A Macroeconomia e o terrorismo neoliberal

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Diferentemente da Microeconomia, a Macro não combina bem com senso comum. Seu funcionamento é contra-intuitivo já que a economia de um país opera de forma completamente diferente da economia de uma empresa ou família (que é onde funciona nossa intuição).

Vejamos alguns exemplos:

1- A quantidade de dinheiro emitido pelo governo não tem relação direta com a inflação (mas sim com juros básico). Especialmente após os gigantescos programas de Quantitative Easing em vários países na década passada e agora, já devia estar claro que a TQM está errada.

2- Dívida Pública interna (denominada na própria moeda) não é dívida de fato, mas sim estoque de liquidez tirado de circulação pelo governo (BC). Não faria sentido que alguém que emite moeda precisasse se endividar para ter recursos e poder gastar.

A Dívida Pública não é dívida porque não segue a lógica de dívida. Por exemplo, não tem risco de calote; não é necessária por falta de recursos ao governo federal (mas serve para controlar a liquidez na economia); e, portanto, não impõe uma relação de poder em favor dos credores.

3- Déficits Fiscais (governo gastar mais do que arrecada) não significam um problema. Assim como superávits (orçamento equilibrado) não são motivo de orgulho.
Ambos são instrumentos macroeconômicos que devem ser bem utilizados a depender da situação da economia. Déficits normalmente aceleram a atividade econômica, gerando empregos e elevando o PIB. Vice-versa. Importante ressaltar que isso nem sempre é verdade, pois não só a quantidade dos gastos e receitas importa, mas também suas qualidades (bom sistema tributário e gastos com alto multiplicador);

4- Ainda com relação à Dívida Pública interna não ser dívida, uma reflexão:

Qual é o devedor que escolhe a taxa de juros do próprio “empréstimo”?

Pois é, o governo federal escolhe.

A taxa básica de juros é escolhida pelo governo (BC), controlando a quantidade de moeda no mercado interbancário (mercado de reservas bancárias).

5- A dinâmica econômica do setor privado é intrinsecamente pró-cíclica.

Uma família ou uma empresa gastam mais quando suas receitas crescem (normalmente isso acontece no atacado quando a economia está crescendo), assim como cortam gastos quando a maré vira e as coisas começam a não ir tão bem. Ou seja, a natureza do setor privado é uma espécie de círculo vicioso, com mecanismos de retroalimentação na subida e na descida.

Daí a necessidade de o Estado fazer o que chamam de “gestão do ciclo”, isto é, contrabalancear as força privadas pró-cíclicas em momentos de excesso, tanto de superaquecimento da atividade econômica, quanto em desacelerações e estagnações. No primeiro caso, o governo deve cortar seus gastos e até elevar seus impostos de forma a exercer força contrária (anticíclica) ao setor privado (aqui é a hora de buscar superávits fiscais); e no segundo, o inverso, o governo deve elevar seus gastos com maiores multiplicadores novamente de forma anticíclica, evitando que o desemprego cresça e a economia caia demais (momento para buscar déficits).

O governo federal pode fazer isso pois diferente de famílias e empresas, ele não teme ficar sem dinheiro para honrar suas obrigações, não precisando (nem podendo) portanto se comportar pró-ciclicamente.

6- O gasto de um agente é a receita de outro.

Esse é um princípio tão óbvio quanto importante na compreensão da macroeconomia e está ligado ao item abordado acima, a potência anticíclica do gasto público está exatamente ligada à sua capacidade de gerar receita para o setor privado, estimulando-o assim a também gastar mais. E aqui entra a questão dos multiplicadores fiscais.

Todo gasto (saída de caixa) de alguém vira receita (entrada de caixa) de outro alguém. Mas nem toda receita vira gasto. Uma parte pode ser mantida em forma de poupança ou liquidez, como o saldo que mantemos em conta corrente por exemplo. Quanto maior a proporção de receita que é gasta, maior o multiplicador, já que o dinheiro continua passando de mão em mão e segue multiplicando a demanda na economia. A parte da receita que vira consumo de importados também derruba o multiplicador, já que vira demanda e eleva o PIB mas em outro país. Seria como um vazamento que enfraquece o processo.

Sendo assim, o multiplicador do gasto público é maior, quanto maior for a sua capacidade de virar demanda doméstica e se alastrar na economia. Matematicamente ele é medido de forma simples: a cada 1 real gasto pelo governo, quanto de PIB é adicionado após um, dois ou três anos? Se aquele 1 real só aumentou o PIB em 1 real, o multiplicador = 1, isto é, não há efeito multiplicador. No entanto, o resultado mais comum encontrado pelas pesquisas recentes na área, são multiplicadores maiores que 2 para o Brasil, podendo chegar a quase 6 em momentos de desaceleração.

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Fonte: http://www.revistas.usp.br/ee/article/view/141640/157791

Mas se a quantidade de Moeda não determina a inflação, então quais são seus determinantes?

Discussão fundamental para desmontar o terrorismo econômico neoliberal, em especial o baseado na má compreensão dos processos inflacionários.

Afinal, faz sentido que os marcadores de preço da economia, um dono de padaria por exemplo, suba os preços de seus produtos porque viu no jornal que o déficit do governo aumentou? Ou que o BC passará a comprar títulos do Tesouro Nacional?

