A falsa-polêmica do dependentismo contra o nacional-desenvolvimentismo

A falsa-polêmica do dependentismo contra o nacional-desenvolvimentismo
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Jones Manoel é um competente divulgador da Teoria Marxista da Dependência de Ruy Mauro Marini. No entanto, ele insiste em uma polêmica contra o nacional-desenvolvimentismo que não se sustenta diante da história e mesmo da leitura dos autores que pretende criticar. Sua acusação de que não haveria “sustentação política” para o nacional-desenvolvimentismo soma-se a acusação de que a industrialização por si só não rompe a dependência. Ora, sem novidades. O que ele chama de “neo-varguismo“, alcunha que considero motivo de orgulho, é uma caricatura. Ninguém acha que haverá desenvolvimento sem coerção do Estado, tampouco que apenas a industrialização resolve tudo.

Novamente, primeiro a teoria. Celso Furtado, maior expoente do pensamento estruturalista latino-americano originado na CEPAL e criticado por Marini, não tinha nenhuma ilusão sobre a panaceia da industrialização. Ele escreveu um livro chamado “O Mito do Desenvolvimento Econômico”. Segundo Furtado, não poderia haver desenvolvimento apenas com crescimento econômico e industrialização. Seria preciso um profundo processo de reformas estruturais (daí o “estruturalismo”) que distribuíssem não apenas a renda (a repartição do excedente, enfim, do mais-valor), como levasse os ganhos de produtividade para todos os setores da economia, e principalmente, superasse a dependência financeira e tecnológica externa. Isso está nos livros de Furtado, não só nos de Marini.

A industrialização de uma economia altamente concentradora de renda, como é a brasileira, continua subdesenvolvida porque continua dependente tecnologicamente e financeiramente, além de degradante socialmente. A produção de mercadorias de consumo se concentra na faixa de renda mais alta da sociedade, que tem um padrão de consumo de alto valor agregado das mercadorias mais sofisticadas, que são importadas ou produzidas por multinacionais estrangeiras. Para gerar a indústria desse tipo de mercadoria no curto prazo é preciso de um grande volume de importações, tecnologias e financiamentos externos. Ainda que haja industrialização, é mantida a dependência externa, pois a economia nacional não internaliza a tecnologia nem os fluxos financeiros, mantendo a submissão a interesses estrangeiros. Essa situação de dependência externa aprofunda o desequilíbrio na balança de pagamentos, prejudicando a situação fiscal do Estado, da capacidade de investimento interno, e por fim do próprio desenvolvimento.

Para haver desenvolvimento, é preciso industrializar a base de consumo da maior parte da população, e não apenas dos estratos superiores e menos numerosos, bem como dos setores de exportação da economia brasileira, como agropecuária, mineração, e petróleo, além de desenvolver um setor exportador de alta tecnologia. A industrialização nesses setores gera mais empregos, aumenta a renda interna, a capacidade de investimento, e possibilita a criação de tecnologia nacional, enfrentando o problema da dependência externa. Mas isso só é possível fortalecendo o mercado interno com aumento da renda através de ganhos de produtividade na base da pirâmide social, e não estimulando o consumo apenas nos estratos superiores. Ou seja, sem diminuição das desigualdades econômicas e sociais, não há desenvolvimento.

Tudo isso está no que Jones chama de “neo-varguismo”. Inclusive, houve autocríticas dentro da própria tradição nacional-desenvolvimentista, que tinha rico debate teórico entre os autores, que Jones parece ignorar. Maria da Conceição Tavares, por exemplo, apontou que os cepalinos previam a estagnação econômica devido à falta de distribuição de renda, porém, isso foi desmentido na prática com o milagre econômico da Ditadura Militar que acelerou a industrialização com concentração de renda. Isso é possível porque no próprio Livro II d’O Capital, Marx já havia explicado, na sua divisão dos departamentos produtivos (bens de consumo e bens de produção) que a valorização do valor não depende somente, tampouco principalmente, do consumo da população, mas também do consumo do próprio sistema produtivo. Diante disso tudo, a polêmica entre dependentistas e nacional-desenvolvimentistas não se dá nesse assunto.

A grande contribuição de Marini é de fato na questão da dominação do capital externo sobre o capital nacional. A superexploração do trabalho não é um conceito moral, e sim econômico, da teoria do valor. O capitalismo dependente exporta mais-valor para o centro do sistema através da superexploração, justamente porque suas forças produtivas são menos desenvolvidas e tem uma proporção maior de capital variável (trabalho humano) do que de capital constante (indústria, máquinas, tecnologia e etc.). Essa é uma grande contribuição teórica que não inviabiliza, ao contrário do que querem os dependentistas, a possibilidade de rompimento do subdesenvolvimento sem revolução socialista.

Essa dominação externa também está brilhantemente exposta na obra de Caio Prado Jr. O sistema econômico e social interno de um país subdesenvolvido está voltado à exportação de produtos de baixa intensidade de capital e importação de produtos de alto valor agregado pela produtividade, tecnologia e etc. Além disso, pelos fatores políticos que sustentam isso: a colonização, e depois a manutenção da submissão periférica das ex-colônias ao centro hegemônico das antigas metrópoles mesmo após a independência formal. É isso o que o Caio Prado chamou de “sentido da colonização”.

