Do Tennessee ao Velho Chico: o Estado planejando infraestrutura e desenvolvimento

img-planejamento-infraestrutura
Botão Siga o Disparada no Google News

A história da Tennessee Valey Authority (TVA) se originou em Muscle Shoals, no Alabama, com o plano do Estado Americano de construir duas indústrias e uma barragem, no contexto da Primeira Guerra Mundial, para a fabricação de explosivos a partir da elaboração artificial de nitrato. No entanto, a Primeira Guerra terminou antes mesmo da entrada em operação das instalações.

Nos anos seguintes, o Congresso passou a discutir o destino daquele empreendimento. Parte dos membros pretendia vendê-lo à iniciativa privada, e parte desejava mantê-lo sob o domínio estatal. O cenário da Grande Depressão dos anos 1930 reforçou o debate público em torno da segunda vertente, dada a compreensão que se criou em torno da necessidade de uma maior presença estatal na economia e do controle das public utilities.

Em sua mensagem ao Congresso proferida em abril de 1933, Franklin D. Roosevelt deixa claro que o projeto da TVA, apesar de ter como objetivo solucionar a ociosidade do investimento de Muscle Shoals, não se restringiria apenas a isso. Os planos por ele traçados iam além, compreendiam a gestão dos recursos hídricos e energéticos e o desenvolvimento econômico de todo o Rio Tennessee e os Estados nele envolvidos. Como afirmou na ocasião, “it is time to extend planning to a wider field”.

Criada em 1933 como resposta à grande depressão do início dos anos 1930, a TVA, empresa pública autônoma (government corporation) estabelecida pelo TVA Act, é a primeira experiência concreta de grande porte em termos de planejamento regional e, sem dúvidas, o maior empreendimento idealizado no contexto do New Deal. Situada às margens do vale do Rio Tennessee, no Sul do Estados Unidos, a TVA foi pouco a pouco alcançando os Estados do Alabama, Mississipi, Kentucky, Geórgia, entre outros.

Dentro de seu programa foram promovidos investimentos na construção de barragens, que se conectavam às usinas geradoras para produção de energia elétrica, de estradas, canais, mecanismos de controle de inundações, produção de fertilizantes, entre outros empreendimentos que permitiram modernizar a agricultura nas fazendas da região, promover diversificação da indústria e constituir cooperativas agrícolas e de eletrificação rural mitigando, com isso, o quadro de atraso econômico e social existente nos Estados que compunham a bacia hidrográfica.

David E. Lilienthal, um dos reconhecidos ex-diretores da TVA, aponta em seu livro TVA: Democracy on march (1944) que são visíveis os resultados conquistados em termos comunitários e democráticos, de produtividade da região e da nação, do engajamento dos empresários e cidadãos em novas empresas, trabalhadores em novas fábricas etc.

Há pesquisas empíricas, também, como a de Kline e Moretti (2014), que analisam os ganhos em razão do aumento efetivo da produtividade do trabalho gerado pelas melhorias na infraestrutura pública, além do efeito indireto obtido devido às economias de aglomeração e seus ganhos de escala.

O modelo da TVA exerceu significativa influência no contexto brasileiro e serviu como orientação, em grande medida, aos projetos traçados para o rio São Francisco no período posterior à Segunda Guerra Mundial.

A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), idealizada em 1945 por Getúlio Vargas, deu início a esse movimento ao inaugurar naquela localidade a construção da primeira usina federal de grande porte, com longas linhas de transmissão e geração de energia em larga escala, capaz de transformar o fornecimento de energia elétrica local em regional, possibilitando, com isso, o surgimento de complexos sistemas elétricos.

Além de garantir o aproveitamento industrial progressivo da energia hidráulica, iniciando a partir da colossal queda d’água de Paulo Afonso, a iniciativa que se consolidava em torno do vale do rio São Francisco, sob uma perspectiva semelhante à da TVA e orientada pela Missão Cook (1942), tinha por objetivo inicial levar em conta seu emprego múltiplo (multiple-purpose river valey development), de modo a possibilitar a redução das assimetrias regionais existentes no país.

