Lições de uma pandemia

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Os brasileiros ainda não tem a dimensão do estrago que o coronavírus pode provocar. Em São Paulo os bares, baladas e shoppings estão cheios e muitos agem como nada estivesse acontecendo. Caso as projeções se confirmem, teremos nosso pico de contágio em até um mês.

As consequências sobre a saúde pública poderão ser das mais trágicas.

Com milhares de infectados, o sistema de saúde, público ou privado, não terá como dar conta do choque de demanda. Isso poderá inviabilizar não só o tratamento dos casos mais graves do COVID-19 como também os demais usuários.

Por isso, a medida mais sensata, como sabemos, é fazer com que o número de infectados se dilate no tempo, garantindo que o sistema não fique tão sobrecarregado (ou seja: não saia de casa).

O problema desta medida, para além das questões culturais e sociais, é econômico. Basicamente, sofreremos (assim como todos os países que estão passando por isso) de um problema de oferta (não produziremos bens ou serviços) e de demanda (não poderemos consumir).

A questão é que o resultado será arrasador para toda a economia nacional. Já ouvi de economistas que poderemos ter um PIB negativo, caso nada seja feito. E a pior parte disto é o efeito cascata, ou o multiplicador negativo que teremos. Pessoas sem renda não pagam suas contas, que trazem dificuldades financeiras às empresas. Estas, por sua vez, precisarão demitir.

Este efeito cascata é ainda mais perverso quando temos um centro dinâmico da economia industrial altamente concentrado, como a China. Pouco importa se os chineses já resolveram suas questões com o coronavírus. Com EUA, Brasil, Argentina e toda Europa paralisados, a demanda por bens vai ao chão.

Por isso, quando o pico da pandemia passar, aqui e no resto do mundo, será preciso repensar muita coisa.

1. No curto prazo, precisaremos de indução estatal em várias frentes: política monetária e política fiscal são as mais óbvias, mas não poderemos parar por aí.

2. Como Yair Listokin vem demonstrando, precisaremos usar o direito como fonte de indução econômica. Executivo, Legislativo e Judiciário precisarão, cada um à sua maneira, usar a regra jurídica para alterar o quadro legislativo, regulatório e jurisprudencial sobre como as relações econômicas se dão. Em bons termos, precisaremos sair da lógica da busca da eficiência do agente individual para a busca da demanda agregada.

3. Mas isso não basta. Além de fortalecer o SUS imediatamente, precisaremos de muito dinheiro para reconstruir a economia. No caso brasileiro, já não tínhamos injeção externa de capital antes da crise que se avizinha. Assim, vamos ter que levar a máxima do Emicida a sério: somos nós por nós.

4. Isso significa que o Estado tem que atuar em todas as frentes: financiamento ao setor privado (incluído aí uma reforma tributária que desonere a atividade privada e incida sobre os rendimentos), obras de infraestrutura urbana, agricultura de mão-de-obra intensiva e ampliação do serviço público.

5. Em paralelo, precisamos repensar nosso papel nas cadeias globais de valor. Precisaremos urgente fomentar atividades industriais, além de garantir uma retomada do mercado interno. Aqui fica talvez a maior lição desta crise global: o quão mais o mundo for dependente de centros dinâmicos especializados (China – indústria; EUA – tecnologia e consumo; Brasil – commodities; etc), mais suscetíveis estaremos aos efeitos deletérios deste tipo de crise. Crise que tende a se repetir com mercados globais tão integrados como o que temos hoje e (espero) termos depois da recuperação.

Eu entendo que tudo isso hoje é praticamente impossível de ser conseguido. Com nossa agenda econômica, o teto de gastos, a regra de ouro e a lei de responsabilidade fiscal, tais medidas, já de curto prazo, são inexequíveis. Juntando nosso quadro político-institucional e o estágio de regressão política global que vivemos, esse receituário parece uma ‘fantasia’, para usar um termo presidencial. Porém, na medida do possível (e do impossível), precisamos buscar saídas de curtíssimo prazo que visem o médio e o longo prazo.

O mais triste de tudo isso é saber que nossa Constituição tem boa parte da prescrição destas ideias. Basta ler com atenção os arts. 3º, 170, 173, 174 e 219. Está tudo lá. A lição que a pandemia ensina é que não dá pra governar sem projeto.

Por Rodrigo Salgado