Verdades e mentiras da reforma previdenciária

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, fala à imprensa sobre a proposta de reforma da Previdência.
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1. Vejamos o embuste da chamada capitalização proposta por Paulo Guedes, que constitui o objetivo prioritário da reforma: nessa “nova” Previdência não haveria mais contribuição de patrão para ajudar a bancar a aposentadoria do trabalhador. Ele teria de bancar sozinho o novo regime. Hipocritamente, dizem que seria uma escolha livre dele. É falso. A capitalização acabaria por ser obrigatória porque patrões não empregariam mais ninguém pelas regras da Previdência atual. E demitiriam quem já estivesse nela, contratando outros pelo novo regime.

2. Destruindo a Previdência pública: não haverá mais dinheiro para bancar futuras aposentadorias e pensões no regime atual. Em lugar disso, o trabalhador vai financiar com seu salário uma gigantesca caderneta de poupança de R$ 1 trilhão em 10 anos, nominalmente dele, mas de fato manipulada pelos banqueiros a seu bel prazer. Vai ser tirada dessa caderneta um pedaço como taxa de administração e o grosso do dinheiro será jogado no mercado. Se a especulação comer o dinheiro, a aposentadoria some, e o contribuinte morre de forme.

3. Preste bem atenção: o sistema atual da Previdência pode não ser ideal, mas oferece uma garantia mínima para o trabalhador ou trabalhadora quando chegar a hora da aposentadoria ou de receber pensão. No regime de capitalização não é assim. Não há nenhuma segurança de que os especuladores que manipularem a caderneta não usarão os recursos em benefício próprio, reduzindo ao mínimo o benefício do aposentado ou pensionista. Isso tem acontecido no Chile, que teve esse regime de capitalização imposto pela ditadura de Pinochet.

4. Estatísticas mostram que 35 a 40% dos trabalhadores empregados atualmente, caso seja aprovada a reforma, não conseguiriam cumprir o tempo mínimo de contribuição de 20 anos devido à combinação da proposta de Guedes com a herança infame do governo Temer: o trabalho intermitente e o trabalho temporário. Estes regimes, que representaram a liquidação da CLT, colocam dificuldades intransponíveis para o trabalhador fazer prova de tempo de contribuição para o INSS.

5. Mais de 80% dos benefícios de pensão por morte, hoje fixados em um salário mínimo, são concedidos a mulheres. Segundo a reforma, seus valores serão reduzidos à metade, assim como o benefício para o rural e para o idoso ou idosa. Estes são chamados de Benefícios de Prestação Continuada, hoje também fixados em um salário mínimo.

6. Para os que estão no regime atual, a reforma aumenta o tempo de contribuição e aumenta o valor com o qual o trabalhador contribui para a Previdência. Por outro lado, aumenta o tempo de contribuição para se obter aposentadoria e reduz valor a ser recebido quando o trabalhador se aposentar.

7. Os servidores públicos que contribuem para regimes próprios de previdência complementar estarão sujeitos a realizar contribuições extraordinárias para cobrirem eventuais deficiências atuariais, calculadas de forma obscura, sem participação de empregadores. Isso significa virtual confisco das aposentadorias.

8. Vai desaparecer a paridade entre correção monetária dos salários de trabalhadores ativos e benefícios de inativos. O Governo pode colocar o valor desses últimos em qualquer lugar, corroendo ao longo do tempo os valores reais dos benefícios.

9. A reforma pretende que seja retirada da Constituição a vinculação entre receitas da Seguridade Social, aí incluídas as da Previdência, e sua aplicação obrigatória em benefícios. Com esse artifício pretende-se legalizar o desvio de recursos previdenciários para outros fins, e especialmente para o pagamento dos juros da dívida pública.

REFORMA ALTERNATIVA

I. O financiamento da Previdência pública está baseado em contribuições dos trabalhadores e dos patrões, na Cofins, no lucro líquido das empresas e em outras fontes de menor expressão. A despesa abrange aposentadorias e pensões de contribuintes e outros benefícios especiais garantidos aos mais pobres. A Constituição de 88, que estabeleceu esse sistema, prevê que, se houver falta de recursos, o Governo é obrigado a cobrir a insuficiência deles. Isso só aconteceu nos últimos anos por força da terrível depressão econômica que afetou gravemente as receitas previdenciárias por culpa da política econômica neoliberal adotada desde 2015.

II. Em face da crise que continua provocando, o atual Governo, dominado pela obsessão neoliberal, pretende equilibrar a Previdência cortando despesas. Isso é absolutamente ineficaz. Se o Brasil não retomar o crescimento jamais haverá equilíbrio financeiro das finanças públicas. E o país só retomará o crescimento com a ampliação dos gastos públicos efetivos, mesmo que inicialmente deficitários, ampliando a demanda e cortando gastos inúteis com juros extorsivos sobre a dívida pública. O gasto real com compras de mercadorias e serviços do Governo estimula a demanda, a demanda estimula o investimento, o investimento estimula o emprego, e o aumento do emprego realimenta a demanda, num círculo virtuoso de crescimento. E ninguém precisa temer inflação por causa do gasto público deficitário: a economia está em profunda recessão, portanto sem risco de alta generalizada de preços.

III. Entretanto, admitimos que o sistema previdenciário atual requer algumas medidas de atualização, tendo em vista fatores demográficos como o envelhecimento da população. Ele precisa realmente de mudanças na estrutura de financiamento. A principal reforma a fazer, no entanto, é reduzir os impostos previdenciários indiretos (sobre o consumo) e dar maior peso aos diretos (renda, lucro, patrimônio). Impostos indiretos recaem sobre todo mundo, inclusive os pobres. Num país de extrema iniquidade social, com alta concentração de renda, isso é injusto. Não faz sentido que o peso do financiamento social recaia sobre o trabalhador.

IV. Nossa proposta alternativa ao regime que Guedes tenta impor ao país é que a principal base de financiamento da Seguridade seja o lucro empresarial e pessoal. Isso significa que a Contribuição sobre o Lucro Líquido deveria aumentar, que seja adotado um imposto vigoroso sobre lucros e dividendos pessoais (hoje o rico paga cerca de metade do imposto do pobre, em termos relativos), assim como um imposto sobre grandes fortunas. As empresas se beneficiariam da redução de impostos sobre o consumo e a produção corrente, enquanto os ricos seriam convidados a contribuir efetivamente, pela primeira vez, e de forma diferenciada, com o Sistema de Seguridade Social brasileiro, tornado menos iníquo e mais solidário.

V. Finalmente cabe um esclarecimento sobre a declaração de Guedes, na Câmara, de que a Previdência custa dez vezes o que custa a Educação no Brasil. É uma declaração mentirosa, absolutamente falsa. Se tomarmos o orçamento do ano passado, a Previdência custou 6,8 vezes a Educação. Mesmo isso tem que ser olhado com cuidado, pois se trata de educação no nível superior, obrigação do Governo central, e não de educação primária e secundária, a cargo de Estados e municípios. A comparação relevante é com os juros. Do orçamento total de 2,6 trilhões de reais em 2018, a Previdência, principal garantidora dos direitos sociais no país, ficou com 642 bilhões. Já os juros e amortizações consumiram 1 trilhão 65 bilhões de reais. Será que Guedes pensa que os deputados não sabem fazer contas de somar?

*Comentário com o tema deste artigo foi feito pelo ex-senador Roberto Requião, no Youtube neste sábado. Faremos outros comentários, por escrito e no Youtube,  durante a Vigília contra a destruição da Previdência Social, que será iniciada amanhã, segunda-feira.