A tendência do desenvolvimento regional é expressa na Constituição de 1946, que impôs ao Governo Federal a obrigação de, em um prazo de vinte anos, a partir da promulgação da Constituição, traçar e executar um plano de aproveitamento integral das possibilidades econômicas do Vale do São Francisco, para o que ele deveria destinar uma quantia não inferior a 1% ao ano de suas receitas tributárias (art. 29, ADCT), além de mais 3% que deveria ser destinado anualmente para a concepção de um plano de defesa dos efeitos da seca no Nordeste (art. 198).

Nesse processo, foi criada a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), autarquia federal que seria responsável por elaborar o plano com o objetivo de (i) regularizar o curso de seus rios; (ii) garantir uma melhor distribuição de suas águas e da utilização de seu potencial hidrelétrico; (iii) promover o fomento da indústria e da agricultura; (iv) estabelecer o desenvolvimento da irrigação; (v) efetuar a modernização dos seus transportes; (vi) possibilitar o incremento da imigração e da colonização; (vii) e a assistência às exploração de suas riquezas (cf. art. 7º, Lei nº 541, de 15 de dezembro de 1948).

Em meio às intensas disputas políticas do período, no entanto, o regulamento da CVSF foi elaborado somente três anos depois, pelo Decreto nº 29.807, de 25 de julho de 1951, e o Plano Geral de Aproveitamento Econômico do Vale do São Francisco, por ela desenvolvido, foi aprovado quase sete anos após sua criação, por meio da Lei nº 2.599, em 13 de setembro de 1955. Durante esse tempo, na ausência de uma orientação precisa, a CVSF passou a direcionar os recursos que recebia a pequenos projetos de dimensão local, visando solucionar problemas pontuais relacionados ao fornecimento de água, falta de postos de saúde, estradas de acesso, entre outros. Em 1959, adicionalmente à CHESF e CVSF, é criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que também passa a desenvolver medidas envolvendo a região.

Em linhas gerais, contudo, o planejamento regional brasileiro se caracterizou pela falta de coordenação nacional e incompatibilidades entre suas políticas, o que fez com que ele assumisse a característica de privilegiar programas emergenciais em detrimento de políticas regionais efetivas, que poderiam ser construídas em torno da ideia do federalismo cooperativo, por exemplo.

A CHESF, nessa linha, cumpriu um papel importante no aproveitamento hidrelétrico do São Francisco, especialmente em razão da construção das usinas do Complexo de Paulo Afonso e dos milhares de quilômetros de linhas de transmissão e reservatórios, que possibilitaram enfrentar o entrave da estrutura energética precária. No entanto, a maioria dos problemas estruturais que envolviam a região persistiram.

O aproveitamento múltiplo da região do vale do São Francisco, no entanto, se apresentou de maneira distinta daquela traçada para a TVA, dadas as singularidades estruturais e históricas do país. Os objetivos contidos no regulamento da CVSF, como a atração de migrações para a região, o estímulo da produção, entre outros não foram efetivamente implementados.

Apesar das trajetórias distintas e limitações, ambos os projetos deixam clara a necessidade do planejamento e coordenação estatal para superação das desigualdades regionais.

 

Referências

BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003.

BROSE, Markus Erwin (org.). TVA e instituições de desenvolvimento regional: contribuições para a história das ideias. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2015.

CASTRO, Nivalde J. O setor de energia elétrica no Brasil: a transição da propriedade privada estrangeira para a propriedade pública (1945-1961). Dissertação (Mestrado em Economia Industrial) – IEI/UFRJ. Rio de Janeiro, 1983.

KLINE, Patrick; MORETTI, Enrico. Local economic development, agglomeration economies, and the big push: 100 years of evidence from the Tennessee Valley Authority. The Quarterly Journal of Economics, Oxford University Press, 2014, vol. 129, p. 275–331.

LILIENTHAL, David. E. TVA: Democracy on march. New York: Harper & Brothers Publishers, 1944.

SILVA, Antonio Willamys Fernandes da. A Influência da Tennessee Valley Authority (TVA) no Planejamento Urbano e Regional no Brasil: O caso da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF). 8º Congresso Luso-Brasileiro para o Planeamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável. Coimbra, 2018.

VCU Libraries, Social Welfare History Project. The Tennessee Valley Authority: Electricity for All. In New Deal Network, 2014.