Difícil acreditar…

Pois bem. Há basicamente 3 tipos de inflação. Vamos a eles:

1- Inflação de custos (a mais comum):

Preços são formados com base no custo de produção. Calculam-se os custos daquele produto depois marca-se um preço suficiente para cobri-los e dar algum lucro. O tamanho desse lucro (preço superior ao custo) depende da demanda pelo produto e da concorrência.

A exceção são as commodities, que tem seus preços determinados em mercados internacionais.

Para os outros produtos, se os custos disparam, os preços tendem a disparar com o repasse desse aumento. Se isso não ocorrer em alguma medida, muitas empresas simplesmente quebram.

Alguns custos de produção importantes: energia (elétrica e petróleo por ex), salários e câmbio (já que muitos insumos são importados).

Os Choques do petróleo nos anos 70 foram um caso de inflação de custos.

Primeiro sobe o preço do petróleo, mas por ele ser um custo de produção fundamental, o choque de custos acaba se espalhando para outros preços.

Abaixo os dois choques (1973 e 1979) acelerando a inflação dos EUA.

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Já no Brasil, muito do processo inflacionário no século XX é explicado por crises cambiais (choques de custos com origem cambial). O mecanismo é o seguinte: faltam dólares para fechar as contas externas, isso leva a maxidesvalorizações no câmbio, o que encarece insumos e produtos importados no geral, contaminando o resto dos preços e acelerando a inflação.

Já recentemente houve aceleração inflacionária do Dilma1 devido a baixo desemprego levando a aumentos salariais acima da produtividade.

E no Dilma2, em 2015, a maxidesvalorização do cambio, mas principalmente o choque de tarifas de energia (reguladas pelo governo) foram os determinantes para o estouro do teto da meta.

Custos, custos e custos…

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2- Outro tipo de inflação muito mais rara, mas possível em tese, é a de demanda. Ocorre quando a demanda aumenta muito mais rapidamente do que a oferta pode acompanhar.

É rara porque, de fato, sempre que há demanda, a tendência é que haja oferta buscando lucro. Nesse sentido, esse tipo de inflação está relacionado a momentos de superaquecimento da economia, onde há pleno emprego e portanto a produção já não pode mais ser ampliada.

3- Por final, há ainda a inflação inercial, grande conhecida dos brasileiros.

A inércia inflacionária é aquela indexação formal ou psicológica que leva a inflação passada para o futuro. As pessoas usam a inflação passada e corrente para projetar os preços futuros. Então se o dono da padaria precisou subir seu preço semanalmente no mês passado, ele tende a esperar que isso aconteça de novo, aí vem a profecia autorrealizável.

Tal processo tende a manter a taxa de inflação ancorada (constante), já que se a inflação foi 5% esse ano, eu me preparo e ajusto meus preços nesse ritmo também no ano que vem.

Já em casos extremos, onde taxa de inflação já está muito alta (quase hiperinflação) e em constante processo de elevação (choques), a inércia se torna aceleradora da taxa.

Foi o que ocorreu no Brasil de 86 a 94.

Ali, após o fracasso do Cruzado, as pessoas já esperavam um novo congelamento então se anteciparam e subiram seus preços tentando não entrar nele por baixo.

Depois do Cruzado vieram outros congelamentos e a cada fracasso, a corrida por remarcação de preços se acentuava à espera do próximo.

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O objetivo aqui é deixar claro que não existe algo como “inflação fiscal” ou mesmo “inflação monetária”. Inflação é fenômeno de preços, então se explica por oferta (custos) e demanda. Ou ainda por indexação (inércia).

Uma observação importante: Um mecanismo sempre presente em processos inflacionários é o conflito distributivo.

Trata-se da disputa entre trabalhadores e capitalistas por proteger e melhorar sua parcela de renda embutida nos preços. Custos de produção em boa parte são salários (renda do trabalhador). Enquanto lucros são renda do empresário/capitalista.

Como dito antes: Preço do produto = Custo + Lucro.

O trabalhador luta para aumentar seu salário, já o capitalista corre para tentar subir o preço de forma a cobrir o aumento do custo salarial e eventualmente proteger ou elevar seu lucro. Esse é o conflito.

O resultado é que o aumento inicial do salário pode ser só nominal (ilusório) e não real, pois acaba corroído pela inflação (aumento de Preço pelo capitalista).

  1. A maior contestação que vejo a essa interpretação, que me parece com a MMT, é a variação de preço de cada moeda em relação ao dólar. Se os reais saem do Brasil como dólares o preço do dólar dispara e isso gera uma inflação de custos.

    O que aconteceria se o Brasil fizesse um déficit de 50% do PIB, por exemplo? Não haveria saída de dólares? Esse é meu receio.

  2. Bom artigo. Mas acho que no final, na questão do conflito distributivo faltaram outros tipos de rendimentos. Reduzir à salário x lucro deixa de fora outros interessados neste conflito, especialmente os diversos tipos de rentistas que temos na nossa sociedade.

  3. Tem uma parte da esquerda que, como antigamente com as ideias da Europa, hoje fica se acotovelando pra ver quem copiar melhor a última moda do Partido Democrata dos EUA. É o que tão fazendo com essa teoria monetária moderna. Um terraplanismo econômico. Nessa tese e tudo tão simples. Por exemplo, veja essa pérola: A dívida “não impõe uma relação de poder em favor dos credores”… nossa, como ninguém percebeu antes? Vai ver se soubesse os mantras da TMM o governo não teria praticado juros estratosféricos.

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