Debate no Mackenzie: Não existe desenvolvimento sem indústria e Estado

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Na noite de ontem foi realizado o evento “Direito Econômico e a Desindustrialização no Brasil“, na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Três excelentes exposições dos professores Gilberto Bercovici (USP/Mackenzie), Nelson Marconi (FGV-SP) e Paulo Gala (FGV-SP), seguidas de uma série de perguntas, fecharam a noite. O debate foi mediado pela doutoranda Melina Ferracini de Moraes, do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico do Mackenzie (PPGDE). A íntegra em breve estará disponível no canal de YouTube do Portal Disparada.

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Na posição de economistas, Paulo Gala e Nelson Marconi expuseram muito bem o significado e o impacto da desindustrialização do tecido produtivo brasileiro, suas causas e a situação da indústria brasileira comparada a indústria em outros países.

Ficou muito claro que o Brasil sofre uma crise está regredindo nesse campo, que é certamente o mais fundamental setor da economia capitalista contemporânea. Dessa forma, o país corre o risco de se tornar cada vez mais uma economia de segunda classe, incapaz de produzir produtos complexos que resultam em e são resultados de inovações tecnológicas que beneficiam o conjunto da sociedade, seja através do aumento da renda, seja através de empregos mais qualificados, seja através de mais segurança econômica e social para as gerações presentes e futuras.

Há anos a economia nacional está estagnada, dependendo crescentemente de importações para satisfazer a demanda de produtos industriais e se caracterizando paulatinamente por um setor de serviços de baixa produtividade protagonista da vida econômica da nossa população.

Se as fábricas industriais e os laboratórios de pesquisa e centros de inovação tecnológica saíram de cena, o mesmo não aconteceu com salões de cabeleireiros, lojas, shoppings centers, call centers, restaurantes, redes de fast food. Quem anda pelas ruas do país encontra cada vez mais desses estabelecimentos, somados a um violento aumento do número de pessoas com ensino superior completo que não encontram oportunidade de aplicar o seu capital humano em setores produtivos e se tornam motoristas de Uber e outros aplicativos de transporte.

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Nelson Marconi é professor adjunto dos cursos de graduação, mestrado e doutorado acadêmico e mestrado profissional em Administração Pública e Governo, na FGV-SP. É graduado em economia pela PUC-SP e mestre e doutor em economia pela FGV-SP, tendo realizado bolsa sanduíche no MIT. É Coordenador do Fórum de Economia da FGV e do CND – Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo, vinculado à EAESP-FGV. Foi coordenador do curso de graduação em economia da EESP-FGV entre 2010 e 2013 e presidente da Associação Keynesiana Brasileira entre 2015 e 2017.

Segundo Marconi, a taxa de câmbio foi central para esse desfecho trágico: após anos de valorização cambial, com o poder de compra do Real brasileiro bem próximo ao Dólar dos EUA, as indústrias perderam fôlego e afrouxou-se o encadeamento entre os vários segmentos industriais. Não apenas, a valorização.

Para Paulo Gala, o Brasil perdeu em complexidade econômica. De fato, somos capazes de produzir poucos produtos complexos, como aqueles que exigem uma longa caminhada de aprendizagem científica e tecnológica e geram poder de monopólio (afinal poucos países produzem), proporcionando os salários que a população tanto sonha em ter. A Embraer, aliás, caso emblemático de complexidade econômica no Brasil, está sendo entregue aos Estados Unidos (Boeing) sem contrapartida alguma.

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Paulo Gala é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo (1998), mestrado em Economia pela Fundação Getulio Vargas/SP (2001) e doutorado em Economia pela Fundação Getulio Vargas/SP (2006). Foi gestor de fundos multimercado e renda fixa, hoje CEO e economista da Fator Administração de Recursos/FAR.

O Brasil produz soja, carne, milho, cana-de-açúcar, ferro. São bens que a natureza possibilita e que vários países são capazes de produzir, senão praticamente todos. Não geram poder de monopólio. Naturalmente, o capitalismo frutifica muito mais onde empresas possuem tal poder, com a população se beneficiando da exportação de produtos complexos para seus países compradores.

Pouco complexo economicamente, o Brasil se encontra exatamente na posição de comprador desses produtos tecnologicamente complexos.

Foi mencionado como países como Chile, Israel e Austrália, que são tidos como casos “liberais” de sucesso nos debates da internet, na verdade ou possuem políticas industriais muito bem consolidadas e com um papel importante do governo, ou políticas cambiais extremamente agressivas visando evitar a valorização e manter o câmbio num patamar que beneficie a indústria. Na verdade, ambos instrumentos são complementares.

Disso decorre que a organização do processo de desenvolvimento é essencial. Paulo Gala explica a dinâmica do sucesso capitalista como mercado e Estado atuando juntos. Nelson Marconi ressaltou, no mesmo sentido, o papel das metas nas políticas industriais.

O Direito Econômico é o instrumental que a direção política do desenvolvimento econômico possui para organizar e coordenar o mercado no sentido da industrialização cada vez mais complexa em busca da produção cada vez mais intensiva em tecnologia e valorizadora do trabalho humano.

Gilberto Bercovici bem lembrou, recorrendo a Marx, que a mercadoria não vai ao mercado. Alguém precisa levá-la. Esse alguém, contudo, não é o indivíduo racional dos manuais liberais de economia. É o Estado que, por meio do Direito Econômico, estabelece o padrão através do qual se dará o incremento da infraestrutura necessária para integrar o país em toda a sua geografia, conectando a população e, consequentemente, as trocas mercadológicas.

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Gilberto Bercovici é Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário) e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (1996), é Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (2001) e Livre-Docente em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (2003).

É o Estado também, por meio do Direito Econômico, que edifica a forma como o trabalho humano será incorporado na produção e remunerado por isso. Bercovici acusou a Reforma Trabalhista de desestruturar todo o ambiente de trabalho no país. O desenvolvimento é inviável de acordo com o arcabouço jurídico que rege o trabalho atualmente.

Não apenas o trabalho, mas recursos estratégicos essenciais a uma estratégia nacional de desenvolvimento ocuparam o discurso do professor Gilberto Bercovici. Segundo ele, somente em 1930 quando o governo de Getúlio Vargas lançou as primeiras bases administrativas, econômicas e institucionais do desenvolvimento industrial – que se materializaram, por exemplo, na criação do BNDE (hoje BNDES), da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Petrobras -, o país foi capaz de controlar os recursos estratégicos mais importantes.

Petróleo, aço, água, eletricidade, todos recursos sem os quais a indústria, e portanto a economia, não avança qualitativamente. Poder dispor desses recursos em conformidade com um projeto, ou seja, de maneira adequada aos fins que se deseja alcançar para o conjunto da sociedade, depende dos arranjos jurídicos instalados.

O mesmo pode-se dizer de outros recursos, como urânio, ou até mesmo o controle sobre a liquidez, ao estabelecer controle sobre os fluxos de capital estrangeiro que entram e saem do país.

Desde os anos 1990 o país abre mão, gradualmente, do controle sobre recursos estratégicos, alienando a própria soberania. Entende-se que, lado a lado com a regressão da complexidade tecnológica do país, caminhou uma atuação incisiva do Direito para desarranjar todos os instrumentos que o Estado brasileiro dispunha para dirigir o desenvolvimento econômico.

A crise brasileira passa pela desindustrialização, e sua solução, para restabelecer o país num caminho promissor, passa por centralizar a indústria na política econômica nacional em benefício dos trabalhadores brasileiros.

Fotos: Amanda Salgado