O complexo econômico-industrial da saúde pode vencer o coronavírus, gerar empregos e desenvolver o país

CHICO D'ÂNGELO O complexo econômico-industrial da saúde pode vencer o coronavírus, gerar empregos e desenvolver o país
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Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, o Presidente da República reagiu da pior maneira possível, desdenhando das advertências que a comunidade científica internacional fazia a todos os países sobre a gravidade daquela pandemia.

Numa live feita no dia 22 de março de 2020, Bolsonaro afirma, categoricamente, que o número de mortos “no tocante ao coronavírus” não chegaria a 800 pessoas.

Escrevo esse artigo no dia 1 de julho, um pouco mais de três meses após a afirmação do presidente e o número oficial de vítimas da Covid-19 (nome da doença provocada pelo novo coronavírus) é de 59.594 cidadãos brasileiros!

O Brasil é hoje o país campeão mundial de mortes diárias por coronavírus!

Ainda naquela famigerada live, Bolsonaro já revelava o que vem sendo o seu principal argumento para combater as medidas de isolamento social, adotadas por prefeitos e governadores, e que é a única maneira eficiente, até o momento, de conter a disseminação de um vírus para o qual ainda não existe cura ou tratamento: a preocupação com o nível de emprego.

Na verdade, Bolsonaro não disfarça que sua preocupação não é propriamente com o nível de emprego no país, e sim que o aumento do desemprego seja colocado em suas costas e que isso prejudique sua popularidade e seus planos de reeleição em 2022.

A postura de Bolsonaro não é apenas genocida. É profundamente simplória. Estudos da Fiocruz, coordenados por Carlos Gadelha, mostram que a saúde pública pode ser o “elo perdido” do nosso desenvolvimento econômico.

Em palestra recente organizada pelo Instituto de Economia da Unicamp, Gadelha observou que “o fato de ter um sistema único de saúde estruturado em todo o território nacional abre uma possibilidade única de alavancar o sistema produtivo de inovação industrial”.

Em outras palavras, a saúde pode desempenhar a mesma função estratégica que os investimentos militares tiveram nos Estados Unidos: pode exercer o papel de liderança de um processo abrangente de reindustrialização e modernização tecnológica do país, e isso ao mesmo tempo em que gera milhões de empregos, substitui importações, reduz desigualdades, melhora as condições de educação e, sobretudo, assegura maior bem estar a todos os brasileiros!

Segundo estudos da Fiocruz, o déficit da balança comercial da saúde cresceu de maneira dramática nos últimos quinze anos, justamente no período em que houve um grande avanço na universalização do SUS.

Em 2019, o déficit voltou a crescer, atingindo perto de US$ 15 bilhões. Ainda segundo Gadelha, se formos somar os royalties pagos por medicamentos usados no país, essa conta ultrapassa os US$ 20 bilhões, o que, com o nível do dólar de hoje, é maior do que todo o orçamento do Ministério da Saúde.

Por isso mesmo, alerta Gadelha, a “ousadia que Brasil teve de criar o maior sistema universal de saúde do mundo”, em números de atendidos, deve se converter também em coragem para desafiar ortodoxias econômicas obsoletas e desenhar uma política industrial e tecnológica igualmente ousada.

Sem uma política voltada a modernizar e ampliar a nossa base produtiva e tecnológica, o acesso universal da população à saúde estará comprometido, é o que também alerta o pesquisador.

Durante os governos petistas, em especial no mandato de Lula, foram elaboradas e postas em práticas algumas medidas muito importantes para o estabelecimento de um complexo econômico-industrial de saúde no Brasil. Houve alguns resultados concretos, como a redução do déficit comercial entre os anos de 2013 a 2016, quando políticas iniciadas em 2008 começam a dar frutos.

Toda essa experiência acumulada, no entanto, foi jogada no lixo após o impeachment, quando começam a se desmobilizar essas iniciativas. Em 2019, o Departamento do Complexo Industrial da Saúde, órgão do Ministério da Saúde, foi extinto na prática. Como resultado, o déficit da balança comercial voltou a aumentar a partir de 2017, volta a bater recorde em 2019, e promete explodir esse ano, por conta da emergência produzida pelo coronavírus.

Entretanto, o principal entrave às políticas industriais da saúde, como de resto a todas as políticas industriais dos últimos anos, e que já era um problema grave antes do impeachment, tem sido o conflito com a agenda macroeconômica conservadora, seja na forma de juros que inviabilizavam qualquer investimentos produtivo, seja no declínio dramático dos investimentos públicos.

Segundo os estudos da Fiocruz, a saúde gera 7 milhões de empregos diretos ou 15 milhões de empregos, se somarmos também os indiretos. Cerca de 30% de todo o esforço nacional de pesquisa é obra de pessoas e instituições ligadas à área da saúde.

É importante ficarmos atentos, por fim, a um novo grande desafio da modernidade, o qual a pandemia do coronavírus apenas apressou e tornou ainda mais dramático, que é o aumento da desigualdade produtiva e tecnológica no campo da saúde.

Haverá países que, em função do controle de patentes e tecnologias, poderão proteger suas populações de possíveis novas pandemias, além das velhas doenças conhecidas da humanidade, que ainda continuam matando tanto como antes.

E haverá países, que por não possuírem sistemas produtivos de saúde, dependerão do mercado internacional, que não se caracteriza, como pudemos testemunhar durante a crise do coronavírus, por nenhum tipo de solidariedade.

Na disputa mundial por respiradores, valeu a lei do mais forte e mais rico. Muitos estados e municípios brasileiros viveram situações dramáticas por falta de remédios e equipamentos necessários ao combate à Covid-19, e tiveram enormes dificuldades para adquirir esses produtos lá fora.

Esses fatores demonstram que a criação, consolidação e fortalecimento do complexo econômico-industrial da saúde tem de ser um dos pilares centrais de um novo projeto nacional, e isso em nome tanto do desenvolvimento econômico do país, como em nome da própria segurança biológica da nossa população!