Do monetarismo à MMT, a volta do desenvolvimentismo

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André Lara Resende e Larry Randall Wray
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Por Fernando Ferro e Antonio Duarte Vargas – Já são 12 anos da crise de 2008. Um longo período de transição para fora da hegemonia do neoliberalismo, fiscalismo e monetarismo. Mesmo os operadores das restrições fiscais e monetárias no centro do capitalismo e do imperialismo já abandonaram esses dogmas. André Lara Resende explica isso do alto de sua posição histórica tendo sido um destacado operador do sistema econômico-financeiro do Brasil no auge do neoliberalismo nos anos 1990. Ele foi diretor do Banco Central do Brasil, negociador chefe da dívida externa e um dos integrantes da equipe econômica que elaborou o Plano Real, além de presidente do BNDES.

André inicia seu artigo de hoje (11/12/2020) no Valor Econômico apontando a guinada anti-monetarista e anti-fiscalista de ninguém menos do que Larry Summers, secretário do Tesouro de Clinton e chefe do conselho econômico de Obama, e Ben Bernanke, sucessor de Alan Greenspan como presidente do FED, sendo o chefe do banco central dos americanos durante a crise de 2008. Além deles, o próprio FMI, fundo criado após a Segunda Guerra Mundial para financiar os países com dificuldades e que passou a ser um agente de coação de restrição fiscal e monetarista aos países subdesenvolvidos, também “guinou à esquerda”:

Essa já vem sendo a tese defendida pelo FMI. A diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, e a economista-chefe, Gita Gopinath, deram recentemente entrevistas defendendo o uso da política fiscal, tanto para amenizar a crise provocada pela pandemia como para garantir uma recuperação sustentada uma vez passada a crise.

Para justificar essa guinada teórica, André Lara Resende da uma aula sobre a teoria monetária do “Cartalismo” que explica que o problema da inflação não é fiscal e sim institucional!

O que ancora a moeda fiduciária é a percepção de perenidade do Estado. É o fato de que o Estado estará sempre lá para aceitar seus títulos para pagamento de impostos que dá credibilidade e aceitação à moeda. Essa é a tese do economista alemão Georg Knapp (1842-1926), que, no início do século XX, foi reinterpretada pela moderna Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP). A diferença é que a TFNP dá mais importância à solvência financeira do Estado, enquanto Knapp ressalta a estabilidade política-institucional do Estado. Todo o espaço para a emissão de moeda e de dívida, sem provocar a inflação, se evapora quando o Estado ameaça se desorganizar. O fato de que quando o Estado caminha para o colapso político-institucional, ainda que com baixo nível de endividamento, a moeda perde credibilidade e a inflação se acelera é evidência clara a favor do Cartalismo de Knapp.

O cartalismo e a teoria macroeconômica keynesiana são as bases da Moderna Teoria da Moeda (MMT na sigla em inglês pela qual é mais conhecida). Segundo seu maior expoente, Larry Randall Wray, a MMT praticamente não tem inovações, e trata-se apenas da retomada da macroeconomia realista consagrada por Keynes, Abba Lerner, Mitchell-Innes, Knapp, Hyman Minsk etc. De acordo com Wray, a MMT é uma teoria eminentemente descritiva de como a economia fiscal e monetária funcionam.

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André Lara Resende e Larry Randall Wray

Pois bem. André Lara Resende aponta como essa mudança teórica encontra ecos não apenas no centro emissor da moeda de curso internacional, o dólar, mas também no Brasil.

No dia seguinte ao seminário da Brookings, participei, com Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi, Monica de Bolle e Manoel Pires, de um painel sobre o investimento público e a retomada do crescimento no Fórum de Economia da FGV-SP. Bresser-Pereira e Marconi apresentaram uma proposta para elevar o investimento público no Brasil para 5% do PIB. Na década de 1970 a taxa de investimento público foi em média quase 8% ao ano. Desde então, está em queda, até chegar a menos de 2% nos últimos anos e caminha para ser zero, se o teto dos gastos e o aumento das despesas correntes forem mantidos. Partem da premissa incontestável de que o crescimento depende do investimento. Sustentam que o investimento público é indispensável e complementar ao investimento privado.”

Para além da brilhante exposição do ex-diretor do Banco Central do Brasil sobre a guinada teórica no centro e na periferia do capitalismo impulsionada pela crise de 2008 e o colapso do binômio fiscalismo-monetarismo, é preciso apontar o elemento geopolítico que motiva essa transição profunda.

Já há alguns anos, tem se tornado claro que o Dragão Chinês vem devorando o Império Ianque e que a reação teria que vir. Nessa linha, o neoliberalismo do mundo unipolar (sem ameaças) já não serve mais, e a MMT (abandono do equilíbrio fiscal enquanto restrição) cumpriria a função de legitimação teórica para a volta do protagonismo estatal estadunidense. Wray chega a tirar sarro de que não estão inventando teoria nova, apenas relembrando o que os ortodoxos fizeram o mundo esquecer a partir dos anos 1970.

É uma questão econômica, mas determinada pela guinada geopolítica. A volta da Guerra Fria, ou “Segunda Guerra Fria”, como diria Moniz Bandeira. A ascensão da China e sua guerra comercial com os EUA, a recuperação do protagonismo militar da Rússia de Putin, são elementos centrais na retomada “keynesiana” dos norte-americanos.

Foi a geopolítica, suas disputas interimperialistas e o rearranjo da correlação de forças que criou o “consenso keynesiano”, o Estado de Bem-Estar Social e que abriu a brecha para o nacional-desenvolvimentismo. No pós-Guerra nos anos 1940, e agora, no pós-destruição neoliberal agravada pela pandemia.

Os Estados ocidentais finalmente voltam a protagonizar a ação pelo crescimento/desenvolvimento econômico, na concorrência com a ascensão asiática. E assim como em 1950-80, aguardemos não só forte crescimento econômico, mas um boom das “inovações tecnológicas radicais”. É a volta não só de Keynes, mas de Schumpeter. O mundo está mudando, e não podemos ficar parados.

Por Fernando Ferro e Antonio Duarte Vargas

Artigo citado: Valor Econômico – André Lara Resende: Por que Summers e Bernanke agora defendem política fiscal expansionista:
https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/12/11/lara-resende-por-que-summers-e-bernanke-agora-defendem-politica-fiscal-expansionista.ghtml.