer investidor, por isso, não é racional acreditar que o investidor vai gastar grandes montantes em indústria se o país tem uma população com consumo limitado pelo aperto nas contas. A indústria nacional que ainda resiste agonizando nessas últimas décadas é sustentada basicamente pelo aposentado, que mesmo ganhando pouco tem a renda fixa e facilidades de empréstimo, e o servidor público. A Reforma da previdência reduz a renda exatamente do principal grupo que a duras penas, a grandes dívidas e a altos juros ainda sustenta a indústria brasileira. As privatizações e ataques a instituições visam atingir o outro comprador em potencial, o servidor público.

Com tudo isso, não é absurdo afirmar que o que para nós é um grande problema conhecido pelos economistas como “Doença holandesa” é para os grandes do mundo industrializado a solução, pois enquanto multiplicam seus lucros com industrializados têm garantido as marmitas compostas das glebas feudais brasileira.