A falsa-polêmica do dependentismo contra o nacional-desenvolvimentismo

Novamente, a história. Como procurei descrever no texto anterior, a China atingiu o status de segunda caminhando para ser a primeira potência econômica mundial com capitalismo. Com desenvolvimento de suas forças produtivas, distribuição de renda através do aumento colossal de direitos sociais e inclusão da sua gigantesca população no consumo de produtos cada vez mais sofisticados. A diferença da China, e de vários outros países asiáticos que romperam com o sentido da colonização e o subdesenvolvimento, para os países da América Latina, cujos projetos nacionais-desenvolvimentistas foram interrompidos, foi justamente a capacidade de impor o rompimento da dominação externa industrializando seus setores de exportação e levando o ganho de produtividade para toda pirâmide social e produtiva.

Isso não foi feito sem coerção política. Os chineses, comunistas que são, não toleram demandas de capitalistas que atrapalhem seu desenvolvimento. Já o General Park da Coreia do Sul, notório e violento anti-comunista, fazia os empresários que não cumprissem metas desfilarem com placas de incompetentes pelas ruas em cerimônias de humilhação pública. Vladimir Putin, nacionalista conservador da Rússia, adora divulgar vídeos obrigando empresários a assinarem contratos de investimentos para salvar empregos, além de prender os que tentam levar suas riquezas para fora do país. O que esses países lograram fazer foi colocar o desenvolvimento de suas forças produtivas a serviço da soberania nacional rompendo o sentido da colonização. A industrialização não é suficiente, mas é essencial para isso. No setor interno possibilita a democratização do consumo e dos direitos sociais, no setor externo possibilita o rompimento da dependência tecnológica e financeira. Nada disso tem a ver com socialismo.

Deng Xiaoping inclusive foi acusado de contrarrevolucionário por abrir a economia chinesa para a globalização. Mas ele fez isso para que a China exportasse bens industriais e obtivesse a montanha de dólares que garantem sua soberania monetária atual, ainda que não possam abrir mão da moeda norte-americana para suas transações internacionais. Romper com a hegemonia do dólar, no entanto, é uma meta de longo prazo dos chineses que buscam arranjos alternativos por exemplo com a Rússia sem a moeda fornecida pelo FED, o banco central dos EUA.

De fato, o nacional-desenvolvimentismo latino-americano não conseguiu ultrapassar a barreira da exportação de bens industriais que fornecem os ganhos em moeda estrangeira, por exemplo, para impor sua soberania monetária. Nosso sistema financeiro-monetário colapsou com o endividamento externo imposto pela aliança dos militares com os EUA. Como dito no texto anterior, a geopolítica é muito dura para a América Latina, mais do que na Ásia que foi um campo de batalha mais equilibrado da Guerra Fria. É por isso que é necessário coragem para emitir moeda nacional para fazer investimentos, como fizeram os soviéticos, os chineses, os norte-americanos, os ingleses, os franceses, os alemães e todos os países que se industrializaram como demonstrou John Kenneth Galbraith em seu monumental livro “A Moeda”. Essa é condição obrigatória para a industrialização. Foi isso que Getúlio Vargas fez nos anos 1930, é isso que o “neo-varguismo” defende neste aniversário de 90 anos da Revolução de 30.

Portanto, considero importante a divulgação da Teoria Marxista da Dependência. Sua contribuição para ajudar na compreensão do imperialismo e do subdesenvolvimento é crucial. Porém, é preciso evitar falsas-polêmicas. O que estou defendendo é que a viabilidade de um Projeto Nacional de Desenvolvimento e a superação do subdesenvolvimento não depende da “revolução comunista”. Essa é a polêmica de verdade. Me parece que a história confirma essa tese no passado e no presente, no futuro é impossível saber. Somente há uma certeza, não haverá modelos estrangeiros capazes de fazer a revolução brasileira. Essa é a grande lição dos chineses que insistem tanto em sua heterodoxia marxista contra os manuais europeus.

  1. Jones Manoel deveria fazer o curso de Economia Política Professora Conceição que está disponível no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=hWGP2J1kXMQ). Se pouparia de escrever, com pena provecta embebida em tinteiro de “lacração”, vesgas reproduções da teoria dependentista cujas limitações compreensivas são conhecidas desde o seu surgimento. Sem um profundo conhecimento em economia e história, a arguta crítica se transubstancia em panfleto ranhento tão logo da sua produção.

  2. Revolução Brasileira é a “there is no alternative” dos depedentistas. Jones é o exemplo de que liberais e marxistas podem convergir partindo de premissas distintas.

  3. Essa é a beleza da luta por um antidestino, lema do portal Disparada:

    Saber que não estamos destinados ou fadados a NADA: nem a ser perpetuamente colônia, nem à ‘Revolução Brasileira’, supostamente inoxorável.

    As alternativas são múltiplas, diversas e não estão em nenhum manual. Passam pela nossa capacidade de inventar o Brasil que queremos, pra citar o grande Darcy Ribeiro

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